CARTA AO CONGRESSO ¹
Lenin convalescendo em 1923. |
Eu
aconselharia fortemente a empreender neste congresso uma série de modificações
na nossa estrutura política.
Desejaria comunicar-vos as considerações que penso serem mais importantes.
Em
primeiro lugar, coloco o aumento do número de membros do CC para várias dezenas
ou mesmo uma centena. Penso que se não empreendêssemos essa reforma, o nosso Comitê
Central se veria ameaçado de grandes perigos, caso o curso dos acontecimentos
não fosse de todo favorável para nós (e não podemos contar com isso).
Em
seguida penso propor à atenção do congresso que, dentro de certas condições, se
dê caráter legislativo às decisões da Gosplan, indo neste aspecto ao encontro
do camarada Trotsky, até certo ponto e em certas condições.
No
que se refere ao primeiro ponto, isto é, ao aumento do número de membros do CC,
penso que tal coisa é necessária tanto para elevar o prestígio do CC como para
um trabalho sério para melhorar o nosso aparelho e para evitar que os conflitos
de certas pequenas partes do CC possam adquirir uma importância excessiva para
os destinos do partido.
Parece-me
que o nosso partido está no direito de pedir à classe operária 50 a 100 membros
para o Comitê Central, e que pode recebê-los dela sem uma tensão excessiva das
suas forças.
Esta
reforma aumentaria consideravelmente a solidez do nosso partido e
facilitar-lhe-ia a sua luta, rodeado de Estados hostis, luta que em meu
entender pode e deve agudizar-se muito nos próximos anos. Penso que a
estabilidade do nosso partido ganharia mil vezes com esta medida.
Lenin 23/12/1922
Por
estabilidade do Comitê Central, de que falava mais acima, entendo as medidas
contra a cisão, se é que tais medidas podem, em geral, ser tomadas. Porque,
naturalmente, o guarda branco da Rússkaia Misl (parece que era S. S. Oldenburg)
tinha razão quando, no jogo dessa gente contra a Rússia Soviética, apostava em
primeiro lugar numa cisão do nosso partido e quando, em segundo lugar, apostava
para essa cisão em divergências muito sérias no partido.
O
nosso partido apoia-se em duas classes, e por isso é possível a sua instabilidade
e inevitável a sua queda se essas duas classes não pudessem estabelecer um
acordo. Nesse caso, seria inútil tomar tais ou tais medidas e, em geral, tecer
considerações acerca da estabilidade do nosso CC. Nenhuma medida seria capaz,
neste caso, de prevenir a cisão. Mas eu espero que isto seja um futuro
demasiado distante e um acontecimento demasiado improvável para falar dele.
Refiro-me
à estabilidade como garantia contra a cisão num futuro próximo, e tenciono
expor aqui uma série de considerações de ordem puramente pessoal.
Penso
que o fundamental na questão da estabilidade, deste ponto de vista, são membros
do CC como Stalin e Trotsky. As relações entre eles, em minha opinião,
constituem mais de metade do perigo dessa cisão que se poderia evitar, e para
evitar a qual, em minha opinião, deve servir, entre outras coisas, o aumento do
número de membros do CC para 50, para 100 pessoas.
O
camarada Stalin, tendo-se tornado secretário-geral, concentrou nas suas mãos um
poder imenso e não estou certo de que saiba sempre utilizar este poder com
suficiente prudência. Por outro lado, o camarada Trotsky, como o demonstrou já na
sua luta contra o CC a propósito da questão do Comissariado do Povo das Vias de
Comunicação, não se distingue apenas pela sua destacada capacidade.
Pessoalmente é talvez o homem mais capaz do atual CC, mas peca por excessiva
confiança em si próprio e deixa-se arrastar excessivamente pelo aspecto
puramente administrativo das coisas.
Estas
duas qualidades de dois destacados chefes do CC atual podem levar
involuntariamente à cisão, e se o nosso partido não toma medidas para o
impedir, a cisão pode surgir inesperadamente.
Não
continuarei a caracterizar os outros membros do CC pelas suas qualidades
pessoais. Recordarei apenas que o episódio de Zinoviev e Kamenev em outubro² não é, naturalmente, acidental, mas que se não pode culpá-los pessoalmente
disso, como a Trotsky do seu não bolchevismo.
Dos
jovens membros do CC, quero dizer algumas palavras acerca de Bukharin e de
Piatakov. São, em meu entender, os mais destacados (dos mais jovens), e, a
propósito deles, dever-se-ia ter em conta o seguinte: Bukharin não só é um
valiosíssimo e grande teórico do partido, como, além disso, é legitimamente
considerado o favorito de todo o partido, mas as suas concepções teóricas só
com grandes reservas se podem qualificar de inteiramente marxistas, pois há
nele qualquer coisa de escolástico (nunca estudou e penso que nunca compreendeu
inteiramente a dialética).
Lenin 24/12/1922
Seguidamente,
Piatakov, homem sem dúvida de grande vontade e de grandes capacidades, mas que
se deixa arrastar demasiado pela administração e pelo aspecto administrativo
das coisas para que se possa confiar nele para uma questão política séria.
Naturalmente,
faço uma e outra observação apenas para o presente, na hipótese de que ambos
estes destacados e fiéis militantes não encontrem ocasião de completar os seus
conhecimentos e de corrigir a sua unilateralidade.
Lenin 25/12/1922
Aditamento à carta de 24 de dezembro de 1922
Stalin
é demasiado rude e este defeito, plenamente tolerável no nosso meio e nas
relações entre nós, comunistas, torna-se intolerável no cargo de
secretário-geral. Por isso proponho aos camaradas que pensem na forma de
transferir Stalin deste lugar e de nomear para este lugar outro homem que em
todos os outros aspectos se diferencie do camarada Stalin apenas por uma
vantagem, a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais cortês e mais
atento para com os camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode
parecer uma fútil ninharia. Mas penso que, do ponto de vista de prevenir a
cisão e do ponto de vista do que escrevi mais acima acerca das relações entre
Stalin e Trotsky, isto não é uma ninharia, ou é uma ninharia que pode adquirir
importância decisiva.
Lenin 04/01/1923
Notas
1 - Em Maio de 1924 a
Carta ao Congresso foi lida aos delegados ao XIII congresso do Partido, mas somente
em 1956, por decisão do CC do PCUS, essas cartas foram levadas ao conhecimento
do XX Congresso do Partido, enviadas às organizações do Partido e amplamente
divulgadas.
2 - Lenin se refere a atitude
de Zinoviev e Kamanev, às vésperas da insurreição de 1917, de se posicionarem publicamente
contra o levante após serem derrotados no CC do partido bolchevique.
Edição: Página 1917
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