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terça-feira, 15 de agosto de 2023

LIQUIDAR O PASSADO PARA DESTRUIR O FUTURO?

Érico Czaczkes Sachs*

Publicado na Revista Marxismo Militante (exterior) Data provável: 1975

"Não conseguiremos preencher o nosso papel sem quadros políticos operários, à base de manifestos e resoluções, dos quais as massas não tomam conhecimento. Somente situados no meio da classe, enraizados, teremos possibilidade de influir sobre seu comportamento."

Érico Czaczkes Sachs


[...] Em primeiro lugar, temos de aprender a enfrentar realisticamente a situação e os fatos, isto é, analisá-los a base de um método materialista. De nada adianta querer impor às nossas lutas de classes e ao nosso proletariado soluções, palavras de ordem e resoluções copiadas de situações objetivamente diferentes, com um nível de luta e de organização diverso do nosso. Isso não eleva o nível e simplesmente nos deixa por fora da classe e dos acontecimentos. Temos de saber avaliar exatamente, a cada momento, a receptividade e a capacidade de ação do nosso proletariado, para derivar as suas (e as nossas) tarefas. De nada adianta também ficar à procura do operário ideal, do proletariado com “consciência socialista” para trabalhar com ele, quando o problema fundamental – mesmo para a camada mais adiantada – ainda é o da criação de uma consciência proletária e o da confiança na força da própria classe.

[...] Não conseguiremos, porém, adaptar-nos à situação nenhuma, se ficarmos fora da classe operária. Não conseguiremos preencher o nosso papel sem quadros políticos operários, à base de manifestos e resoluções, dos quais as massas não tomam conhecimento. Somente situados no meio da classe, enraizados, teremos possibilidade de influir sobre seu comportamento. Somente criando quadros proletários contribuiremos para a formação de uma nova liderança de classe nas lutas que estão para vir.

É uma concepção completamente distorcida de luta de classe, um conceito absolutamente pequeno-burguês, querer supor que possamos enfrentar as nossas tarefas de vanguarda proletária à base de elementos integrados. Estes só tem sentido em facilitar a formação de quadros políticos operários. A classe, ela tem a sua própria vida (e notaremos em todo o seu alcance, quando começar a se agitar) e não tem conhecimento de um punhado de elementos com boas idéias que vem de fora. A classe, ela criará as suas novas lideranças em todos os níveis no decorrer da luta. Temos de atingir essas lideranças em potencial, temos de contribuir para a sua formação, pelo menos em centros vitais, cujo comportamento repercutirá sobre a classe toda. E para isso, temos de encontrar essa camada hoje, no nível de consciência que tem, pois somente a experiência das lutas, mais a nossa atuação no meio dela, pode torná-la mais conseqüente. Mas não podemos esperar que esse “proletariado socialista”, consciente e independente, caia do céu para adotar as nossas teses e resoluções.

Fonte: https://www.marxists.org/portugues/sachs/1975/mes/40.pdf

* Nasceu em Viena, em 1922. Filho único numa família judia, proveniente de Tchernowitz (fronteira da Áustria-Hungria com a Rússia até 1919), seu pai era membro destacado da Social-Democracia austríaca e sua mãe, nascida na Rússia, conhecia de perto o Partido Bolchevique, dada a circunstância de ter um irmão militante nas fileiras do partido russo. Em 1934, Erico acompanha a sua mãe, Sina Ida Czaczkes, numa viagem que representaria a sua primeira emigração: mudam-se para a Rússia... Instalados em Moscou, Erico passa a freqüentar a Escola Karl Liebknecht, onde permaneceria até 1938. Os quatro anos em Moscou marcaram decisivamente a sua formação intelectual. A escola era freqüentada principalmente por filhos de refugiados alemães, embora também abrigasse jovens de outras nacionalidades. Foi nesse período que Erico estudou pela primeira vez o marxismo, ao tempo em que obtinha informações da oposição a Stalin. Seus contatos com os militantes da Oposição valeram-lhe a expulsão da Rússia, em 1937.

De volta para a Áustria, Erico e sua mãe lá não permanecem mais que alguns meses: O clima de perseguições aos judeus tornava impraticável a sua permanência na Áustria.  Para Erico, com apenas dezesseis anos, já era a terceira vez em que se via obrigado a abandonar um país.  Foge da Áustria a pé, alcançando a Bélgica através de território alemão e daí chega até a França.  Em Paris, procura Thalheimer e Brandler, os líderes da Oposição Alemã.  Torna-se o mais jovem militante da KPO (Oposição Comunista Alemã) no exílio.  Morando com Thalheimer, além das discussões sistemáticas que mantem com o principal líder da Oposição Alemã, encontra-se com outras figuras destacadas do comunismo, como Víctor Serge, e com militantes do POUM.

Em 1939, Erico e sua mãe decidem emigrar para o Brasil. Em seus primeiros passos no ambiente brasileiro, aos poucos foi conhecendo a realidade do nosso movimento operário.  Trabalhando como gráfico, participou da organização dos gráficos paulistas.  Posteriormente – a partir do final da década de quarenta – foi jornalista, e seus artigos publicados no Correio da Manhã dão uma rica visão panorâmica do mundo no pós-guerra.  Progressivamente, sua influência intelectual foi se firmando junto a segmentos da esquerda brasileira.

Erico trouxe para o Brasil a tradição aberta por Rosa Luxemburgo e outros de que  cada nova revolução é uma fonte de novas experiências, mas não cabe acatar o stalinismo, o trotsquismo (nem o maoismo ou o castrismo) como métodos ou sistemas.

Durante a década de cinqüenta, exerceu, no Brasil, grande influência na preparação ideológica de uma corrente de pensamento, trabalho que culminou, em 1960, na convocatória para o 1º Congresso da Organização Revolucionária Marxista, Política Operária.

Em 1969, Erico foi preso pelo DOPS carioca.  Conseguindo fugir da prisão, refugia-se na Embaixada da Áustria e, em 1970, pela quarta vez em sua vida, tem que abandonar um país.  Mas desta vez trata-se do país que, voluntariamente, escolheu como seu.  Na sua volta ao Brasil, em 1980, integra-se no Partido dos Trabalhadores, no Rio de Janeiro. Durante a ditadura um dos pseudônimos utilizado por ele foi o de Ernesto Martins.

Erico morreu no Rio de Janeiro, em 9 de maio de 1986.  Seus últimos anos foram vividos em condições materiais extremamente precárias, virtualmente relegado ao isolamento e à miséria.  Velho comunista, mais de uma vez lembrara da célebre colocação de Rosa Luxemburgo sobre o “isolamento revolucionário”.  Para ele, a consciência do próprio isolamento era também a certeza do caráter circunstancial dessa situação, sobre a qual se projetava a convicção da vitória final que caberá à sua causa, à sua ideologia e à classe à qual aderiu.  A história do comunismo está repleta de exemplos como esse.

Ver este resumo biográfico na íntegra em: http://centrovictormeyer.org.br//wp-content/uploads/2010/04/Ernesto-Martins-Eric-Czaczkes-Sachs.pdf

Edição: Página 1917

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