Julio C. Gambina* - 29/07/2020
Com informação de até 30
de Junho de 2020, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, a
CEPAL, atualizou o impacto regional da situação económica, afetada pela
recessão derivada do COVID19.(1) O relatório, baseado no Banco Mundial, aponta
que “a economia mundial experimentará a sua maior queda desde a Segunda Guerra
Mundial e o produto interno bruto (PIB) per capita diminuirá em 90% dos países,
num processo síncrono sem precedentes.”
O dado é em si mesmo muito sério, porque atinge a ordem mundial emergente no segundo pós-guerra, com
a predominância do dólar e o poderio ideológico e militar dos EUA.
Não se trata de um
problema circunstancial, mas e para além da disputa com a China, como já
discutimos em várias ocasiões, constitui um problema civilizacional, que
transcende a economia. Não é apenas a dominação que está em discussão, mas a
própria sobrevivência do planeta e a humanidade está em risco devido aos efeitos
sobre a Natureza.
Fica claro que, se o tema
é global, a região nossa-americana se vê também afetada, ainda mais quando o
COVID19 toma a região como epicentro.
Não são apenas o Brasil
ou o México que preocupam, com quase 87.000 e 43.000 mortes, respectivamente
mas, tendo em conta as mortes por milhão de habitantes o Peru encabeça a lista,
seguido pelo Chile e, recentemente, Brasil e México.
Enfatizo este dato,
porque ambos os países andinos, Peru e Chile, têm sido destacados nos últimos
tempos como os “modelos econômicos” a seguir, tomando os seus processos de
liberalização econômica como paradigmas a imitar.
As consequências da
mercantilização são agora visíveis na pauperização da população e na
deterioração da saúde pública, que recai sobre a população mais desprotegida.
Prevê o relatório da
CEPAL:
“Para o conjunto da
região, uma queda média do PIB de 9,1% em 2020, com quedas de 9,4% na América
do Sul, 8,4% na América Central e México e 7,9% no Caribe, sem incluir a
Guiana, cujo forte crescimento leva o total sub-regional a uma queda de 5,4%”.
Deve notar-se que no caso
venezuelano, para além dos problemas locais, as sanções e o bloqueio dos EUA
prejudicam seriamente o funcionamento econômico.
Destacam-se alguns dados
sobre a recessão em curso, e em particular é mencionado que:
“A produção industrial no
México tem em abril uma queda de 29,3% em relação ao ano anterior, enquanto a atividade
total da economia no mesmo período diminuiu 26,4% na Argentina, 15,1% no
Brasil, 14, 1% no Chile, 20,1% na Colômbia e 40,5% no Peru “.
Não se trata da especificidade
de uma economia, mas de que aos problemas locais se adiciona uma situação
agravada mundialmente pelo coronavírus.
Dimensão social do
problema
O impacto é fenomenal
para boa parte da população em Nossa América.
“A forte contração em
2020 traduzir-se-á numa queda do PIB per capita regional de 9,9%. Depois de ter
havido praticamente uma estagnação entre 2014 e 2019 (quando o crescimento
médio anual foi de apenas 0,1%), esta queda do PIB per capita implica um
retrocesso de dez anos: o seu nível em 2020 será semelhante ao registado em
2010.”
Recordemos que, para a
década de 80 do século passado, a CEPAL popularizou a frase “década perdida”, a
propósito da crise da dívida mexicana de 1982 e as sequelas derivadas da
generalização da hegemonia neoliberal.
É a década, sob a
liderança de Fidel, em que é tentada a criação do Clube dos países devedores,
para enfrentar o dos credores, que estava sob a gestão do FMI.
Tratava-se da estagnação
econômica numa década caracterizada por políticas de ajustamento e reforma
estrutural, que se generalizaram e popularizaram sob o desenho do Consenso de
Washington nos anos 90.
Esse saldo projetou-se na
última década do século XX como uma “meia década perdida” que se somava à
anterior.
Os primeiros 10 anos do
século XXI aparecem como de recuperação, com crescimento e distribuição do
rendimento, produto da combinação do aumento dos preços internacionais de
exportação e de uma vontade política para a melhoria da distribuição do
rendimento.
O clima de mudança
política em toda a região induziu à extensão das políticas assistenciais, para
além da orientação à esquerda ou à direita dos diferentes governos.
Por isso, destaca-se o
fato de que a CEPAL nos lembre agora que 2020 leva a região ao nível registado
em 2010, pelo que consolida outra década perdida, o que implica um impacto
social regressivo em termos de emprego e pobreza, agravando e consolidando a
desigualdade.
O mercado laboral será
fortemente impactado, ao comentar a CEPAL que:
“… a taxa de desemprego
regional situar-se-á em cerca de 13,5% no final de 2020, o que representa uma
revisão em alta (2 pontos percentuais) da estimativa apresentada em Abril de
2020 e um aumento de 5,4 pontos percentuais relativamente ao valor registado em
2019 (8,1%).”
Afirma que:
“Com a nova estimativa, o
número de desempregados chegaria a 44,1 milhões de pessoas, o que representa um
aumento de quase 18 milhões em comparação com o nível de 2019 (26,1 milhões de
desempregados).”
Acrescenta que:
“Estes números são
significativamente maiores do que os observados durante a crise financeira
mundial, quando a taxa de desemprego aumentou de 6,7% em 2008 para 7,3% em 2009
(0,6 pontos percentuais).”
Em rigor, não é novidade,
uma vez que a OIT contempla uma escalada do desemprego e da informalidade a
nível global, sobretudo entre as mulheres e os jovens.
Assim, num quadro de ofensiva de capital contra o trabalho, as condições da recessão mundial e regional consolidam a iniciativa capitalista que, na conjuntura, acelerou uma procura prolongada pelo trabalho remoto, o teletrabalho.
Faz parte da busca de
reduzir o custo da produção laboral, transferindo para os trabalhadores parte
do custo de manutenção dos instrumentos e meios de trabalho.
Por isso não é de
surpreender que o mercado de trabalho evidencie o custo em termos de rendimento
e emprego demonstrado pelos dados da CEPAL.
Ainda mais grave é a
questão em termos de pobreza e indigência.
“A CEPAL prevê que o
número de pessoas em situação de pobreza aumentará 45,4 milhões em 2020, com o
que o total de pessoas em situação de pobreza passaria de 185,5 milhões em 2019
para 230,9 milhões em 2020, número que representa 37,3% da população
latino-americana. Dentro deste grupo, o número de pessoas em situação de
pobreza extrema aumentaria em 28,5 milhões, passando de 67,7 milhões em 2019
para 96,2 milhões em 2020, número que equivale a 15,5% da população total “.
O relatório sublinha que:
“Os maiores aumentos na
taxa de pobreza (de pelo menos 7 pontos percentuais) ocorreriam na Argentina,
Brasil, Equador, México e Peru”.
No caso da Argentina, a
pobreza extrema passa de 3,8% para 6,9%, com uma variação de 3,1 pontos
percentuais de crescimento; e a pobreza passa de 26,7% para 37,5%, com um
aumento de 10,8 pontos percentuais.
A região da América
Latina há muito chama a atenção pelos crescentes níveis de desigualdade e este
relatório confirma-o.
Desta vez, não são
divulgados dados sobre a concentração do rendimento e da riqueza, que agravam a
situação de desigualdade que configura a América Latina e o Caribe como o
território mais desigual no sistema mundial.
Propostas da CEPAL
O relatório defende
quatro linhas de ação:
a) um rendimento básico
de emergência como instrumento de proteção social;
c) o apoio às empresas e
aos empregos em risco;
d) o reforço do papel das
instituições financeiras internacionais.
Parece pouco, e
discutível, para um diagnóstico tão pesado, mesmo quando defende medidas
urgentes que promovam boa parte dos atingidos social e economicamente.
São reclamações, as três
primeiras, que são sustentadas a partir das organizações sociais e políticas
que agrupam no território os setores mais desprotegidos.
As duas primeiras são
sugestões para a emergência social e a terceira visa manter o tecido de
pequenas e médias empresas, incluindo as “micro”, que são no seu conjunto a
principal fonte de emprego em todos os países.
A última é a mais
difícil, que remete a um reforço de organismos que deveriam ser incluídos mais
como parte do problema do que como solução, ainda mais quando, por detrás do
diagnóstico aparece dependência financeira e o sobre endividamento de várias
das economias com problemas.
Sem ir mais longe, o caso
argentino é paradigmático na conjuntura, quando se discute o refinanciamento da
sua dívida com grandes Fundos Financeiros e com um FMI que afundou o país com
um empréstimo impagável que condiciona o presente e o futuro da economia e o
seu povo.
É tempo de pensar numa
perspectiva civilizacional contra e para além do capitalismo.
Nota:
[1] CEPAL. Informe especial COVID19, 15/07/2020:
https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/45782/1/S2000471_es.pdf
*Julio C. Gambina é
Presidente da Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas, FISYP
Fonte: https://rebelion.org/proyecciones-preocupantes-de-la-cepal/
Edição: Página 1917
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