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quinta-feira, 5 de maio de 2022

Sobre a Guerra Imperialista na Ucrânia e a Posição do PCFR

 Artigo da Seção de Relações Internacionais do CC do KKE

"A luta pelos mercados e a pilhagem de outras nações, a aspiração de reprimir o movimento revolucionário do proletariado e a democracia no seu próprio país, o desejo de enganar, desunir e esmagar os proletários de todos os países, incitando os escravos assalariados de uma nação contra os de outra em proveito da burguesia, constituem o único conteúdo e sentido real da guerra.”

V.I.Lenin, Obras Completas, t.26, p. 1 .

 

Ucrânia devastada pela guerra imperialista

Tudo isso, apontado pelo líder da Revolução de Outubro há mais de cem anos, ainda é absolutamente válido para a guerra que está ocorrendo na Ucrânia. Em muitos artigos que publicamos até agora, foram apontados aspectos da luta por mercados, matérias-primas, rotas de transporte de mercadorias.

O KKE também expressou posições claras no âmbito do Movimento Comunista Internacional. Infelizmente, alguns partidos comunistas como o Partido Comunista da Federação Russa (PCFR) expressam posições às quais nos opomos fortemente.

Algumas informações sobre o PCFR

O PCFR, fundado em 1993, é uma força importante na vida política da Rússia capitalista. Nas últimas eleições parlamentares, em 2021, obteve 18,9% dos votos e tornou-se a segunda força política, com 57 deputados (de 450). Nesses 30 anos após a dissolução da URSS, o PCFR assumiu cargos governamentais, no período 1998-1999, sob a administração de G. Primakov, que administrou a crise capitalista que então eclodiu no país. O próprio programa do partido, que está na “linha” de transformar gradualmente o capitalismo em socialismo, através de várias etapas, favorece as várias soluções governamentais de “centro-esquerda”. O PCFR, apesar de sua importante força parlamentar, não tem nenhuma participação significativa no reagrupamento do movimento operário-sindical da Rússia, cujas forças principais estão sob controle do Estado e da patronal.

A postura que este partido assumiu antes mesmo do início da invasão russa estava alinhada com a do partido governante Rússia Unida e do presidente V.Putin. O reconhecimento da "independência" das chamadas "Repúblicas Populares" de Donbass (Donetsk e Lugansk), o gatilho para a invasão russa na Ucrânia, foi uma proposta sua e foi aprovada pela Duma de Estado. O PCFR aceita todos os argumentos do governo russo sobre a necessidade de o exército russo derrotar o fascismo na Ucrânia, para o qual está realizando uma "operação militar especial" na Ucrânia, um termo imposto pela Rússia para que não se utilize a palavra guerra. De fato, o PCFR considera que essa política externa "antifascista" deve ser acompanhada de uma "virada à esquerda" dentro do país, e pede repetidamente uma recomposição do governo e sua participação nele.

1.“O choque de civilizações”: O “bilhão de ouro” versus o “mundo russo”.

Mas, o pior de todos os serviços oferecidos pelo PCFR é o total ocultamento das verdadeiras causas das guerras imperialistas que, como a guerra que eclodiu na Ucrânia, são travadas para servir os interesses dos monopólios e das classes burguesas e não dos povos. São guerras por matérias-primas, recursos naturais, rotas de transporte de mercadorias, pilares geopolíticos, quotas de mercado. Não é possível que o PCFR não reconheça o quão importante para o capital russo, bem como para o capital ocidental, são os recursos naturais da Ucrânia, seus recursos minerais, por exemplo o titânio ucraniano, essencial para a indústria de construção de aeronaves e outras, ou os portos de Mariupol e Odessa, ou as férteis terras aráveis ​​da Ucrânia, ou a base industrial da Ucrânia que encolheu em comparação com o período do socialismo, mas ainda é importante, assim como, a enorme rede de tubos de energia que atravessa este país. Além disso, não é possível que o PCFR não esteja ciente do feroz antagonismo que se desenvolve entre os estados burgueses em muitas regiões do mundo, sobre recursos, rotas de transporte e dutos de energia, sobre as participações dos monopólios no mercado de energia na Europa, armas quotas de mercado, etc. É uma competição imperialista que envolve os monopólios e os estados da UE, os EUA, a Rússia, a China e outros "atores" regionais como a Turquia, Israel, as monarquias do Golfo, etc. não é possível que o PCFR não esteja ciente do feroz antagonismo que se desenvolve entre os estados burgueses em muitas regiões do mundo, sobre recursos, rotas de transporte e oleodutos, sobre as participações dos monopólios no mercado de energia na Europa, as participações do mercado de armas, etc. É uma disputa imperialista que envolve os monopólios e os estados da UE, os EUA, a Rússia, a China e outros "atores" regionais como a Turquia, Israel, as monarquias do Golfo, etc.

O PCFR, com sua posição, fica ao lado dos monopólios russo e chinês em seu antagonismo com os monopólios ocidentais e outros, que juntos transformaram o povo da Ucrânia em um “saco de pancadas”. Por muitos anos, esse partido cortejou abordagens e forças nacionalistas que se apresentam como "patrióticas". O presidente da PCFR em seu livro "Globalização e destino da humanidade" (2002) acolhe o ponto de vista do americano Samuel Phillips Huntington sobre o "choque de civilizações", segundo o qual os embates não são mais entre Estados, mas entre potências com diferentes tradições culturais. Portanto, nos movimentos para cercar a Rússia pela OTAN, a UE e os EUA, destaca-se uma "guerra total" contra a Rússia, desencadeada pelos países do chamado "bilhão de ouro", como se caracterizam os primeiros 30 países integrados à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre eles a Grécia, com uma população total próxima a um bilhão. De acordo com essa percepção, há uma mitigação das contradições sócio-classistas na sociedade do “bilhão de ouro” e a contradição básica se expressa em nível internacional “a partir do eixo ‘Norte rico-Sul pobre’, não menos nitidamente separaram o proletário de seu explorador dentro da estrutura de um país”[1]. O documento programático do PCFR não reconhece o caráter imperialista da Rússia atual, ao mesmo tempo em que considera que "a Federação Russa se torna objeto de uma nova redistribuição do mundo, um apêndice de matéria-prima para os estados imperialistas" e destaca ainda que : “Na segunda metade do século XX, devido à exploração predatória dos recursos do planeta, através da especulação financeira, das guerras e do uso de novos métodos sofisticados de colonização, um grupo de países capitalistas desenvolvidos, os chamados “bilhão de ouro ” passou para a fase da “sociedade de consumo”, em que o consumo da função física do corpo humano torna-se uma "obrigação sagrada" do indivíduo, cujo cumprimento entusiástico determina completamente seu status social..."[2]. De acordo com essa abordagem não classista e enganosa, o chamado "mundo russo" se opõe ao "bilhão de ouro", que é uma das principais linhas da atual política externa do estado burguês russo. Sob este conceito está o uso pela Rússia de milhões de russos e falantes de russo para as decisões do capitalismo russo. “Todos somos obrigados a defender o mundo russo (...) O mundo russo se reúne há mil anos. E foi reunido não apenas por russos, mas também por ucranianos e bielorrussos. Partilhamos uma fé comum, vitórias comuns, uma língua, uma cultura.", disse o Presidente da PCFR em seu discurso no parlamento russo durante a discussão para o reconhecimento das chamadas “Repúblicas Populares”[3]. Com base nisso, o PCFR dá total apoio à política externa da classe dominante russa, à formação de alianças capitalistas interestatais, que forma no território da ex-URSS, como a União Econômica Eurasiática e a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC). É característico que em janeiro passado o PCFR tenha apoiado a missão militar dos membros do OTSC no Cazaquistão para reprimir o levante operário-popular.

Em suma, o PCFR declara que seu objetivo é o socialismo, ao mesmo tempo em que seu programa, que pretende implementar por meio de processos eleitorais-parlamentares, é um programa de reformas para a gestão do sistema capitalista, plenamente de acordo com os objetivos da burguesia russa, os planos do Estado burguês, o que também se reflete em questões de política externa.

2. Ocultação das responsabilidades do governo russo em relação a esta situação.

O PCFR, destacando apenas as grandes e indiscutíveis responsabilidades das outras potências imperialistas - EUA, OTAN, UE - do "fascismo liberal", como chama essas potências, nada diz sobre as responsabilidades da burguesia russa. No entanto, milhões de russos e falantes de russo, após a dissolução da URSS, encontraram-se fora das fronteiras da Federação Russa, inclusive nas regiões da Crimeia e Donbass. Quando as forças contra-revolucionárias russas dissolveram a URSS, levantaram a questão dos direitos dessas pessoas? Levantaram a questão a que país pertenceriam as regiões em que viviam? Claro que não. Essa população foi tratada pela burguesia recém-formada da Rússia como peões em seus planos geopolíticos nos territórios da ex-URSS.

Ao mesmo tempo, a burguesia ucraniana há trnta anos derrama sobre o povo ucraniano o “veneno” do anticomunismo, a propaganda goebelista sobre o “genocídio” do povo ucraniano pelos bolcheviques, comunistas ou russos. Em 1998, o Presidente L.Kuchmaele assinou o primeiro decreto presidencial relevante com o qual essa propaganda se tornou uma narrativa de Estado e se espalhou por todo o sistema educacional. A partir de 2006, com o presidente B.Yushchenko, começou a operação de "reconhecimento internacional" do chamado "genocídio", enquanto dentro do país é imposta uma proibição criminal a qualquer opinião contrária. Em 2010, o presidente pró-Rússia, como havia sido registrado, V. Yanukovych, manteve tudo o que foi dito acima e declarou que não era um genocídio do povo ucraniano, mas "um crime do regime stalinista totalitário". Toda uma geração de ucranianos cresceu com esse mito, e organizações fascistas se basearam nele para se reagrupar ideológica e politicamente. O que os atuais líderes russos fizeram durante todos esses anos para impedir esse desenvolvimento inaceitável? Atividades de negócio. Além disso, como o próprio V. Putin disse com orgulho "em 2011 o volume de negócios do comércio bilateral ultrapassou 50.000 milhões de dólares"[4]. Enquanto a propaganda goebelista se desenvolvia na Ucrânia, a Rússia atribuiu à Ucrânia, de acordo com as declarações de V. Putin, "apoio material", e apenas para o período 1991-2013 (ou seja, o período em que as ideias fascistas se enraizaram lá) o orçamento ucraniano teve um lucro de cerca de 250.000 milhões de dólares graças a empréstimos preferenciais da Rússia e preços especiais na energia russa. Até as obrigações da dívida da Ucrânia desde a época da URSS foram totalmente pagas pela Rússia.

Então, as responsabilidades são unilaterais em relação ao ressurgimento da propaganda nazi-fascista na Ucrânia? A burguesia russa não é responsável por isso? O PCFR não sabe nada sobre isso?

3. Sobre a luta contra o fascismo

O Estado russo vem apresentando anualmente à ONU um projeto de resolução que condena a “heroização” do nazismo e pede medidas para restringir o fenômeno nazista, particularmente no Báltico e na Ucrânia. Os EUA votam constantemente contra e os países da União Europeia abstêm-se de votar.

Ao mesmo tempo, no país, uma vez por ano, no dia da vitória antifascista dos povos, 9 de maio, a Bandeira Vermelha é agitada. Nesta base, a classe dominante russa procura apropriar-se da vitória antifascista e dos sentimentos antifascistas do povo russo.

Enquanto isso, na Rússia, eles inoculam o veneno do anticomunismo em crianças nas escolas, por exemplo, o conhecido anti-soviético Solzhenitsyn, que justificou os colaboradores russos dos nazistas, era um admirador de Franco e um defensor de Pinochet. A mídia pública e privada está repleta de anticomunismo, e mesmo a vitória contra a Alemanha fascista é apresentada como uma conquista supostamente alcançada sem, e às vezes apesar da ação do partido bolchevique. O próprio V. Putin afirma publicamente que estuda e recomenda aos jovens as obras de Ivan Ilin, um ideólogo russo do fascismo, cuja sepultura visitou e colocou flores.

Demonstra-se mais uma vez que quando a luta contra o fascismo é separada da "matriz" que o engendra, da luta contra o capitalismo, é uma pura hipocrisia para a promoção de outros objetivos, como no caso da Ucrânia, onde a invasão militar russa supostamente tem como objetivo “desnazificar” a Ucrânia.

Quem vai fazer isso? O admirador do fascista I.Ilín com a bandeira e os símbolos do império czarista, a “prisão dos povos” como dizia Lenin? Não é possível que o PCFR desconheça essa atitude hipócrita.

4. Ocultação do anticomunismo do governo

O PCFR sublinha o anticomunismo das “autoridades fascistas” ucranianas, como as caracteriza, mas não se deu conta do anticomunismo das bocas oficiais russas, do presidente V.Putin, inclusive em sua primeira declaração, antes da guerra. Deve ser lembrado que V. Putin usou expressões virulentas contra a União Soviética, que são frequentemente usadas pela União Europeia e pelos EUA, como a "ditadura stalinista", o "regime totalitário", o "terrorismo vermelho", etc.

É característico que o PCRF não tenha reagido a este inaceitável ataque anticomunista desencadeado pelo Kremlin e que é a base comum do anticomunismo de todas as forças do imperialismo. Nem sequer respondeu às acusações desprezíveis do presidente russo de que Lenin e os bolcheviques eram responsáveis ​​pela dissolução da URSS e não as forças sociais e políticas da contrarrevolução na qual o próprio Putin participou, ao lado do então prefeito de Leningrando, A. .Sobchak, o “braço direito” de Boris Yeltsin, que junto com M.Gorbachev liderou o ataque anticomunista e anti-soviético contra as forças que lutavam para salvar o socialismo e a URSS.

5. A distorção das posições do KKE sobre a guerra

Nestas circunstâncias, o PCFR tentou enganar o povo russo sobre as posições do KKE em relação aos acontecimentos na Ucrânia. O PCFR ocultou que o KKE desde o início denunciou a invasão russa na Ucrânia, organizou uma mobilização da embaixada russa em Atenas para a embaixada dos EUA, se opôs a ambos os lados do confronto imperialista, pedindo aos povos que não escolhessem entre “ladrões”, que se mobiliza contra a intensificação do “fogo” da guerra imperialista com o envolvimento contínuo e mais profundo da Grécia, a transferência através da Grécia de armas letais para a zona de conflito.




Ao contrário, o PCFR procurou usar as mobilizações massivas do KKE para continuar manipulando o povo russo, entre outros. Assim, nas redes sociais, G.Zyuganov reproduz fotos da mobilização do KKE apresentando-a como apoio ao chamado “mundo russo”. Além disso, na mensagem de solidariedade enviada pelo PCFR contra a prisão dos quadros do KKE e a repressão da mobilização em Salônica, tenta-se reproduzir a posição do PCFR sobre uma "guerra total da OTAN contra a Rússia". Esta posição procura justificar a invasão russa da Ucrânia. Esta mensagem foi "hospedada" em um jornal burguês em nosso país que acusava o KKE de duplicidade e suposto apoio à Rússia capitalista.

No entanto, o fato de as mobilizações populares em nosso país ocorrerem em frente as bases, acampamentos militares e portos, estações de trem por onde passam as forças EUA-OTAN tem a ver com o fato de nosso país já estar ao alinhado com uma das partes do confronto, a parte da EU-EUA-OTAN.

Assim, exigimos a dissociação da Grécia da guerra, dos planos criminosos do euro-atlanticismo, que colocam o nosso povo na alça de mira. Isso não pode ser interpretado por ninguém como apoio à Rússia capitalista, a qual também denunciamos, ao contrário do PCFR e de alguns outros partidos comunistas que dão cobertura ideológica e política aos planos da burguesia russa.

O KKE une forças com 40 outros partidos comunistas e 30 organizações juvenis comunistas em todo o mundo que:

Denunciaram a guerra imperialista e sublinharam que "os acontecimentos na Ucrânia, que ocorrem no quadro do capitalismo monopolista, estão ligados aos planos dos Estados Unidos, da OTAN e da União Europeia e à sua intervenção nesta região, no contexto da sua feroz disputa com a Rússia capitalista"

Manifestaram sua solidariedade com “os comunistas e os povos da Rússia e da Ucrânia”, chamando-os a fortalecer “a luta contra o nacionalismo fomentado por ambas as burguesias. Os povos de ambos os países, que viveram em paz e prosperaram conjuntamente como parte da URSS, assim como os outros povos do mundo, nada têm a ganhar se alinhando com um ou outro polo, com um ou outro imperialista, com uma ou outra aliança imperialista que serve aos interesses dos monopólios”.

Eles enfatizaram que “O interesse da classe trabalhadora e das camadas populares exige que nós comunistas fortaleçamos o critério de classe para analisar os acontecimentos, traçar o curso de nosso próprio caminho independente contra os monopólios e as classes burguesas, para a derrubada do capitalismo, pelo fortalecimento da luta de classes contra a guerra imperialista, pelo socialismo, que continua válido e necessário como sempre”.

O artigo foi publicado no diário Rizospastis – Órgão do Comitê Central do KKE em 23 de abril de 2022 

Notas:

[1] G.Zyuganov: “Globalização: impasse ou saída?” (2001)

[2] Programa PCFR. https://kprf.ru/party/program

[3] G.Zyuganov: O reconhecimento das Repúblicas Populares do Donbass para nós é uma questão de princípio. https://kprf.ru/party-live/cknews/208757.html

[4] V.Putin. Declaração do Presidente da Federação Russa. 21/02/22 http://kremlin.ru/events/president/news/67828_

Fonte: https://inter.kke.gr/es/articles/sobre-la-guerra-imperialista-en-Ucrania-y-la-postura-del-PCFR/

Edição: Página 1917

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