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segunda-feira, 20 de abril de 2020

Que é o social-chauvinismo? *

   Lenin**
   
   O social-chauvinismo é a defesa da ideia de «defesa da pátria» na presente guerra. Dessa ideia decorrem, seguidamente, a renúncia à luta de classes durante a guerra, a votação dos créditos de guerra, etc. De facto os sociais-chauvinistas praticam uma política antiproletária, burguesa, pois de fato preconizam não a «defesa da pátria» no sentido de luta contra a opressão estrangeira, mas o «direito» de tais ou tais «grandes» potências de pilhar as colônias e de oprimir outros povos. Os sociais-chauvinistas repetem a mistificação burguesa do povo segundo a qual a guerra é travada pela defesa da liberdade e da existência das nações, e passam assim para o lado da burguesia contra o proletariado. São sociais-chauvinistas tanto aqueles que justificam e embelezam os governos e a burguesia de um dos grupos de potências beligerantes como aqueles que, a exemplo de Kautsky, reconhecem aos socialistas de todas as potências beligerantes igual direito a «defender a pátria». O social-chauvinismo, que é de fato a defesa dos privilégios, das vantagens, das pilhagens e das violências da «sua» burguesia (ou de qualquer burguesia em geral) imperialista, constitui uma completa traição a todas as convicções socialistas e à resolução do congresso socialista internacional de Basileia.***
Lenin fala aos delegados da Internacional Comunista. 
O Manifesto de Basileia

   O manifesto sobre a guerra adotado por unanimidade em 1912 em Basileia tem em vista precisamente a guerra entre a Inglaterra e a Alemanha com os seus atuais aliados, que eclodiu em 1914. O manifesto declara expressamente que nenhum interesse popular pode justificar semelhante guerra, conduzida «pelo lucro dos capitalistas e pelas vantagens das dinastias» com base na política imperialista e espoliadora das grandes potências. O manifesto declara expressamente que a guerra é perigosa «para os governos» (todos sem excepção), assinala o seu medo da «revolução proletária», aponta da maneira mais definida o exemplo da Comuna de 1871 e o de Outubro-Dezembro de 1905, isto é, o exemplo da revolução e da guerra civil. Deste modo, o manifesto de Basileia estabelece precisamente para a presente guerra a táctica da luta revolucionária dos operários à escala internacional contra os seus governos, a táctica da revolução proletária. O manifesto de Basileia repete as palavras da resolução de Estugarda, dizendo que, em caso de eclosão da guerra, os socialistas deviam aproveitar a «crise econômica e política» por ela criada para «acelerar a queda do capitalismo», isto é, utilizar as dificuldades criadas pela guerra aos governos e a indignação das massas para a revolução socialista.

   A política dos sociais-chauvinistas, a justificação por eles da guerra de pontos de vista libertadores burgueses, a admissão por eles da «defesa da pátria», a votação a favor dos créditos, a entrada nos ministérios, etc., etc., são uma traição direta ao socialismo, só explicável, como veremos adiante, pela vitória do oportunismo e da política operária nacional-liberal no seio da maioria dos partidos europeus.


As referências falsas a Marx e Engels

   Os sociais-chauvinistas russos (encabeçados por Plekhánov) referem a táctica de Marx na guerra de 1870; os sociais-chauvinistas alemães (do tipo de Lensch, David e Cª) referem as declarações de Engels em 1891 sobre a obrigatoriedade de os socialistas alemães defenderem a pátria em caso de guerra com a Rússia e a França juntas; finalmente, os sociais-chauvinistas do tipo de Kautsky, desejando reconciliar-se com o chauvinismo internacional e legitimá-lo, referem-se ao facto de Marx e Engels, condenando as guerras, se terem no entanto colocado constantemente, de 1854-1855 até 1870-1871 e 1876-1877, ao lado de um ou de outro Estado beligerante, uma vez que a guerra apesar de tudo se desencadeava.

   Todas essas referências constituem uma revoltante deturpação das concepções de Marx e Engels para agradar à burguesia e aos oportunistas, tal como os escritos dos anarquistas Guillaume e Cª deturpam as concepções de Marx e Engels para justificar o anarquismo. A guerra de 1870-1871 foi historicamente progressista por parte da Alemanha até Napoleão III ser derrotado, pois este, juntamente com o Czar, oprimiu a Alemanha durante longos anos, mantendo ali o fracionamento feudal. E logo que a guerra se transformou em pilhagem da França (a anexação da Alsácia e da Lorena) Marx e Engels condenaram decididamente os alemães. De resto, logo no início dessa guerra Marx e Engels aprovaram a recusa de Bebel e Liebknecht de votar a favor dos créditos e aconselharam a social-democracia a não se juntar à burguesia, mas defender os interesses de classe independentes do proletariado. Transferir uma apreciação dessa guerra progressista burguesa e nacional-libertadora para a atual guerra imperialista é escarnecer da verdade. O mesmo diz também respeito, com maior força ainda, à guerra de 1854-1855 e a todas as guerras do século XIX, quando não existiam nem o imperialismo contemporâneo, nem as condições objectivas maduras do socialismo, nem partidos socialistas de massas em todos os países beligerantes, isto é, não existiam precisamente as condições das quais o manifesto de Basileia deduziu a táctica da «revolução proletária» em ligação com a guerra entre as grandes potências.

   Quem refere hoje a atitude de Marx em relação às guerras da época da burguesia progressista e esquece as palavras de Marx «os operários não têm pátria» — palavras que dizem respeito precisamente à época da burguesia reacionária, caduca, à época da revolução socialista — deturpa Marx sem vergonha e substitui o ponto de vista socialista pelo burguês.

A Falência da II Internacional

   Os socialistas de todo o mundo declararam solenemente em 1912 em Basileia que consideravam a futura guerra europeia como uma empresa «criminosa» e reacionaríssima de todos os governos, que devia acelerar a derrocada do capitalismo, gerando inevitavelmente a revolução contra ele. Começou a guerra, começou a crise. Em vez da táctica revolucionária, a maioria dos partidos sociais-democratas aplicaram uma táctica reacionária, colocando-se ao lado dos seus governos e da sua burguesia. Esta traição ao socialismo significa a falência da II Internacional (1889-1914), e nós devemos aperceber-nos do que causou essa falência, do que gerou o social-chauvinismo, daquilo que lhe deu força.

O Social-Chauvinismo é o oportunismo acabado

   Durante toda a época da II Internacional decorreu por toda a parte uma luta no interior dos partidos sociais-democratas entre a ala revolucionária e a ala oportunista. Em vários países houve cisão segundo esta linha (Inglaterra, Itália, Holanda, Bulgária). Nenhum marxista duvidava de que o oportunismo expressava a política burguesa no movimento operário, expressava os interesses da pequena burguesia e da aliança de uma ínfima parte de operários aburguesados com a «sua» burguesia contra os interesses da massa dos proletários, da massa dos oprimidos.
 Lenin e Rosa Luxemburgo denunciaram a traição da II Internacional.
   As condições objectivas de fins do século XIX reforçavam particularmente o oportunismo, transformando a utilização da legalidade burguesa em servilismo para com ela, criando a pequena camada da burocracia e da aristocracia da classe operária, atraindo para as fileiras dos partidos sociais-democratas muitos «companheiros de jornada» pequeno-burgueses.

   A guerra acelerou o desenvolvimento, transformando o oportunismo em social-chauvinismo, transformando a aliança secreta dos oportunistas com a burguesia numa aliança aberta. Além disso, as autoridades militares decretaram por toda a parte a lei marcial e a mordaça para a massa operária, cujos velhos chefes se passaram, quase sem excepção, para a burguesia.

   A base econômica do oportunismo e do social-chauvinismo é a mesma: os interesses de uma ínfima camada de operários privilegiados e da pequena burguesia, que defendem a sua situação privilegiada, o seu «direito» às migalhas dos lucros obtidos pela «sua» burguesia nacional com a pilhagem de outras nações, com as vantagens da sua situação de grande potência, etc.

   O conteúdo ideológico-político do oportunismo e do social-chauvinismo é o mesmo: a colaboração de classes em vez da sua luta, a renúncia aos meios revolucionários de luta, a ajuda ao «seu» governo em situação difícil em vez da utilização das suas dificuldades para a revolução. Se considerarmos todos os países europeus no conjunto, se não tivermos em atenção personalidades isoladas (mesmo as de maior prestígio), verificaremos que foi precisamente a corrente oportunista que se tornou o principal esteio do social-chauvinismo, e no campo dos revolucionários se ouve quase por toda a parte um protesto mais ou menos consequente contra ele. E se considerarmos, por exemplo, o agrupamento das tendências no congresso socialista internacional de Estugarda de 1907, verificaremos que o marxismo internacional era contra o imperialismo, enquanto o oportunismo internacional já então era a favor dele.

A Unidade com os oportunistas é a aliança dos operários com a «sua» burguesia nacional e a cisão da classe operária revolucionária internacional

   Na época passada, antes da guerra, o oportunismo era frequentemente considerado um «desvio», um «extremismo», mas em todo o caso uma parte constitutiva legítima do partido social-democrata. A guerra mostrou que isso é impossível no futuro. O oportunismo «amadureceu», levou até ao fim o seu papel de emissário da burguesia no movimento operário. A unidade com os oportunistas tornou-se uma hipocrisia completa, de que vemos um exemplo no partido social-democrata alemão. Em todos os casos importantes, por exemplo na votação de 4 de Agosto(2), os oportunistas aparecem com o seu ultimato, pondo-o em prática com a ajuda das suas numerosas ligações com a burguesia, da sua maioria nas direções dos sindicatos, etc. A unidade com os oportunistas significa presentemente de facto a subordinação da classe operária à «sua» burguesia nacional, a aliança com ela para oprimir outras nações e lutar pelos privilégios de grande potência, sendo uma cisão do proletariado revolucionário de todos os países.

   Por mais dura que seja em certos casos a luta contra os oportunistas que dominam em muitas organizações, por mais peculiar que seja em certos países o processo de depuração dos partidos operários dos oportunistas, esse processo é inevitável e fecundo. O socialismo reformista agoniza; o socialismo que renasce «será revolucionário, intransigente, insurrecto», segundo a justa expressão do socialista francês Paul Golay(1).

* Trecho de "O Socialismo e a Guerra" escrito em agosto de 1915, V.I Lenine Obras Escolhidas em seis tomos, Edições "Avante!", 1986, t2, p. 227.

** Vladimir Ilyich Ulianov: Revolucionário marxista, político comunista, principal dirigente e teórico do Partido Bolchevique, líder da Revolução de Outubro na Rússia em 1917, a primeira revolução socialista vitoriosa no mundo, fundador da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Nascimento: 22 de abril de 1870, Ulianovsk, Rússia
Falecimento: 21 de janeiro de 1924, Gorki Leninskiye, Rússia

*** Todos os grifos são nossos, Página 1917.

Notas:

(1) Em 11 de Março de 1915, em Lausana, o socialista francês P. Golay fez uma conferência sobre o tema "O Socialismo Agonizante e o Socialismo que deve Renascer".

(2) Votação do Partido Social Democrata favorável aos créditos de guerra no parlamento alemão em 1914.

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