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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

70 anos da Petrobras e Soberania Nacional

Exportação de 45% do petróleo é uma política colonial

Entrevista com Felipe Coutinho, vice-presidente da Associação de Engenheiros da Petrobras (Aepet) concedida ao jornal A Nova Democracia



No dia em que a Petrobras completa 70 anos de existência, a soberania energética do País segue ameaçada por políticas de tipo colonial: em toda a sua história, nunca houve um momento em que a empresa distribuiu tantos dividendos (lucros) a seus acionistas. Esta é uma das conclusões de Felipe Coutinho, vice-presidente da Associação de Engenheiros da Petrobras (Aepet), a quem o AND entrevistou nas últimas semanas para tratar de como o governo de Luiz Inácio prossegue com a política de preços paritários internacionais (PPI) do petróleo causando o aumento dos combustíveis.

Ao longo da entrevista, Coutinho declarou como o governo Lula segue conduzindo o País na rota colonial, na mesma esteira de Michel Temer e Jair Bolsonaro – conforme está apontado em seu artigo mais recente . Isto é evidenciado na política seguida desde a direção da Petrobras, que segue sendo a mesma: manter os preços dos combustíveis comercializados no País análogos aos praticados no estrangeiro. O vice-presidente da Aepet aponta que este é o caminho da subjugação nacional, evidenciado através do domínio dos setores estratégicos, especialmente da energia.

O governo brasileiro, através da direção da Petrobras dos últimos anos, tem implementado uma série de políticas que conformam aquilo que Coutinho chama de “um novo ciclo colonial” com a exportação bruta de 1,5 milhão de barris por dia de petróleo cru, representando 45% da produção nacional indo diretamente para as multinacionais estrangeiras – 34% para a Rússia e 31% para os Estados Unidos (EUA).

No dia 16 de agosto, o presidente da Petrobras (Jean Paul Prates) compareceu ao Senado para prestar esclarecimentos aos parlamentares – e reafirmar o seu compromisso com a continuidade desta política vende-pátria. Ele afirmou que o reajuste de agosto, na verdade, reflete o comprometimento de sua gestão com a política de preços: “Qual era o teste que se propunha? ‘Quero ver na hora que subir o preço lá fora, se [a Petrobras] fizer o ajuste’. Fizemos. Portanto, a política passou no teste e vamos fazer [reajuste] quando for necessário”.

Por sua vez, os países imperialistas seguem comprando petróleo bruto a preço da banana, em um contexto de acirramento das contradições entre si no mesmo momento em que se desenvolve uma grave e profunda crise econômica de todo o sistema imperialista. No meio de setembro, os estoques dos EUA ficaram 3% abaixo da média de cinco anos para esta época do ano. A Rússia e a Arábia Saudita, duas maiores potências no setor de combustíveis, vão manter a redução na produção – no intento de favorecer a sua própria produção.

Confira abaixo a íntegra da entrevista com Felipe Coutinho, vice-presidente da Aepet.

A Nova Democracia (AND): Estamos caminhando para ter uma segurança energética, ou não? Temos hoje a segurança que teremos soberania no atual contexto internacional?

Felipe Coutinho (FC): O que a gente observa é que o Brasil não trata o petróleo e o gás natural como recurso estratégico, fundamental para o desenvolvimento. Temos tratado o petróleo como uma mercadoria para exportação. Para a pior exportação, por multinacionais, empresas estrangeiras. Estamos num novo ciclo colonial exportador, ciclo colonial. São exportados 1,5 milhão de bairros por dia, 45% da produção nacional, que é exportado no estado cru. Mais de 60% da exportação é feita por petrolíferas estrangeiras. Com esse modelo exploratório não é possível trazer desenvolvimento para o Brasil. Vai ser, se continuar, igual aos ciclos coloniais que o Brasil já viveu. Alguns poucos se beneficiam deste ciclo quando ele está num período crescente. Depois, os recursos estão esgotados e entram numa fase decadente em que a maior parte da sociedade (que não teve ganhos marginais no período próspero) vai assumir as consequências do desastre econômico na fase decadente. Esse é um ciclo colonial.

AND: Como você avalia o momento atual do País na área energética dos combustíveis?

FC: Com relação ao petróleo, o que poderia trazer desenvolvimento é usar o petróleo brasileiro para nosso benefício, usar o petróleo no Brasil. Defendemos que deveria ser proibida a exportação de petróleo cru, ou limitada severamente essa exportação. Deveria ser tributado pesadamente para exportar de forma a incentivar a agregar valor ao petróleo no Brasil.

Existe relação entre o consumo de energia per capita com o desenvolvimento humano. Consumo de energia com crescimento. E nosso consumo de energia é muito baixo. Então isso não permite que o Brasil se desenvolva a ponto de ter um padrão de desenvolvimento, um padrão dos EUA, Canadá, Europa, Austrália, Japão, etc.

Em relação ao pré-sal, se você comparar as estimativas para o pré-sal com as descobertas recentes, você vai avaliar que é relevante, de fato muito grande. Mas, se você comparar os volumes que foram descobertos não com as descobertas recentes, mas com as necessidades não atendidas do Brasil, você perceberá que não é tão grande assim. É uma irresponsabilidade permitir a exportação de petróleo do Brasil enquanto consumimos tão pouco. Então o governo brasileiro, essa classe dominante, tem sido irresponsável na exploração dos nossos recursos primários, especialmente petróleo e energia. O Brasil não vai se desenvolver exportando petróleo cru, muito menos para multinacionais estrangeiras, e esse caminho é um caminho para o fracasso.

AND : Você afirma que o principal não é o consumo interno. O centro de gravidade de todo o funcionamento que vem da diretoria da Petrobras está na exportação.

FC : Sim, está na exportação. Uma série de políticas foram tomadas ao longo do tempo que possibilitou chegar até essa situação em que são exportados 1,5 milhão de barris por dia, sendo que 60% por petrolíferas estrangeiras. Isso representa uma exportação de 45% de tudo que é produzido no país . Isso tudo foi possível por políticas que foram implementadas. Esse caminho não é o caminho do desenvolvimento. É caminho de uma condição do Brasil num cenário internacional de subalternidade de país exportador primário, em que a exportação, pior a situação é quando ela beneficia capitais estrangeiras, petrolíferas estrangeiras. Isso foi possível por uma série de políticas tomadas até aqui e são mantidas.

AND: Logo nos primeiros cinco meses de governo, Luiz Inácio anunciou em 16 de maio, o suposto fim do PPI. A medida até que ganhou bastante repercussão entre os setores governistas: o próprio Planalto afirmou que, a partir do fim do PPI, a Petrobras buscaria evitar o repasse da volatilidade do mercado internacional e da taxa de câmbio ao consumidor, criticando o governo anterior, que teve mais de 100 reajustes em um único ano. Mas o que de fato representou a medida do governo?

FC : Foi uma medida de marketing, de propaganda. Até maio, a Petrobras, sua direção, não tinha anunciado nenhuma medida para alterar a medida de política de preço paritário de importação, sendo que essa foi uma das principais bandeiras da campanha de Lula. Então havia muita pressão sobre a direção da Petrobras. O que a direção da Petrobras fez foi um anúncio de uma peça midiática, na verdade uma estratégia de comunicação em que a direção da Petrobras mudou o nome da política, mas o conteúdo da política continuou exatamente igual.

Desde maio até aqui escrevi três artigos acompanhando e demonstrando que o PPI continua e a única coisa que mudou foi o nome. No mais recente, escrito depois do recente aumento de 26% no diesel e 16% na gasolina, mostrei que ainda hoje o PPI é o que segue vigente nas refinarias da Petrobras. Isso com prejuízo muito grande para o Brasil. Energia cara traz inflação, energia cara reduz a produtividade do trabalho, reduz a competitividade das empresas brasileiras e é um freio para o crescimento econômico.

O Brasil deveria e poderia contar com energia muito mais barata, especialmente combustível, porque a Petrobras é muito eficiente, tem custos muito baixos, pode praticar preços bem menores do que o martírio de importação e ainda ter resultados compatíveis com seus pares da indústria do petróleo internacional. Pode gerar muito caixa, fazer investimentos, administrar investimentos, honrar todos os seus compromissos e ainda assim praticando preços muito mais baixos do PPI, preços condizentes com seus custos, com preços eventualmente até com referencial com o paritário de exportações. Caso a Petrobras se envolvesse na parte de refino, poderia ter a perspectiva de exportar combustíveis, se fosse avaliada como pertinente, claro que não grandes volumes.

AND: A exportação de petróleo orgânico sob preços paritários internacionais seria uma opção, então?

FC : Não. Como disse, o mais importante é usar o petróleo e os derivados no Brasil, a exportação precisa ser residual, mesmo que os combustíveis. Exportar combustíveis é melhor: tem mais valor agregado, mas ainda assim eu considero que o mais importante é dotar o país com uma capacidade produtiva e uma capacidade de consumo interno, energia barata para promover o desenvolvimento, aumentar o consumo per capita de energia em até 5 às vezes, é pra ter um padrão de desenvolvimento realmente compatível com as principais economias do mundo. Essa seria a melhor alternativa.

O PPI favoreceu os produtores de derivados fora do Brasil e a maior parte desde outubro de 2016 quem comprou foram os produtores, os Estados Unidos. As refinarias que estão localizadas ali no Golfo do México exportaram muitos derivados para o Brasil, até que o etanol de milho produzido nos EUA começou a ser muito exportado para o Brasil a partir de 2016 com essa política funesta. E neste ano foi para a Rússia, especialmente com relação ao diesel passou a ocupar o principal posto de origem do diesel que é importado pelo Brasil, então passaria para a Rússia em segundo lugar os EUA. A Rússia tem praticado um preço descontado em relação aos EUA em 20% de desconto, e, com isso, conseguiu ocupar o primeiro lugar na origem do diesel que tem sido importado para o Brasil. Importante seria uma mudança na política e não somente na retórica.

AND: O governo foi bastante criticado quando anunciou o fim do PPI. E a resposta do diretoria da Petrobras, evidenciada na presença de Jean Paul Prates no Senado, foi de que manteria a Petrobras competitiva, num discurso de produtividade internacional semelhante ao discurso imperialista, bem distante de atender os interesses do Povo e da Nação. Como você avalia todas essas declarações que o presidente da Petrobras?

FC : Jean Paul Prates mantém a política anterior. Mantendo o foco na distribuição máxima de dividendos e investimentos muito baixos. E na manutenção da política de preços que, na verdade, favorece os importadores, as distribuidoras privadas e os produtores de combustível fora do Brasil. Enquanto isso, nos dois primeiros semestres de 2023 as refinarias foram ociosas em 13%.

O que a gente tem visto é que existe uma capacidade que não está ocupada, ainda tem muita importação de derivados e isso não permite que a Petrobras cumpra seu papel como uma empresa estatal (que deveria ser abastecer o mercado brasileiro com os menores custos possíveis) . Se ela praticasse preços justos e competitivos, a necessidade de exportação reduziria muito. Como já estimei nos últimos artigos analisando os resultados do primeiro trimestre projetando a demanda atual, se a Petrobras ocupasse plenamente suas refinarias, como já aconteceu em 2014, a necessidade de importação de diesel, caso acontecesse, seria apenas residual, entre 2 e 3%, vamos dizer que seria no máximo 5%.

E a Petrobras poderia fazer essa importação. Não precisamos depender de nenhum agente privado para conduzir a importação residual de resultados que possivelmente a Petrobras não tenha capacidade de oferecer no mercado. A gente é capaz de produzir petróleo nosso, na nossa refinaria, com um custo muito mais baixo, eventualmente tendo necessidade de importação de frações residuais, a lucratividade tem que ser avaliada no abastecimento do mercado. E quando se faz uma conta total ponderada, existe um resultado extremamente positivo no abastecimento do mercado como um todo. Não há risco da Petrobras ter qualquer problema de geração de caixa, insolvência, dificuldade de administrar capital, de fazer investimento caso pratique preço justo e competitivo. E ainda poderia ser marcado para a opinião pública como essas refinarias que foram privatizadas, da Bahia, Manaus e do Rio Grande do Norte, pois são muito menos eficientes do que a Petrobras. Eles já têm preços praticados mais altos do que a Petrobras, mas a diferença não é tão alta pois a Petrobras pratica preços internacionais. A partir do momento em que ela pratica preços justos, e ela mesma faz a importação da fração residual, a diferença de preços em relação a essas refinarias fica muito grande, vai evidenciar pra todo mundo (consumidores, políticos, classe dominante, para todo mundo que depende do consumo de combustível) que a Petrobras é muito mais eficiente e como é necessário recuperar essas refinarias que foram privatizadas para que todo o Brasil fique abastecido com preços justos. 

AND: De fato é possível que a Petrobras abasteça grande parte do Brasil em termos de consumo de combustíveis? E quais são os impactos mais importantes?

FC: O preço dos combustíveis mais alto do que o possível traz uma série de consequências para a economia. Principalmente o diesel, combustível mais importante, seu preço está em tudo que consumimos, em todas as mercadorias. A maior parte das mercadorias que temos no Brasil foi transportada por diesel. Quando você analisa a produção agrícola, ela é altamente dependente do diesel no cultivo, do transporte de insumos agrícolas e depois no transporte dos produtos acabados. Quando o preço sobe, contamina toda a economia com inflação maior, tira a competitividade, seja da indústria, comércio, serviços. Uma parcela cada vez maior dos recursos das famílias e empresas começa a ser destinada ao pagamento dos insumos energéticos. Se tivesse energia mais barata, teria mais recursos disponíveis para indústria, comércio, para fazer investimentos e para que as famílias gastem em outras necessidades que não a necessidade de transporte. Energia mais barata significa maior potencial de crescimento, mais chance de crescer e economia mais capaz de competir no mercado internacional.

AND: Como se manteve a política de alta distribuição de dividendos? A Petrobras segue dando lucros e grande parte destes fica não para o povo?

FC : A Petrobras manteve a política de distribuição trimestral de dividendos. A direção atual alterou minimamente a distribuição trimestral, mas continua se obrigando a pagar um montante de dividendos trimestralmente. Quando comparamos com o que a Petrobras pagou historicamente e com as principais companhias petrolíferas do mundo, você percebe que é desproporcionalmente alto o dividendo que tem sido pago pela Petrobras, principalmente quando comparando o dividendo com o investimento. Se você pegar o dividendo dividido pelo investimento, fica evidente que a relação para a Petrobras tem sido extremamente alta. Ou seja: muito dividendo pago pra pouco investimento relativo.

Nos anos recentes, especialmente de 2021 até agora, são números muito mais altos que o histórico da Petrobras. É um negócio assustador. Isso demonstra que está sendo priorizado resultado de curto prazo. E com isso, você compromete o futuro da companhia. Muito dividendo distribuído trimestralmente, pouco investimento, gera o comprometimento da produção de petróleo. Sem investir na procura, nas reservas de forma compatível com a quantidade que está sendo exaurida, não consegue sustentar gás e petróleo. Aí vem a queda da produção dos campos maduros, o que é natural, precisa compensar com a entrada na produção nos campos que estão em crescimento de produção. Podemos, inclusive, além de não aumentar a produção, comprometer a produção e gerar a queda. Já existe uma pressão para que isso aconteça. Mas não é automático: o investimento baixo de hoje ele não reflete amanhã, reflete um pouco a frente. Existe um atraso no tempo da consequência deste investimento. Podemos observar que isso vem acontecendo. A distribuição de dividendos da forma que se dá é, inclusive, insustentável. Não é sustentável, mesmo que a direção da Petrobras queira manter por muito tempo. Logo você terá pressão por queda da produção, você não vai agregar o valor ao petróleo porque o investimento no refino está muito baixo e isso pode, num cenário de preços mais baixos ou moderados do petróleo, por exemplo, começar a comprometer os resultados junto das decisões que vêm sendo tomadas de 2021 pra cá e têm sido mantidas. 

AND : As perspectivas que a Aepet coloca não são de mudança: a partir dos 9 meses de governo, não se deve reverter o que foi feito nos últimos anos. Então qual é o papel que o povo trabalhador pode ter frente a essa questão da soberania energética?

FC: Acho que o primeiro passo é importante a importância dos temas estratégicos. Somos bombardeados por muita informação e a maior parte são irrelevantes, que não tratam dos principais temas que não vão refletir na qualidade de sua vida, de seus parentes e amigos. São notícias que levam a distração, você fica distraído e tudo que é importante passa ao longo, você não percebe. Para aí, quando um tema importante para tratado, serão usados ​​argumentos enganosos, falaciosos, informações truncadas; informações que são muito mais propaganda e não mostram o todo. Os trabalhadores têm que buscar um pensamento crítico, um interesse pelos temas relevantes, buscar fazer um diagnóstico correto nos temas principais, se dedicam a isso, para justamente poder pressionar politicamente e eventualmente se organizar, pois o trabalhador desorganizado, ele fica isolado, e o trabalhador isolado não tem poder de pressão, poder político. O poder do trabalhador só pode se revelar e ser eficaz se ele estiver organizado, unido. O Brasil é extremamente rico e derivou toda uma riqueza natural, que é toda explorada por capitais estrangeiros. É interessante que os trabalhadores se mobilizem politicamente, se unam e se organizem e busquem a melhor informação, o melhor diagnóstico e abracem as propostas que abrangem seu interesse.


Edição: Página 1917

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