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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Os Expurgos de Militantes no PCB Não Foram por Indisciplina

Mas para Calar as Divergências, Rachar o Partido e Tomá-lo de Assalto! 


Ivan Pinheiro

    Ontem fez exatamente uma semana que, no dia 30 de julho de 2023, a maioria do Comitê Central do PCB “expulsou” a mim e a quatro camaradas que eram membros dessa instância, eleitos no XVI Congresso do partido. Um dia que marcará uma página triste da história do PCB.

    Estejam certos de que, quando soube das decisões desse CC, em nenhum momento me senti “expulso” do PCB nem me abati pessoalmente, mesmo quando informado em detalhes de todos os golpes sujos utilizados naquela reunião.

Pelo contrário! Já naquela mesma noite, reafirmei a camaradas com os quais venho dialogando sobre os rumos do Partido, a aceitação, de minha parte, do desafio de seguir contribuindo, dentro de minhas possibilidades, para retomar e aprofundar a Reconstrução Revolucionária do PCB, cuja história condenará todos os seus traidores!

    As aspas que incluí nessas frases anteriores são exatamente para deixar claro que nenhum e nenhuma militante dos que já fomos supostamente “expulsos” do nosso partido, nem os que ainda o serão, entregaremos o PCB nas mãos de oportunistas que, fugindo vergonhosamente do debate político aberto, optaram por medidas administrativas e disciplinares.

    Quando, em 4 de julho, divulguei a camaradas e amigos do PCB meu texto “Antes que seja tarde!”, ficou evidente para o mais inexperiente e jovem militante ou simpatizante do partido que “Só o Comitê Central pode superar a crise interna e retomar a Reconstrução Revolucionária do PCB”, título que atribuí ao capítulo do texto em que reitero as propostas que poderiam reconstruir nossa unidade orgânica, entre as quais o restabelecimento do centralismo democrático de mão dupla, a suspensão de todos os processos disciplinares, a abertura de meios legítimos para debates internos e a convocação do XVII Congresso Extraordinário do partido (em lugar de uma Conferência Política até então programada para encerrar-se em março do próximo ano), incluindo em sua pauta as polêmicas que vem sendo abafadas pelo CC e que, se não resolvidas com democracia interna, certamente levariam à cisão do partido, como os debates sobre a atualidade do imperialismo e a guerra na Ucrânia, a caracterização do estado chinês, a relação com o governo Lula-Alckmin, além de importantes questões organizativas e ideológicas.

    Eu já vinha convencendo camaradas com os quais compartilho opiniões sobre esses citados temas, ainda que com algumas nuances, a permanecer no partido, desde a conclusão do XVI Congresso (novembro/21) - eivado de manipulações em todas as suas etapas - com o argumento de que era preciso lutarmos com todas as forças, até onde fosse possível, para travar o debate com os oportunistas.

    No entanto, para fugir do debate e forçar o racha, a maioria do CC, ao invés de suspender, radicalizou o expurgo de dirigentes e militantes divergentes, adiou a Conferência Política Nacional que havia anunciado, rejeitou a convocação de um Congresso Nacional unitário, proposta que vinha obtendo apoio entusiástico na militância e, no lugar dessas duas alternativas de debates políticos, privilegiou convocar um congresso interno da corrente sindical Unidade Classista, que não pode debater as candentes questões políticas e ideológicas aqui mencionadas. Isso significa que só abrirão o debate interno, seja através de Conferência ou Congresso, quando acharem que eventuais divergências serão apenas cosméticas e secundárias e que permanecerão “no poder”.

    Desta forma, racharam o partido para se livrar dos debates que temem e não enfrentam, optando por uma “paz dos cemitérios”, na vã ilusão de que, no partido reformista que mantiveram para chamar de seu, outras e novas vozes lúcidas não se levantarão, quando perceberem os objetivos políticos do golpe que deram para aprofundar, agora na tática política nacional, o giro à direita que já completaram nas relações internacionais, quando alinharam esse PCB que dirigem ao que há de mais oportunista e reformista no Movimento Comunista Internacional, desrespeitando as resoluções de todos os nossos últimos Congressos.

    Assim sendo, a citada reunião virtual do CC de um dia foi a gota d’água que faltava para a maioria do CC destruir qualquer possibilidade de unidade orgânica do PCB, o que levou, a mim e aos camaradas com quem eu já vinha dialogando - pensando alternativas para a hipótese previsível da negativa dos oportunistas à unidade - a adotar a única decisão que cabia a verdadeiros comunistas: enfrentar toda e qualquer dificuldade, confiar no fervor revolucionário da maioria da militância e iniciar, na mesma noite do racha provocado por esse CC, a reconstrução do PCB como o Partido Revolucionário que deixou de ser nos últimos anos.

    Não nos restou outra alternativa! Foi nesta mesma noite que começou a nascer o “Manifesto em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB”, redigido em forma de uma pré-tese oferecida à militância para debate e que aqui subscrevo publicamente, por concordar com os principais fundamentos e objetivos que inspiram a iniciativa, sem prejuízo de eventuais mediações que possamos vir a sugerir no curso dos debates.

UM RESUMO DAS DIVERGÊNCIAS NO CC NOS ÚLTIMOS ANOS:

    Vou concentrar-me aqui em tratar de acontecimentos recentes que levaram ao beco sem saída da cisão do PCB. Como é óbvio que este desfecho tem raízes mais profundas e antigas, deixarei para expô-las em breve com mais nitidez, inclusive com a divulgação de textos de minha autoria ainda inéditos publicamente, alguns de conhecimento apenas dos atuais e anteriores membros do CC e outros exclusivamente dos delegados ao XVI Congresso (novembro/2021), cujas tribunas de debate foram proibidas de serem divulgadas à militância, pela primeira vez na história do partido.

    Mas não posso deixar de adiantar aqui um breve resumo das principais divergências que marcam os debates internos no Comitê Central do PCB, sobretudo a partir do XIV Congresso (2009) e das eleições de 2010, quando resolvemos apresentar uma candidatura própria à Presidência da República (também o fizemos em 2014) e começamos a avançar nos esforços para a construção no Brasil de uma frente anticapitalista e antiimperialista e, no Movimento Comunista Internacional, no sentido do agrupamento dos Partidos Comunistas revolucionários.

    Na política nacional, esses esforços significaram a marcação de nossa independência política, o nosso afastamento dos partidos socialdemocratas, inclusive do PSOL, que já avançara em sua vocação de partido eleitoral para atuar na institucionalidade burguesa, e o início de um diálogo, com vistas à unidade de ação com organizações revolucionárias, mais tarde abandonado.

    Já nas relações internacionais, a consequência foi o aprofundamento de nossas relações com a Revista Comunista Internacional e os partidos que lideram esse campo marxista-leninista, como os Partidos Comunistas da Grécia, da Turquia e do México, a aproximação com Partidos Comunistas não reformistas na América do Sul, como os do Paraguai e da Venezuela, o rompimento público com o Foro de São Paulo, a solidariedade internacionalista às FARC-EP,  à Revolução Cubana, ao povo palestino e a todas as lutas e insurgências das massas e a todos os países e povos agredidos pelo imperialismo.

    Nas questões ideológicas e estratégicas, prevaleceram a convicção do caráter socialista da Revolução brasileira, a impossibilidade de construí-la através de etapas reformistas, a necessidade de uma vanguarda revolucionária e da ditadura do proletariado para a transição do socialismo ao comunismo e o respeito ao marxismo-leninismo como guia de nosso acionar político.

    Nas questões organizativas, prevalecia o respeito ao centralismo democrático e à determinação de que construíamos um partido de militantes e quadros revolucionários para atuar e crescer entre o proletariado e não um partido de massas, com metas quantitativas de crescimento, sem formação política e com viés eleitoral.

    Entretanto, nos últimos anos, ocorreram muitas mudanças no caminho que trilhávamos, entre as quais destaco o que chamo de “aliança monogâmica” com o PSOL nas eleições de 2018 e 2020, em que fomos na prática cabos eleitorais de seus candidatos, e que só não se reproduziu em 2022 pela decisão desse partido em apoiar Lula já no primeiro turno. Lembro também o equívoco de praticamente nos termos limitado, na necessária luta contra o governo Bolsonaro, à bandeira de sua saída pela via institucional e parlamentar do impeachment. Gritávamos “Fora Bolsonaro!” com a pequena burguesia e o reformismo, ao invés de chamarmos o proletariado e os trabalhadores em geral à luta para barrar a “boiada” das contrarreformas que passavam tranquilamente no parlamento burguês. Lutávamos contra o “Bobo da Corte” e não contra esta!

    Nas relações internacionais, contrariando todas as decisões congressuais recentes, operou-se na prática o rompimento com os PCs revolucionários e a aproximação com os partidos socialdemocratas que participam de governos tidos como ”progressistas” na administração do capitalismo, chegando ao ponto de nos associarmos politicamente a uma articulação internacional de partidos reformistas, chauvinistas e até burgueses.

    Na questão organizativa, o CC decidiu estabelecer metas absurdas de filiação de novos membros e chegou a orientar a que todos os militantes se registrassem na justiça eleitoral, reproduzindo uma ilusão de que um partido ainda sem inserção nas massas pode eleger algum parlamentar, mantendo a independência política.

ANTECEDENTES RECENTES DA CRISE:

    Na reunião de 30 de julho, o atual Comitê Central, que já havia cassado o mandato de Jones Manoel como um dos seus membros, desta vez expulsou a mim e a ele, não do verdadeiro PCB, mas do partido de que se apoderaram, além de mais três membros do CC (Ana Karen, Gabriel Landi e Gabriel Lazzari). No meu caso, fui “expulso” como membro do partido, pois me havia afastado da direção nacional, em carta de 18 de junho de 2022, ainda de conhecimento restrito aos seus atuais membros.

    Os três camaradas citados foram expulsos do partido nesta reunião através de um golpe maquiavélico urdido pela facção academicista e anti-leninista liderada por Mauro Iasi que - valendo-se da pusilanimidade e da submissão silenciosa da maioria do CC - assumiu a paternidade dos expurgos da ala marxista-leninista do partido. Antes de iniciar a ofensiva que levou o PCB à cisão, ele trocou o símbolo que havia anos marcava seus vídeos no canal da Boitempo (a logomarca do PC chileno, um dos mais reformistas da América Latina), colocando em seu lugar uma foto de Lenin!

    Para impedir Karen, Landi e Lazzari de estarem presentes no momento em que a proposta de suas expulsões do partido fosse levada a voto, na parte da manhã da reunião pautaram a cassação de seus mandatos como membros do CC eleitos no XVI Congresso (como já haviam feito com Jones Manoel). Uma vez aprovada essa proposta, obrigaram os três a se retirarem da sala digital para em seguida, na ausência desses camaradas, expulsarem a eles e a mim do partido, sem conhecermos como se deu o debate, o resultado das votações e nem mesmo se elas foram analisadas individualmente ou em um pacote fechado!

    Este foi outro expediente do ritual desonesto usado pelo setor hegemônico da CPN, que acusa de stalinistas os seus oponentes. Ficamos sem saber quem votou a favor, contra ou se absteve no momento das expulsões. Neste ambiente secreto, certamente forjou-se um espírito de corpo e um pacto tácito de silêncio a respeito e, desta forma, não podemos ter juízo de valor sobre cada um dos “juízes” que compuseram o “tribunal”.

    Mas deixo claro que, à exceção dos atores principais deste episódio vergonhoso, manterei uma atitude de respeito a todos os militantes e dirigentes que ficarem do outro lado nesta cisão, por conta de posições diferentes que temos sobre questões políticas, ideológicas e organizativas. Muitos destes, estou certo, estão constrangidos com os golpes e as absurdas medidas administrativas usados por uma minoria para resolver “no tapetão” as divergências que não enfrentam no campo da política.

O CENTRALISMO BUROCRÁTICO E SELETIVO:

    O principal pretexto para minha “expulsão” desse pretenso PCB, sem direito de defesa, foi ter divulgado em minha lista de transmissão, restrita a militantes e alguns simpatizantes do PCB de minha absoluta confiança (e jamais em redes sociais), um texto de minha autoria (“Ainda sobre a Plataforma Mundial Antiimperialista”) criticando camaradas da CPN que, durante meses, sem o conhecimento do CC, associavam o partido a uma iniciativa internacional contrária às decisões do XVI Congresso sobre questões e relações internacionais. Ambos continuam tranquilamente na direção nacional do partido e provavelmente devem ter votado pela minha “expulsão”. Um deles foi poupado até de críticas suaves e o outro por “explicar” ao Comitê Central as razões de ter comparecido e lido uma declaração em nome do PCB em uma reunião na Coréia do Sul na qual o CC havia decidido que ele não poderia estar presente. Para manter-se membro da direção nacional do partido, bastou-lhe dirigir a essa instância uma “autocrítica”, simples assim: “eu me enganei sobre o local onde estava; não repetirei mais esse erro”!

    No meu caso, primeiro me condenaram à revelia a uma “advertência interna”, proposta por uma “comissão disciplinar” cuja existência e composição só conheci mais tarde, e que jamais me ouviu sobre as supostas “acusações” que me fariam. Esse foi um expediente apenas para que eu deixasse de ser um “réu primário”, ao completar 48 anos de militância no PCB, para em seguida ser “expulso”!

    Na semana anterior à reunião do CC de 30 de julho, recebi em um e-mail sabidamente inativo e de forma apócrifa um interrogatório com 4 perguntas manipuladas, que se destinavam apenas a simular que eu sabia das “acusações” que seriam feitas contra mim na reunião de 30 de julho, à minha revelia, para consumar minha “expulsão” dos quadros do partido. Não se tratava de acusações e muito menos do relatório que submeteriam ao CC justificando meu expurgo, mas apenas de perguntas para a “instrução do processo”.

    Para terem uma ideia do arbítrio, não tive acesso prévio, por qualquer via, ao relatório que expôs à referida reunião do CC as “denúncias” contra mim, que justificariam a proposta de expulsão. Portanto, não tive sequer o direito de enviar à reunião um texto de defesa antes da votação e muito menos fui convidado a participar virtualmente do momento em que se daria essa decisão!

Em resumo, não tive qualquer possibilidade de direito de defesa!

    Certamente acusaram-me de transgredir o centralismo democrático que seus atuais chefes descumprem e criticam publicamente à vontade, sem que sejam objeto de processos disciplinares e até mesmo de críticas, exceto as que vinham sendo feitas pelos que agora estão sendo expurgados exatamente por isso e pelo ódio visceral que os academicistas nutrem contra mim e, recentemente, contra importantes quadros de uma geração de jovens revolucionários, por ousarem lhes contestar e, o que mais lhes incomoda, os terem ultrapassado na formulação e influência política, interna e externamente ao partido.

    Esta é a prova cabal de que minha suposta “expulsão” se deu por razões políticas e não disciplinares. Na verdade, precisavam se livrar dos divergentes para botar em marcha seus projetos políticos e pessoais.

    Tanto é assim que, já se sentindo à vontade para mandar e desmandar, sob o silêncio da maioria do CC que lhes abaixa a cabeça, e para mostrar que não precisam de debates e congressos para impor suas opiniões e inclusive revogar decisões congressuais, lemos perplexos a última nota política atribuída ao CC do PCB, mas com o nítido DNA dos oportunistas, que textualmente afirma o “compromisso histórico (do partido) com os princípios do marxismo e do leninismo que fundamentam nossa compreensão histórica e nossa prática política”. (grifos meus)

    Na prática, em poucos dias já revogaram decisões de todos os últimos Congressos Nacionais do PCB, que sempre o definiram como marxista-leninista (com hífen, não como um sinal gráfico, mas por princípio), ao invés de “marxista e leninista”, formulação derrotada desde o X Congresso do partido, em março de 1993, no Rio de Janeiro.

    A propósito, transcrevo excelente passagem do recente Manifesto em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB, cuja leitura recomendo fortemente, a respeito desta polêmica:

Portanto, a fim de assegurar esse marxismo academicamente aceitável, preferem a defesa de uma formulação menos rigorosa, o “marxismo e leninismo” – uma fórmula que rapidamente se justifica afirmando o “marxismo na teoria social e o leninismo na teoria da organização”, demonstrando não apenas uma visão escolástica do marxismo, mas também seu repúdio ao leninismo em suas decorrências político-filosóficas. E ainda mais: mesmo com essa concessão retórica ao leninismo, por diversas vezes reiteraram publicamente considerar a teoria organizativa leninista como “datada”. À guisa de crítica ao stalinismo, rompem com o próprio leninismo”.

    Tanto o líder do grupo academicista e anti-leninista na prática como seus principais seguidores - Milton Pinheiro (novo Secretário Nacional de Formação Política) e Sofia Manzano (nova Secretária de Relações Internacionais) - que atribuem a si próprios o direito de divergir do partido em eventos públicos e redes sociais, comportam-se como acadêmicos com liberdade de opinião e não como militantes e membros do CC do PCB, cuja história, respeitada em geral na chamada esquerda, é um ativo que usam para alavancar seus prestígios como comunistas palatáveis, para agregar pontos na chamada Plataforma Lattes, para serem patronos de seguidores e orientandos, inclusive com a criação de feudos próprios no partido e no ambiente sindical, e para o aparelhamento do ICP (Instituto Caio Prado Jr.), criado pelo e para o PCB, mas na prática uma propriedade privada deste grupo, que chegou ao cúmulo de publicar um livro, no segundo semestre de 2021, pago pelos cofres do partido, com textos de três de seus pares sobre temas ligados à Tribuna de Debates do XVI Congresso que, como se sabe, foi proibida de ser divulgada aos militantes que não eram delegados.

    Foram estes elegantes e democráticos comunistas que montaram a estratégia para rachar o PCB e assumir seu comando, impedindo o partido de debater as divergências e promovendo expurgos.

Mas o tiro sairá pela culatra!

    Quando ficarem evidentes os golpes sujos de que se valeram, a conciliação de classes e o oportunismo que marcarão esse PCB de salto alto, os militantes que se reivindicam revolucionários encontrarão abertas as portas do Partido que estará honrando sua história centenária (reconhecendo seus acertos e erros) e, sobretudo, o processo de Reconstrução Revolucionária proclamado em 1992, desenvolvido a partir de 2005 e desviado gradualmente nos últimos anos.

Ivan Pinheiro

Guapimirim (RJ), 7 de agosto de 2023

Edição: Página 1917


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