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sexta-feira, 17 de abril de 2020

Marxismo e Revisionismo*

Lenin **


   No domínio da política, o revisionismo tentou rever o que realmente constitui a base do marxismo, ou seja, a teoria da luta de classes. A liberdade política, a democracia, o sufrágio universal, destroem a base da luta de classes – diziam-nos os revisionistas – e desmentem o velho princípio do Manifesto Comunista de que os operários não têm pátria. Uma vez que na democracia impera a “vontade da maioria”, não devemos ver no Estado, segundo eles, o órgão da dominação de classe, nem negar-nos a entrar em alianças com a burguesia progressista, social-reformista, contra os reacionários.
Lenin fala em comício do Partido Bolchevique.
   É indiscutível que estas objeções dos revisionistas se reduziam a um sistema bastante coerente de concepções, a saber: as sobejamente conhecidas concepções burguesas liberais. Os liberais disseram sempre que o parlamentarismo burguês suprime as classes e as diferenças de classe, visto que todos os cidadãos sem exceção têm direito de voto e de intervir nos assuntos do Estado. Toda a história da Europa na segunda metade do século XIX e toda a história da revolução russa, em princípios do século XX, demonstram à evidência como são absurdas tais concepções. Com as liberdades do capitalismo “democrático”, as diferenças econômicas, longe de se atenuarem, acentuam-se e agravam-se. O parlamentarismo não elimina, antes põe a nu, a essência das repúblicas burguesas mais democráticas como órgãos de opressão de classe.*** Ajudando a esclarecer e educar massas de população incomparavelmente mais extensas do que as que antes participavam de modo ativo nos acontecimentos políticos, o parlamentarismo prepara assim, não a supressão das crises e das revoluções políticas, mas a maior agudização da guerra civil durante essas revoluções. Os acontecimentos de Paris, na Primavera de 1871, e os da Rússia, no Inverno de 1905, mostraram, com excepcional clareza, como esta agudização se produz inevitavelmente. A burguesia francesa, para esmagar o movimento proletário, não vacilou nem um segundo em pactuar com o inimigo de toda a nação, com as tropas estrangeiras que tinham arruinado a sua pátria. Quem não compreender a inevitável dialética interna do parlamentarismo e da democracia burguesa, que conduz a solucionar a disputa pela violência de massas de modo ainda mais brutal do que anteriormente, jamais saberá desenvolver, na base desse parlamentarismo, uma propaganda e uma agitação consequentes do ponto de vista dos princípios, que preparam verdadeiramente as massas operárias para participarem vitoriosamente em tais “disputas”. A experiência das alianças, dos acordos, dos blocos com o liberalismo social-reformista no Ocidente e com o reformismo liberal (democratas-constitucionalistas¹) na revolução russa, demonstrou, de maneira convincente, que esses acordos não fazem senão embotar a consciência das massas, não reforçando, mas debilitando o significado real da sua luta, unindo os lutadores aos elementos menos capazes de lutar, aos elementos mais vacilantes e traidores. O "millerandismo"² francês – a maior experiência de aplicação da táctica política revisionista numa vasta escala, realmente nacional – deu-nos uma apreciação prática do revisionismo que o proletariado do mundo inteiro jamais esquecerá.
   O complemento natural das tendências económicas e políticas do revisionismo era a sua atitude em relação ao objetivo final do movimento socialista. “O objetivo final não é nada, o movimento é tudo” - esta frase proverbial de Bernstein exprime a essência do revisionismo melhor do que muitas longas dissertações. A política revisionista consiste em determinar o seu comportamento em função das circunstâncias, em adaptar-se aos acontecimentos do dia, às viragens dos pequenos fatos políticos, em esquecer os interesses fundamentais do proletariado e os traços essenciais de todo o regime capitalista, de toda a evolução do capitalismo, em sacrificar estes interesses fundamentais em favor das vantagens reais ou supostas do momento. E da própria essência desta política se deduz, com toda a evidência, que pode tomar formas infinitamente variadas e que cada problema um pouco “novo”, cada viragem um pouco inesperada e imprevista dos acontecimentos – embora tal viragem só altere a linha fundamental do desenvolvimento em proporções mínimas e pelo prazo mais curto – dará sempre, inevitavelmente, origem a esta ou àquela variedade de revisionismo.

* Trecho do artigo "Marxismo e Revisionismo" de 1908,  V.I. LENINE Obras Escolhidas, Editora Alfa-Omega, Vol. I, 3ª edição. p. 40, 1986.

** Vladimir Ilyich Ulianov: Revolucionário marxista, político comunista, principal dirigente e teórico do Partido Bolchevique, líder da Revolução de Outubro na Rússia em 1917, a primeira revolução socialista vitoriosa no mundo, fundador da União das Repúblicas Socialistas Soviéicas (URSS).
Nascimento: 22 de abril de 1870, Ulianovsk, Rússia
Falecimento: 21 de janeiro de 1924, Gorki Leninskiye, Rússia

*** Todos os grifos são nossos, Página 1917.
¹ Partido Democrata-Constitucionalista ("cadetes"): principal partido da burguesia monárquica liberal na Rússia, foi formado em outubro de 1905. Faziam parte dele representantes da burguesia, dos latifundiários e dos intelectuais burgueses. Depois da vitória da Grande Revolução Socialista de Outubro os democratas-constitucionalistas mostraram-se inimigos irreconciliáveis do Poder Soviético, tomaram parte em todas as ações armadas contra-revolucionárias e campanhas dos intervencionistas.
² Millerandismo (ministerialismo): corrente oportunista na social-democracia, assim designada segundo o nome do socialista-reformista francês Millerand que, em 1899, entrou no governo burguês reacionário da França e apoiou a sua política antipopular.








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