David Servan-Schreiber**
O urso polar vive completamente afastado da civilização. As vastas extensões de neve e gelo de que ele tem necessidade para sobreviver não são propícias ao desenvolvimento urbano nem às atividades industriais. Entretanto, de todos os animais do mundo, o urso polar é o mais contaminado pelos produtos tóxicos, a ponto de seu sistema imunológico e sua capacidade de reprodução estarem ameaçados. Este grande mamífero se nutre de focas e de grandes peixes, que se nutrem por sua vez de peixes menores, os quais comem peixes ainda menores, plancton e algas.
Os poluentes que nós despejamos em nossos rios grandes e pequenos terminam todos dentro do mar. Muitos são persistentes, ou seja, não se decompõem em elementos assimiláveis pela biomassa da terra ou dos mares. Em vez disso, eles fazem a volta do planeta em alguns anos e vão se acumular no fundo dos oceanos. Acumula-se também no organismo dos animais que os ingeriram (são bioacumulativos) e têm uma afinidade especial com as gorduras, diz-se que são lipossolúveis. São encontrados, portanto, na gordura animal. Primeiro na dos pequenos peixes, depois na dos grandes que comem os pequenos, depois na dos que comem os grandes peixes. Quanto mais elevado na cadeia alimentar, mais a quantidade de "POP" (poluentes orgânicos persistentes) na gordura aumenta¹. O urso polar está no topo de uma cadeia alimentar, que está contaminada em cada etapa. Fatalmente, ele é o mais atingido pela concentração progressiva - a biomagnificação - dos poluentes do meio ambiente.
Existe um outro mamífero que ocupa o lugar de honra no cimo de sua cadeia, cujo habitat é ainda por cima claramente menos protegido do que o do urso polar: o ser humano.(...)
Como a explosão do consumo de açúcar e a degradação extremamente rápida da relação ômega-6/ômega-3, o surgimento dessas substâncias tóxicas no nosso meio ambiente - e nosso corpo - é um fenômeno radicalmente novo. Ele data também da Segunda Guerra Mundial. A produção anual de substâncias químicas sintéticas passou de 1 milhão de toneladas em 1930, para 200 milhões de toneladas hoje.²
Quando esses números foram publicados pela primeira vez em 1979 pela pesquisadora Devra Lee Davis, esta jovem e brilhante epidemiologista, que não poupava palavras, terminou sendo tratada como agitadora. É preciso dizer que ela tinha corajosamente dado como título a seu artigo na revista Science: "O câncer e a produção química industrial". Um tema que todo mundo teria preferido calar e que por pouco não encerrou sua carreira principiante. Mas Davis persistiu. Depois da publicação de mais de 170 artigos ao longo dos anos que se seguiram, após dois livros sobre o tema que causaram impacto,³ chegou a se tornar a primeira diretora de um centro oncológico ambiental, criado por ela na Universidade de Pittsburgh. Hoje, a relação entre câncer e meio ambiente não é mais contestada.
*Anticâncer: prevenir e vencer usando nossas defesas naturais; David Servan-Schreiber; p.97-98-99; Editora Objetiva; 2008.
**David Servan-Schreiber (21 de abril de 1961 – 24 de julho de 2011) foi um psiquiatra francês. Iniciou em 1978 os seus estudos na Faculdade de Medicina Necker-Enfants, em Paris, e concluiu o curso em 1984, na Universidade Laval do Quebeque. Exerceu a sua profissão de clínico no Canadá e nos Estados Unidos até 2002, onde contribuiu para fundar e em seguida dirigir o Centro de Medicina Complementar ou Integrativa de Pittsburg. Faleceu em decorrência do reaparecimento do câncer diagnosticado em 1992. (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/David_Servan-Schreiber)
¹ Ribeiro CAO, Voltaire Y, Sanchez-Chardi A, Roche H. Bioaccumlation and affects of organochlorine pesticides, PAH and heavy metals in the Eel (Anguilla anguilla) at the Camargue Nature Reserve, France. Aquatic Toxicology 2005; 741(1): 53-69.
² Davis DL, Magee BH. Cancer and industrial chemical production. Science 1979; 206(4425): 1356.
³ Davis DL. When Smoke Ran Like Water: Tales of Environmental Deception and the Battle Against Pollution. Nova York: Basic Books, 2004.
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