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terça-feira, 21 de abril de 2020

Saudações aos Comunistas Italianos, Franceses e Alemães

Lenin*
Outubro de 1919.


São, de fato, escassas, as notícias que recebemos do estrangeiro. O bloqueio organizado pelas feras imperialistas está em pleno andamento; a violência das maiores potências mundiais voltou-se contra nós, na esperança de repor a ordem dos exploradores. E esta fúria bestial dos capitalistas mundiais e da Rússia encontra-se camuflada, desnecessário será dizer, em frases que falam do sublime significado de “democracia”! O campo explorador é fiel a si mesmo; retrata a democracia burguesa como sendo a “democracia” em geral. E todos os filisteus e pequeno-burgueses, desde Friedrich Adler, Karl Kautsky, à maioria dos líderes do Independente [1] Partido Social Democrata da Alemanha (ou seja, independente do proletariado revolucionário, mas dependente dos pequeno-burgueses), juntaram-se ao coro.
Lenin
Contudo, apesar das raras notícias do exterior recebidas na Rússia, grande é a alegria com que seguimos o avanço gigantesco, universal, do comunismo entre os operários de todos os países do mundo e o rompimento que essas massas fizeram com os líderes corruptos e traiçoeiros que, de Scheidemann a Kautsky, se juntaram à burguesia.

Tudo o que sabemos do Partido Italiano é que o seu Congresso decidiu, por uma grande maioria, filiar-se na Terceira Internacional e adotar o programa da ditadura do proletariado. Apesar disso, o Partido Socialista Italiano, que, na prática, se alinhou com o comunismo, mantém, ainda, para nosso pesar, o seu nome antigo. Calorosas saudações aos trabalhadores italianos e ao seu partido!

Tudo o que sabemos da França é que, só na cidade de Paris, já existem dois jornais comunistas: L’Internationale, editado por Raymond Péricat, e Le Titre censuré, editado por Georges Anquetil. Uma série de organizações proletárias já se encontram filiadas na Terceira Internacional. As simpatias das massas operárias estão, sem dúvida, do lado do comunismo e do poder soviético.

Dos comunistas alemães, apenas sabemos que jornais comunistas são publicados em várias cidades. Muitos levam o nome Die Rote Fahne [Nota do Tradutor: Bandeira Vermelha]. O berlinense Rote Fahne, uma publicação ilegal, luta heroicamente contra os verdugos Scheidemann e Noskes, os algozes que se submetem às ordens da burguesia, tal como os independentes o fazem através das palavras e da sua propaganda “ideológica” (ideologia pequeno-burguesa).

A luta heroica do Die Rote Fahne, o jornal comunista berlinense, exige toda a nossa admiração. Vemos, finalmente, na Alemanha, socialistas honestos e sinceros, que, apesar de toda a perseguição, apesar do assassinato dos seus melhores líderes, permanecem firmes e inflexíveis! Vemos, finalmente, na Alemanha, trabalhadores comunistas travando uma luta heroica que merece, de fato, a designação de “revolucionária”! Surgiu, finalmente, na Alemanha, entre as fileiras das massas proletárias, uma força para quem as palavras “revolução proletária” se tornaram uma verdade!

Saudações aos Comunistas Alemães!

Os Scheidemann e os Kautsky, os Henners e os Friedrich Adlers, apesar da grande diferença que possa existir entre estes senhores, no sentido da integridade pessoal, todos revelaram ser, da mesma forma, pequeno-burgueses e os mais vergonhosos traidores do socialismo, defensores da burguesia. Apesar de em 1912 todos eles terem participado na elaboração e na assinatura do Manifesto de Basileia “sobre a guerra imperialista que se aproxima”, e de todos eles terem, nessa altura, falado de “revolução proletária”, todos provaram, na prática, ser pequeno-burgueses democratas e cavaleiros de ilusões filistino-republicanas, democrático-burguesas, cúmplices da burguesia contrarrevolucionária.


A perseguição selvagem a que os comunistas alemães foram submetidos acabou por fortalecê-los. Se, neste momento, eles estão de certa forma desunidos, isto atesta a amplitude e o caráter de massa do seu movimento e o vigor com que o comunismo está a crescer fora do próprio meio das massas trabalhadoras. É inevitável que um movimento tão impiedosamente perseguido pela burguesia contrarrevolucionária e seus capangas Scheidemann-Noske, e forçado a organizar-se clandestinamente, esteja desunido.

E é também natural que um movimento que esteja a crescer tão rapidamente e a sofrer uma perseguição tão cerrada dê origem a diferenças bastante acentuadas. Isto não tem nada de temível; são, apenas, dores de crescimento.

Deixemos os Scheidemann e os Kautsky tripudiar nas suas Vorwarts e Freiheit as diferenças entre os comunistas. Apenas resta a estes heróis de um filisteísmo putrefato encobrir a sua podridão apontando o dedo aos comunistas. Mas se tomarmos o estado real das coisas, percebemos que apenas os cegos não conseguem ver a verdade. E a verdade é que os seguidores de Scheidemann e de Kautsky traíram vergonhosamente a revolução proletária na Alemanha, venderam-na, e tomaram, na prática, o partido da burguesia contra-revolucionária. Heinrich Laufenberg, no seu excelente panfleto, From the First Revolution to the Second [N.T.: Da Primeira Revolução à Segunda], demonstrou-o e provou-o com força notável, vivacidade, clareza e convicção. As diferenças entre os seguidores de Scheidemann e de Kautsky são diferenças que fazem parte de um processo de desintegração, partidos mortos nos quais apenas restam os líderes sem massas, generais sem exércitos. As massas, gradualmente, abandonam os Scheidemann e aproximam-se de Kautsky, pois estão a ser atraídas pela sua ala esquerda (isto pode ser confirmado através de qualquer relatório de uma qualquer reunião de massas), e essa ala esquerda combina – de forma inescrupulosa e covarde – os velhos preconceitos da pequena-burguesia sobre a democracia parlamentar com a comunista revolução proletária, a ditadura do proletariado e o poder soviético.

Sob a pressão das massas, os líderes em decomposição dos Independentes reconhecem tudo isto nas palavras, contudo, nos atos, permanecem democratas pequeno-burgueses, “socialistas” do tipo de Louis Blanc e outros tolos de 1848, que foram tão impiedosamente ridicularizados por Marx.

Aqui temos diferenças que são realmente irreconciliáveis. Não pode haver paz, não pode haver trabalho conjunto, entre os revolucionários proletários e os filisteus, que, tal como os de 1848, se deixaram levar pela adoração da “democracia” burguesa, sem compreender a sua natureza burguesa.** Haase e Kautsky, Friedrich Adler e Otto Bauer, podem torcer-se e contorcer-se como quiserem, usar resmas de papel e fazer discursos intermináveis; contudo, não podem fugir à evidência de que, na prática, não conseguem, de forma nenhuma, compreender a ditadura do proletariado e o poder soviético, de que, na prática, são democratas pequeno-burgueses, “socialistas” do tipo Louis Blanc e Ledru-Rollill, de que, na prática, são, na melhor das hipóteses, marionetas nas mãos da burguesia, e, na pior das hipóteses, mercenários diretos da burguesia.

Os independentes, os kautskistas, e os sociais-democratas austríacos parecem ser partes que se unem; na verdade, sobre a solução básica e primordial, a maioria dos membros dos seus partidos não concorda com os líderes. Os membros do partido travarão uma luta revolucionária proletária pelo poder soviético quando uma nova crise se instalar, e, nesse instante, os “líderes” atuarão, tal como o fazem agora, como contrarrevolucionários. Estar sentado entre dois bancos não é, em palavras, uma questão difícil; Hilferding, na Alemanha, e Friedrich Adler, na Áustria, estão a dar um excelente exemplo desta nobre arte.

Mas as pessoas que tentam conciliar o inconciliável provarão, no calor da luta revolucionária, ser meras bolhas de sabão. Isto foi demonstrado por todos os heróis “socialistas” de 1848, pelos seus parentes russos mencheviques e socialistas revolucionários, em 1917-1919, e está sendo demonstrado por todos os paladinos da Segunda Internacional, de Berna, ou amarela.

As diferenças entre os comunistas são de outro tipo. Só quem não quer, é que não vê a distinção fundamental. As diferenças entre comunistas são diferenças entre representantes de um movimento de massas que cresceu com uma rapidez incrível. São diferenças que têm uma base fundamental comum, firme como uma rocha: o reconhecimento da revolução proletária, da luta contra as ilusões democrático-burguesas e o parlamentarismo democrático-burguês, o reconhecimento da ditadura do proletariado e do poder soviético.

Tendo em conta esta base, as diferenças não têm nada de preocupante, representando dores de crescimento e não de decadência senil. Também o bolchevismo sofreu diferenças deste tipo, mais de uma vez, assim como pequenas ruturas causadas por tais diferenças; contudo, no momento decisivo, no momento de tomar o poder e estabelecer a República Soviética, o bolchevismo estava unido; assimilou o que havia de melhor nas diferentes tendências do pensamento socialista e reuniu em torno de si toda a vanguarda do proletariado e a esmagadora maioria dos trabalhadores.

E também assim será com os comunistas alemães.

Os seguidores de Scheidemann e de Kautsky continuam a falar de “democracia” em geral, ainda vivem com as ideias de 1848, são marxistas em palavras, mas Louis Blancs na prática. Falam muito da “maioria” e acreditam que a igualdade nos boletins de voto significa a igualdade entre explorados e exploradores, entre o operário e o capitalista, entre pobres e ricos, entre esfomeados e saciados.

Os Scheidernanns e os Kautskys querem-nos nos fazer crer que capitalistas honestos, nobres, amantes da paz, de bom coração, nunca usaram a força da riqueza, a força do dinheiro, o poder do capital, a opressão da burocracia e a ditadura militar, mas que apenas decidiram assuntos puramente “por maioria”!

Os Scheidemann e os Kautskys (em parte, por hipocrisia, em parte, por extrema estupidez incutida durante décadas de atividade reformista) embelezam a democracia burguesa, o parlamentarismo burguês e a república burguesa, de modo a fazer crer que os capitalistas decidem os assuntos de Estado pela vontade da maioria, e não pela vontade do capital, por meio do engano e da opressão, da violência dos ricos contra os pobres.

Os Scheidemanns e os Kautskys estão prontos a “reconhecer” a revolução proletária, mas apenas sob a condição de, antes de mais, enquanto a força, o poder, a opressão e os privilégios do capital e da riqueza estiverem conservados e a maioria do povo votar (com o voto supervisionado pelo aparelho burguês do poder de Estado) “pela revolução!” É difícil imaginar a extensão da estupidez filistina exibida nestes pontos de vista, ou a extensão da ingenuidade filistina (Vertrauensduslei) relativamente aos capitalistas, à burguesia, aos generais e ao aparato burguês do poder estatal.

Na verdade, foi precisamente a burguesia que sempre desempenhou o papel de hipócrita, ao caracterizar a igualdade formal como “democracia” e, na prática, usar a força contra os pobres, os operários, os pequenos camponeses e os trabalhadores, através do emprego de inúmeros meios de engano, de opressão, etc. A guerra imperialista (que os Scheidemanns e Kautskys pintaram vergonhosamente em cores brilhantes) tornou isto óbvio para milhões de pessoas. A ditadura do proletariado é o único meio de defender os trabalhadores contra a opressão do capital, a violência da ditadura militar burguesa e a guerra imperialista. A ditadura do proletariado é a única saída possível para a igualdade e a democracia na prática, e não no papel, na vida, e não na política fraseológica, na realidade econômica.

Não tendo compreendido isto, os Scheidemans e os Kautskys provaram ser desprezíveis traidores ao socialismo e defensores das ideias da burguesia.

O partido kautskista (ou independente)(1) está a morrer. Está, em breve, condenado à morte e à desintegração, consequência das diferenças entre os seus membros predominantemente revolucionários e os seus “líderes” contrarrevolucionários. O Partido Comunista, enfrentando exatamente as mesmas (essencialmente as mesmas) diferenças vividas pelo bolchevismo, crescerá mais forte e tornar-se-á, assim, tão forte como o aço.

As diferenças entre os comunistas alemães resumem-se, até onde posso julgar, à questão da “utilização das possibilidades legais” (como os bolcheviques costumavam dizer, no período entre 1910-1913), ou seja, de utilizar o parlamento burguês, os sindicatos reacionários, a lei nos conselhos de trabalho (Bet riebsratge Setz), órgãos estes que têm sido utilizados pelos Scheidemanns e Kautskys; ou seja, a questão que se coloca é a da participação ou a do boicote a tais órgãos.

Nós, bolcheviques russos, experimentamos diferenças bastante semelhantes em 1906 e no período entre 1910 e 1912. E, para nós, é claro que, com tantos jovens comunistas alemães, este é, simplesmente, um caso de falta de experiência revolucionária. Se eles tivessem experimentado um par de revoluções burguesas (1905 e 1917), não estariam defendendo tão incondicionalmente o boicote e não cairiam, por vezes, nos erros do sindicalismo.

Esta é uma questão de dores de crescimento. Desaparecerá à medida que se desenvolver o movimento, o qual cresce cada vez mais e melhor. E estes erros óbvios devem ser combatidos abertamente: as diferenças não devem ser exageradas, uma vez que deve ser claro para todos que, num futuro próximo, a luta pela ditadura do proletariado, pelo poder soviético, afastará a maioria delas.

Quer do ponto de vista da teoria marxista, quer da experiência de três revoluções (1905, fevereiro de 1917 e outubro de 1917), considero um erro inquestionável a recusa em participar num parlamento burguês, num sindicato reacionário (dos Legien, dos Gompers, etc.), num conselho operário ultrarreacionário, deformado pelos Scheidemanns, etc. Por vezes, em casos específicos, em determinados países, o boicote é correto, como foi o caso, por exemplo, do boicote feito pelos bolcheviques à Duma czarista, em 1905.(2)

Mas os mesmos bolcheviques participaram na Duma, muito mais reacionária e francamente contrarrevolucionária, de 1907. Os bolcheviques  participaram das eleições para a Assembleia Constituinte burguesa em 1917, contudo, em 1918, dissolveram-na, horrorizando os democratas filisteus, os Kautskys e outros renegados do socialismo. Trabalhamos nos sindicatos ultrarreacionários, puramente mencheviques, os quais (na sua natureza contrarrevolucionária) nada ficam a dever aos ignominiosos e ultrarreacionários sindicatos alemães comandados por Legien. Mesmo agora, dois anos após a conquista do poder de Estado, ainda não terminamos a luta contra os restos dos sindicatos mencheviques (ou seja, sindicatos do tipo daqueles que foram formados por Scheidemann, Kautsky, Gompers, etc.): isto para dizer que o processo é longo, pois, em alguns lugares, a influência das ideias pequeno-burguesas ainda está presente!

Simultaneamente, éramos uma minoria nos Sovietes, nos sindicatos e nas cooperativas. Graças a um esforço persistente e a uma longa luta – antes e depois da conquista do poder político – ganhamos a maioria, primeiro, em todas as organizações operárias, depois nas não-operárias, e, por fim, nas organizações de pequenos camponeses.

Só canalhas ou simplórios podem pensar que o proletariado deve, primeiro, conquistar a maioria em eleições realizadas sob o jugo da burguesia, sob o jugo da escravidão assalariada, e, então, conquistar o poder. Isto é o cúmulo da estupidez ou da hipocrisia; isto é substituir a luta de classes e a revolução por eleições sob o velho regime e o velho poder.

O proletariado leva avante a sua luta de classes e não espera por eleições para começar uma greve, ainda que para o sucesso completo de uma greve seja necessário ter a simpatia da maioria dos trabalhadores (e, por conseguinte, da maioria da população). O proletariado leva avante a sua luta de classes e derruba a burguesia sem esperar por quaisquer eleições preliminares (supervisionadas pela burguesia e realizadas sob o seu jugo opressor), sendo que o proletariado se encontra perfeitamente consciente de que para o sucesso da sua revolução, para o sucesso do derrubamento da burguesia, é absolutamente necessário ter a simpatia da maioria dos trabalhadores (e, por conseguinte, da maioria da população).

Os cretinos parlamentares e os Louis Blancs dos nossos dias “exigem” obrigatoriamente eleições, supervisionadas pela burguesia, para comprovar de que lado estão as simpatias da maioria dos trabalhadores. Mas esta é uma atitude de pedantes, de cadáveres vivos, ou de trapaceiros astutos.

A vida real e a história das revoluções atuais mostram que, muitas vezes, a “simpatia da maioria dos trabalhadores” não pode ser comprovada por nenhum tipo de eleições (isto sem falar de eleições supervisionadas pelos exploradores, na base da “igualdade” entre exploradores e explorados!). Muitas vezes, a “simpatia da maioria dos trabalhadores” não é demonstrada por eleições, mas pelo crescimento de um dos partidos, ou pela sua crescente representação nos sovietes, ou pelo sucesso de uma greve que, por alguma razão, adquiriu uma grande importância, ou por vitórias alcançadas numa guerra civil, etc., etc.

A história da nossa revolução tem mostrado, por exemplo, que a simpatia pela ditadura do proletariado por parte da maioria dos trabalhadores, nas extensões ilimitadas dos Urais e da Sibéria, não foi apurada por meio de eleições, mas pela experiência de um ano do governo do General czarista Kolchak nessa região. Aliás, o poder de Kolchak também começou com uma “coligação” dos Scheidemann e dos Kautsky (em russo, dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários, simpatizantes da Assembleia Constituinte), do mesmo modo que, agora, na Alemanha, os senhores Haases e Scheidemanns, através da sua “coligação”, abrem o caminho para o poder de von Goltz ou de Ludendorif, encobrindo este poder e fazendo-o parecer decente. Entre parênteses, deve ser dito que a coligação de governo Haase-Scheidemann terminou, mas que a coligação política desses traidores do socialismo permanece – a prova: livros de Kautsky, artigos de Stampfer em Vorwärts, os artigos de Kautsky e os de Scheidemann sobre a sua “unificação”, e assim por diante.

A revolução proletária é impossível sem a simpatia e o apoio da esmagadora maioria dos trabalhadores à sua vanguarda: o proletariado. Mas essa simpatia e esse apoio não se adquirem de repente e não são decididos por eleições. São ganhos no curso de uma longa, árdua e dura luta de classes. A luta de classes levada a cabo pelo proletariado pela simpatia e apoio da maioria dos trabalhadores não termina com a conquista do poder político pelo proletariado. Após a conquista do poder, esta luta continua, mas sob outras formas. Na revolução russa, as circunstâncias foram excepcionalmente favoráveis ao proletariado (na sua luta pela sua ditadura), já que a revolução proletária ocorreu num momento em que todas as pessoas estavam armadas e em que o campesinato, como um todo, revoltado com a política “kautskista” dos social-traidores, dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários, queria o derrube do governo dos proprietários de terras.

Mas, mesmo na Rússia, num momento excecionalmente favorável à revolução proletária, onde a unidade de todo o proletariado, de todo o exército e do campesinato foi alcançada de uma só vez – mesmo na Rússia, o proletariado, exercendo a sua ditadura, teve de lutar durante meses e anos, de forma a ganhar a simpatia e o apoio da maioria dos trabalhadores. Após dois anos, esta luta, ainda que não completamente, praticamente terminou a favor do proletariado. Em dois anos, ganhamos a simpatia e o apoio da esmagadora maioria dos operários e dos camponeses da Grande Rússia, incluindo os Urais e a Sibéria; contudo, ainda não tínhamos ganho o apoio e a simpatia da maioria dos camponeses trabalhadores (distintos dos camponeses exploradores) da Ucrânia. Nós poderíamos ser (mas não o seremos) esmagados pelo poder militar da Entente, mas dentro da Rússia contamos, agora, com simpatias tão firmes da grande maioria dos trabalhadores, que o nosso estado é o estado mais democrático que o mundo já viu.

Basta percorrer um pouco esta história complexa, difícil e longa, da luta do proletariado pelo poder – extraordinariamente rica na variedade de formas e na abundância incomum de mudanças bruscas, viragens e transições de uma forma de luta para outra – para ver claramente o erro daqueles que querem “proibir” a participação nos parlamentos burgueses, nos sindicatos reacionários, nos comités czaristas ou Scheidemannistas de delegados sindicais ou em conselhos de fábricas, e assim por diante. Este erro é devido à falta de experiência revolucionária de sinceros, convictos e heroicos revolucionários. Consequentemente, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo tinham mil vezes razão quando, em janeiro de 1919, assinalaram este erro(3); no entanto, optaram por uma união com os revolucionários proletários (que estavam equivocados relativamente a uma questão menor), em vez de se unirem com os traidores do socialismo, com os adeptos de Scheidemann e de Kautsky, que não se equivocaram na questão da participação num parlamento burguês, mas que tinham deixado de ser socialistas para se converterem em democratas filisteus, cúmplices da burguesia.

Um erro, no entanto, continua a ser um erro e é preciso criticá-lo e lutar pela sua retificação.

A luta contra os traidores ao socialismo, adeptos de Scheidemann e de Kautsky, deve ser travada sem piedade, mas não se deve centrar no problema da participação, ou não, nos parlamentos burgueses, nos sindicatos reacionários, etc. Isto seria um erro indiscutível; contudo, um erro maior seria desviarmo-nos das ideias do marxismo e da sua linha de prática (um partido político forte e centralizado), para cair nas ideias e na prática do sindicalismo. É necessário trabalhar para a participação do partido nos parlamentos burgueses, nos sindicatos reacionários, nos “conselhos de fábrica”, mutilados e castrados pelos Scheidemann, para que o Partido esteja onde estão os operários, onde possa falar com os operários e influenciar as massas operárias. O trabalho legal e o trabalho ilegal devem, a todo o custo, ser combinados, fazendo com que o partido clandestino e as suas organizações operárias controlem de forma sistemática, constante e rigorosa a atividade legal. Esta não é uma questão fácil, mas na revolução proletária não há, nem pode haver, tarefas ou meios “fáceis” de luta.

Esta tarefa difícil deve ser levada a cabo, custe o que custar. Diferenciamo-nos dos sequazes de Scheideinann e de Kautsky, não só (nem principalmente), porque não reconhecem a insurreição armada (enquanto nós a admitimos). A diferença principal e radical é a de que, em todas as esferas de atividade (nos parlamentos burgueses, nos sindicatos, nas cooperativas, no trabalho jornalístico, etc.), eles aplicam uma política inconsistente, oportunista, e até uma política de franca traição.

Esta linha política pode e deve ser seguida, sem excepção, em todas as esferas da nossa luta, contra os social-traidores, contra o reformismo e o oportunismo. E ganharemos, então, as massas operárias. E a vanguarda do proletariado – o partido político marxista, centralizado –, juntamente com as massas operárias, conduzirá o povo na verdadeira senda do triunfo da ditadura do proletariado, da democracia proletária (ao invés da democracia burguesa), rumo à República dos Sovietes, ao sistema Socialista.

Num espaço de meses, a III Internacional alcançou inúmeras e gloriosas vitórias, sem precedentes. A velocidade do seu crescimento é avassaladora. Erros e “dores de crescimento” não devem ser terreno fértil para alarmismos. Ao criticarmo-los direta e abertamente, devemos garantir que as massas operárias de todos os países civilizados, educadas no espírito marxista, se livrem depressa dos traidores do Socialismo, os Scheidemanns e os Kautskys de todas as nações (todas as nações os têm).

A vitória do Comunismo é inevitável. O Comunismo vencerá.



* Vladimir Ilyich Ulianov: Revolucionário marxista, político comunista, principal dirigente e teórico do Partido Bolchevique, líder da Revolução de Outubro na Rússia em 1917, a primeira revolução socialista vitoriosa no mundo, fundador da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Nascimento: 22 de abril de 1870, Ulianovsk, Rússia
Falecimento: 21 de janeiro de 1924, Gorki Leninskiye, Rússia

** Todos os grifos são nossos, Página 1917.

Notas :

(1) Após a crise na social-democracia alemã provocada  pela aprovação dos créditos de guerra em 1914, o Partido Operário Social Democrata da Alemanha divide-se em três partidos: a ala direita permanece no partido; a ala revolucionária funda o Partido Comunista Alemão e a ala centrista funda o Partido Social Democrata Independente, tendo à sua frente Karl Kautsky.

(2) Trata-se do boicote da chamada Duma bulyguineana pelos bolcheviques. Em Agosto de 1905, o czar anunciou a convocação de uma Duma Consultiva de Estado (sem direito a promulgar leis), de acordo com o projecto elaborado por uma comissão presidida por Bulyguine, ministro do Interior. Os bolcheviques impugnaram o projecto da Duma bulyguineana com um boicote activo, chamando os operários a não participar nas eleições e a lutar pelo derrubamento da autocracia. A Duma bulyguineana não chegou a reunir-se: foi varrida pelo movimento revolucionário dos operários e camponeses. (retornar ao texto)

(3) No I Congresso do Partido Comunista da Alemanha, a 30 de Dezembro de 1918, discutiu-se o ponto referente à participação nas eleições à Assembleia Nacional. Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo defenderam a participação nas eleições e demonstraram que era necessário utilizar a tribuna parlamentar para popularizar as palavras de ordem revolucionárias entre as massas. Mas a maioria do Congresso manifestou-se contra e aprovou a resolução correspondente. (retornar ao texto)

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