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sexta-feira, 10 de abril de 2020

Socialistas e Fascistas


Antonio Gramsci
Artigo não assinado, em L'Ordine Nuovo, 11 Junho 1921.

   

  A posição política do fascismo é determinada por estas circunstâncias elementares:
1) Os fascistas, nos seis meses de sua atividade militante, carregaram-se de uma bagagem extremamente pesada de atos delituosos que permanecerão impunes só até o momento em que a organização fascista for forte e temida.

2) Os fascistas puderam desenvolver a sua atividade apenas porque dezenas de milhares de funcionários do Estado, especialmente os corpos de segurança pública (administrações, guardas reais, carabineiros) e da magistratura, se tornaram seus cúmplices morais e materiais. Esses funcionários sabem que sua impunidade e suas carreiras estão estreitamente ligadas à sorte da organização fascista e, portanto, têm todo o interesse em apoiar o fascismo e qualquer tentativa que possa fazer para consolidar sua posição política.

3) Os fascistas possuem, disseminados em todo o território nacional, depósitos de armas e munições em tal quantidade que seria pelo menos suficiente para constituir um exército de meio milhão de homens.

4) Os fascistas organizaram um sistema hierárquico de tipo militar que tem sua natural e orgânica direção no Estado-Maior.

   Entra na lógica comum dos fatos elementares, que os fascistas não querem ser presos, pelo contrário, querem usar sua força, toda a força de que dispõem, para alcançarem o fim máximo de todo movimento: a posse do poder político.

  O que pensam fazer os socialistas e os dirigentes da Confederação* para impedir que sobre o povo italiano venha se alastrar a tirania do Estado-Maior, dos latifundiários e dos banqueiros? Estabeleceram um plano? Têm um programa? Não parece. Os socialistas e os dirigentes da Confederação poderiam  estabelecer um plano "clandestino"? Este seria ineficaz, porque apenas uma insurreição das grandes massas pode despedaçar um golpe de força reacionário e as insurreições das grandes massas, se têm necessidade de uma preparação clandestina, têm também necessidade de uma preparação legal, aberta, que dê uma orientação, que oriente os espíritos, que prepare as consciências.

  Os socialistas nunca se puseram seriamente a questão da possibilidade de um golpe de estado e dos meios a predispor para se defenderem e passarem à ofensiva. Os socialistas, habituados a mastigar estupidamente algumas fórmulas pseudo-marxistas, negam a revoluções "voluntaristas", "milagreiras" etc, etc. Mas se a insurreição do proletariado fosse imposta pela vontade dos reacionários, que não podem ter escrúpulos "marxistas", como se comportaria o Partido Socialista? Deixaria, sem resistência, a vitória para a reação? E se a resistência fosse vitoriosa, se o proletariado insurrecto e armado derrotasse a reação, que palavra de ordem daria o Partido Socialista: entregar as armas ou continuar a luta até o fim? Acreditamos que essas perguntas, neste momento, são tudo menos acadêmicas e abstratas. Pode acontecer, é verdade, que os fascistas, que são italianos, e que têm todas as indecisões e fraquezas de caráter da pequena burguesia italiana, imitem a tática seguida pelos socialistas na ocupação das fábricas: se afastem  e abandonem à justiça punitiva de um governo restaurador da legalidade os que cometeram delitos e os seus cúmplices. Pode acontecer, no entanto, é porem má tática fiar-se nos erros dos adversários, imaginar os seus adversários incapazes e ineptos. Quem tem força, serve-se dela. Quem sente o perigo de ser preso tenta o impossível para conservar a liberdade. O golpe de Estado dos fascistas, isto é, do Estado-Maior latifundiários e dos banqueiros, é o espectro ameaçador que desde o início pesa sobre esta legislatura. O Partido Comunista tem sua orientação; lançar a palavra de ordem da insurreição, conduzir o povo em armas até a  liberdade garantida pelo Estado operário. Qual é a palavra de ordem do Partido Socialista? Como podem ainda as massas confiar neste partido que esgota a sua atividade política na lamentação e só se propõe exigir dos seus deputados "belíssimos" discursos no Parlamento?

*Confederação Geral do Trabalho, na época sob hegemonia dos socialistas. (nota do editor)

Escritos Políticos, Antonio Gramsci, Vol II, p. 301, Seara Nova (Portugal), 1977.



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