Yuri Martins-Fontes**
Bastante análogo a um tumor cancerígeno, o capitalismo se amplia de modo desgovernado, consumindo em sua “metástase” tudo à sua volta, a ponto de ameaçar o próprio “corpo” que o sustenta: o ser humano e o planeta.
Continuando a análise
começada na primeira parte deste artigo – Monopólio, desemprego e desigualdade:
faces da crise capitalista (I) –, vejamos como a crise do trabalho (desemprego)
e a crise ambiental se relacionam, constituindo-se como duas faces da “crise
estrutural capitalista”.
Pandemia de 2020, crise
econômica mundial de 2008, inundações e secas, crise de fome de 2007 cujo
resultado foi a marca histórica de um bilhão de famintos, devastação das
florestas e poluição dos oceanos, degradação de culturas e povos reduzidos
gradativamente à dependência e miséria: o que liga estes fenômenos é que todos
eles são resultados do chamado “progresso capitalista”.
“Progresso” que, longe de
ser um efetivo “desenvolvimento” humano – aprofundamento das liberdades,
melhorias na cultura, saúde, educação, emancipação, prazer, tempo livre –, pelo
contrário, é apenas um eufemismo com que se oculta um caótico “avanço
tecnológico” e um “crescimento
econômico” sem planejamento racional.
Neste processo de
crescimento concorrencial e desordenado (nomeado pelos capitalistas de
“livre-mercado”), o capital, a partir de um controle cada vez maior da natureza
(de que explora matérias-primas) e do próprio homem (de quem explora a força de
trabalho), segue “avançando” sempre mais por sobre os recursos do planeta e
seus diversos povos.
Bastante análogo a um
tumor cancerígeno, o capitalismo se amplia de modo desgovernado, consumindo em
sua “metástase” tudo à sua volta, a ponto de ameaçar o próprio “corpo” que o
sustenta: o ser humano e o planeta.
Este processo irracional
e fundamentalmente insustentável já tinha sido percebido por Karl Marx ainda no
século XIX, quem apesar de não ter visto o cenário limite que hoje podemos
vislumbrar, conseguiu descrevê-lo em seus traços preponderantes, como se
explana neste artigo.
Duas faces da crise
estrutural: desemprego e devastação ambiental
Para se compreender o
problema do “progresso” capitalista, é preciso observar algumas características
fundamentais deste modo de produção, sobretudo o conceito de crise estrutural
do sistema – que se refere a uma crise “lógica” intrínseca a este modo de
produção. Para além de suas frequentes crises socioeconômicas “cíclicas”, a
crise estrutural é um problema da própria irracionalidade interna do
capitalismo. Isto porque seu mecanismo de funcionamento pressupõe e mesmo
diviniza um eterno “crescimento econômico” –
como se se pudesse crescer infinitamente, como se o planeta não tivesse
os limites territoriais e energéticos que tem.
Os resultados disto,
visíveis no cotidiano dos noticiários e em grande medida já revelados e
mensurados por cientistas, em linhas gerais são: o aumento irreversível da
população sem emprego, cronicamente excluída do sistema; a destruição ambiental
a um nível que ameaça a própria vida sobre a Terra, ou ao menos a maior parte
de sua população.
Como mostrado na primeira
parte dessa análise, com o avanço da tecnologia e da automação dos processos
produtivos, por um lado o capital tende a se concentrar ainda mais (em mãos de
poucos e poderosos monopólios); por outro, o “exército industrial de reserva”
cresce vertiginosamente, lançando à completa exclusão social uma massa cada vez
mais impactante de trabalhadores, que nunca reaverão seus postos (“desemprego
estrutural”).
Consequências nítidas
desse movimento são, dentre outras:
i) a precarização do
trabalho (terceirizações, uberização, redução de direitos trabalhistas);
ii) aumento do abismo
social entre ricos e pobres;
iii) fome em níveis
jamais constatados ao longo da história;
iv) e também a degradação
ambiental.
Sim, além do ser humano,
a natureza também é vítima preferencial do capital, pois se naquele o capital
encontra força de trabalho para explorar, nesta ele encontra matérias-primas
para pilhar.
Deste modo, na medida em que cresce a automatização, os capitalistas veem a taxa de lucro ser gradativamente diminuída. Como reação de desespero, e para estender o prazo do problema, o capital tem diversos artifícios, tais como:
i) suprimir direitos
sociais conquistados ao longo de séculos (trabalhistas, previdenciários);
ii) inflar
artificialmente sua fortuna (bolhas de
crédito, dinheiro sem lastro);
iii) provocar guerras
para o aquecimento do mercado (renovação bélica, desova de armas, seguida da
reconstrução civil dos países destruídos);
iv) conquistar
belicamente ou por pressão econômica novos territórios cujos recursos possam
ser explorados, coagindo nações para que aceitem seu modelo exploratório
(agronegócio, mineração, etc), cujo ganho rápido por vezes seduz governos
periféricos, enquanto o grosso dos lucros vaza desses países (que têm seus
solos e subsolos devastados) sob a forma de matérias-primas (commodities), que
irão alimentar sobretudo a grande indústria do centro capitalista (EUA, UE,
etc).
Com este fenômeno de
avanço das fronteiras do capital por sobre terrenos ainda pouco explorados,
ocorre que milhões de pequenos camponeses são expulsos de suas terras, ou
obrigados a ingressar forçadamente no sistema, endividando-se (em nome da “competitividade”) e logo quebrando,
diante das concorrências maiorais.
Um dos resultados disso é
que o camponês, sem ter para onde ir, por vezes é forçado a optar pela migração
para áreas florestais – caso da Amazônia, cuja fronteira agrícola vem sendo
impulsionada por gente do Cerrado, expulsa pelo poder do agronegócio.
Outro grave problema
ambiental – talvez o pior – é o aquecimento climático global, fruto de uma
produção industrial mal planejada que não visa satisfazer ao homem, mas ao
lucro, processo que advém da ideia absurda de se perseguir sempre o
“crescimento econômico”, ainda que o planeta seja restrito em recursos (que já
se aproximam de seu esgotamento).
Não cabe nesse texto um
debate sobre todas as implicações e causas da crise ambiental, mas diante do
atual panorama de caos sanitário, vale ainda mencionar que segundo relatório do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, diversas das epidemias mais
graves que ameaçaram o mundo nas últimas décadas (ébola, gripe aviária,
síndrome respiratória aguda grave, febre do Nilo, zika, e agora, até onde se
sabe, inclusive a covid-19), são consequências da degradação da natureza: “75% das doenças infecciosas emergentes são
zoonóticas” – ou seja, transmitidas por animais a humanos, devido especialmente
à aproximação de espécies silvestres das metrópoles, motivadas pela destruição
de seus habitats naturais.
Marx e a crise
socioambiental: o debate O’Connor-Bellamy Foster
Vejamos agora como Karl
Marx, já em seu tempo, percebia o problema ambiental (que então, com a
ampliação desmesurada da indústria, se iniciava); e como dois destacados
marxistas dedicados ao tema socioecológico, James O’Connor e Bellamy Foster,
compreendem as contribuições de Marx ao tema, e a relação que há entre a “crise
estrutural” (relativa à lógica interna do capitalismo) e a crise ambiental
(consequência do “crescimento” irracional).
Até meados do século XX,
a crise ambiental não foi observada com a gravidade que merece. O debate
ambiental ganha peso nas últimas décadas do século à medida que os desastres
naturais se tornam evidentes, e que se percebe que isto se configura em uma restrição
estrutural ao “progresso” capitalista.
No âmbito do pensamento
marxista, o interesse pela questão obtém força nos anos 1980, quando é fundada
a revista de ecologia-socialista “Capitalism, Nature, Socialism: a journal of
socialist ecology” (1988), projeto liderado por O’Connor, no qual se destaca
também Elmar Altvater, e que seria acompanhado de perto – embora não sem
divergências – por Bellamy Foster e outros marxistas [1].
Os movimentos revoltosos
que se espalham pelo planeta por volta de 1968 são um marco deste processo, o
que amplia o debate público sobre a questão do meio ambiente e impulsiona o
desenvolvimento de pesquisas acadêmicas.
Assim, o questionamento
sobre os “limites ecológicos” do crescimento econômico e suas relações com o
“desenvolvimento humano” é reintroduzida no debate científico, após um
significativo hiato separando esse evento de contestação popular, da obra de
Karl Polanyi – quem em 1944, na obra A grande transformação, tratou das formas
como a ampliação do mercado debilitou as próprias condições sociais e
ambientais.
O nível da discussão
desse período, porém, ainda era bem fraco, tendo como linhas principais o
“naturalismo burguês”, o “neomalthusianismo”, a “tecnocracia do Clube de Roma”
ou o purista “ecologismo profundo” – como mostra O’Connor, fundador da corrente
marxista ecológica, que começa a modificar este cenário cognitivo superficial
[2].
O’Connor e o “ecologismo
marxista”
Para o sociólogo e
economista estadunidense, a base para se pensar a questão é se perceber que nem
a força de trabalho, nem a dita “natureza externa” são algo “produzido” pelo
capital (embora sejam tratadas como mercadorias).
O’Connor afirma que, para
se analisar a raiz das contradições capitalistas, devem ser levadas em conta as
“condições de produção” (que Polanyi chamou “mercadorias fictícias”, e que não
se relacionam diretamente com a lei do valor trabalho, estudada por Marx).
Pode-se dividir essas
“condições” em três tipos:
i) as “pessoais” (ligadas
à reprodução da força de trabalho);
ii) as
“naturais-externas” (campos, florestas, rios, recursos energéticos);
iii) as
“gerais-comunitárias” (infraestrutura, edificações urbanas, etc).
É importante frisar aqui
que Marx, já em sua época, tinha se dado conta que a “agricultura” e a
“silvicultura capitalistas” eram severamente daninhas à natureza – pois que
arruinavam a “qualidade da terra” e prejudicavam a saúde do próprio homem.
O’Connor, entretanto,
acredita que Marx, apesar de suas percepções iniciais, não chegou ao ponto de
estabelecer propriamente a “conclusão” do problema, ou seja: a de que os novos
métodos agrícolas (ecologicamente prejudiciais) viessem a produzir um aumento
dos “custos” dos elementos usados pelo capital [3].
Ou de outro modo, diz
O’Connor, Marx não teria captado que os tais “limites naturais” (autogerados
pelo crescimento da produção capitalista) viriam a se tornar obstáculos
“físicos”, levando o sistema a uma crise distinta daquela do “trabalho
abstrato” (que é tratada na obra marxiana e depois amplamente debatida pelos
marxistas).
A este “limite físico”,
O’Connor denomina “segunda contradição” do capitalismo, contrastando-a com a
“primeira” (que resulta da, antes explicada, “tendência decrescente da taxa de lucro”).
À “primeira contradição”, ele associa o movimento trabalhista de classes; já à
“segunda”, ele relaciona o surgimento dos “novos movimentos sociais” (coletivos
de resistência às diversas formas com que o capital agride as “condições de
produção”).
O’Connor divide estes
novos movimentos sociais, segundo suas relações motivadoras, do seguinte modo:
i) as de “condições
pessoais”, relacionadas a movimentos como o feminista, o negro, e o dos povos
indígenas, dentre outros;
ii) as “comunitárias”,
associadas a movimentos urbanos, de habitação, etc.;
iii) as “naturais” –
ligadas a problemas ambientais e que são a origem do “ecologismo”.
Deste modo, o marxista ianque, ainda que considere ambas as “contradições” capitalistas como faces da crise estrutural – ou seja, processos que levam o sistema a um limite –, sugere porém que, em seu tempo (fim do século XX), a “segunda contradição” (analisada pela então emergente “teoria ecologista marxista”) já teria um protagonismo mais decisivo para a crise capitalista contemporânea, do que a “primeira contradição” (a “do trabalho”, criticada desde há muito mais tempo por variadas correntes marxistas) [4].
Bellamy Foster e a
ecologia desenvolvida por Marx
Conterrâneo de O’Connor e
também um dos grandes impulsionadores da crítica ecológica de corte marxista,
Bellamy Foster contrapõe-se à teoria de seu colega e do grupo de pesquisadores
de sua citada revista. Propõe uma discussão “radical”, que se apoie em
contornos da realidade mais nítidos, verificando sua “raiz”, conforme deve se
dar em um procedimento de investigação pautado pelo método dialético que Marx e
Engels iniciaram.
Ainda que valorize certos
aportes dos chamados “ecologistas marxistas”, Foster entende que essa corrente
peca por “economicismo” e por “funcionalismo”, perspectivas que considera
“pouco dialéticas”.
Para Foster, O’Connor
parte de uma premissa errônea, ao achar que conforme o capitalismo se visse
transtornado pela degradação ambiental, existiria uma “tendência” de que o
próprio capital tentasse resolver esse problema (gerador de aumento dos custos
produtivos). Desse ângulo, poderia se supor uma abertura para que os movimentos
sociais viessem a pressionar o capital, com vistas a que as “externalidades”
(ligadas às “condições naturais-externas”) fossem devidamente pagas pelos
capitalistas.
Para Bellamy Foster essa
conjectura não tem lastro na realidade. Citando uma ideia do grupo dos “verdes
alemães” – segundo a qual o capital só irá reconhecer que “dinheiro não se
come”, quando “a última árvore já tenha sido cortada”, ele argumenta que a
devastação ambiental já é extremamente séria, ainda que não tenha chegado ao
nível de restringir “suficientemente” as “condições de produção”.
Como exemplos de sua
tese, destaca que “50% das espécies” da Amazônia estão ameaçadas de extinção,
sem que isso tenha efetivamente afetado a produção capitalista; ou ainda, que o
buraco da camada de ozônio, que põe em xeque a própria sobrevivência da
espécie, não será argumento suficiente para que os donos do mundo abdiquem de
sua destrutiva competição por lucros.
Estas ideias que se
centram apenas na “contradição ambiental”, diz Foster, contraditoriamente
acabam por “minimizar as dimensões reais da crise ecológica”. Além disto, há
problemas empíricos na teoria de O’Connor, pois não existem evidências de que a
escassez natural já seria atualmente uma real barreira para o capital, quando o
consideramos em sua totalidade – já que ainda há bastante território a se
conquistar, além dos variados artifícios com que o poder do sistema logra se
abster desses chamados custos externos [5].
Assim sendo, Foster
entende que a Terra, hoje, ainda é um grande presente nas mãos dos
capitalistas, e antes que o capital seja “sensibilizado” pelo desastre
ecológico, boa parcela da natureza e da humanidade terão sido exterminadas por
essa prática irracional.
Ele nota ainda que, mesmo
em um cenário limite, as elites sempre tramarão formas para poder estender por
mais tempo sua insanidade (como um exemplo simbólico, veja-se os monumentais
diques de proteção construídos nas terras baixas da riquíssima Holanda).
A tese de Foster é a de
que a chamada “primeira contradição” (ligada ao trabalho), ao contrário do que
pensa O’Connor, continua a ser a principal causa da crise estrutural
capitalista, antes da “segunda” (ambiental). Apesar disso, ele não aprecia essa
ideia algo “dualista”, que divide em categorias quase isoladas os antigos e os
novos movimentos sociais (uma visão unilateral das complexas causas do
problema).
Foster considera que esse
enfoque de O’Connor é “economicista”, pois que trata os novos movimentos
sociais (advindos da “segunda contradição”)como sendo hoje supostamente “mais
importantes” à resistência popular, legando assim a um plano secundário as
lutas de classes – o que acaba por reduzir a centralidade da categoria da
práxis,um dos cernes do pensamento marxista.
Como o próprio Marx
analisou o problema ambiental
Vejamos agora o que o
próprio Marx pensou sobre a questão ambiental. Conforme o levantamento que
Foster realizou em seu impactante livro A ecologia de Marx (2000), Marx e
Engels, na obra A ideologia alemã, quando abordam a evolução histórica da
divisão do trabalho, não expõem apenas as “formas de propriedade” (burguesa,
feudal, estatal, comunal, tribal), mas também dão destaque ao começo do
antagonismo entre a cidade e o campo, fenômeno que se consolidaria “plenamente”
sob o modo de produção capitalista, com sua divisão do trabalho entre agrícola
e industrial-comercial, o que gera enormes conflitos.
Marx desenvolve esse tema
em O capital, denominando “fratura metabólica” a essa contradição original do
capitalismo – que separa o homem da terra, alienando-o da base material que
sustenta sua existência.
A partir dessas
constatações, Marx passa a elaborar uma pioneira “teoria da sustentabilidade”,
em escritos nos quais aborda “diretamente” problemas hoje bem atuais, tais como
os seguintes (citados por Foster): “condições sanitárias”, “contaminação”,
“desflorestamento”, “desertificação”, “inundações”, “reciclagem de nutrientes”,
“diversidade de espécies”.
Anteriormente, em seus
Esboços da crítica da economia política (ou Grundrisse), Marx já tinha
discutido como as mudanças na propriedade fundiária, durante o capitalismo,
levaram ao alijamento dos “filhos da terra”, do “peito em que se criaram”,
fazendo com que inclusive o “próprio trabalho do solo” viesse a ser alienado,
tornando-se uma fonte de “subsistência mediada”, “dependente”das relações
sociais.
A conclusão a que Marx
chega é a de que, para se poder superar o capitalismo, é preciso: que o
“trabalho assalariado” seja abolido, criando-se para em seu lugar uma
comunidade de trabalhadores associados; mas também, que seja posto um basta na
alienação dos seres humanos com relação à terra que nos alimenta a todos.
Tendo em conta estas
concepções de vanguarda presentes na obra marxiana, Foster defende que o
pensador alemão desenvolveu efetivamente uma “teoria ecológica” – e uma teoria
“completa” –, diferentemente do que crê O’Connor; ainda que Marx tenha
escolhido não se focar na especificidade de como os “custos ecológicos”
influenciam de modo direto a economia (fato que, não obstante, já em seu tempo
ele observou e comentou, caso da crise dos solos que ficou evidente a partir
dos anos 1840).
Ao invés de enveredar por
uma análise “economicista” (que restringiria a verificação das contradições
ecológicas), diz Foster, Marx se volta “cada vez mais” a uma reflexão sobre a
“regulação” racional do metabolismo entre o ser humano e o meio ambiente, ou
seja, o que hoje chamamos de “sustentabilidade” – algo que não será possível,
senão através da superação do “trabalho alienado”.
Em suma: Marx opta por
investigar a questão de modo ampliado – “totalizante” –, sem se restringir às
categorias isoladas com que o cientificismo moderno (de perspectiva
positivista) divide artificialmente a realidade. Para ele, a questão básica
para a construção de uma sociedade evoluída – comunista – passa justamente pelo
estabelecimento de um metabolismo homem-natureza mais racional.
Hoje, a crise ambiental
atingiu um estágio perigoso, o que Marx não poderia ter adivinhado em seu
século. Porém, o núcleo da questão ecológicaé ainda a antinatural separação
entre campo e cidade. Isto, afirma Foster, não só ou prioritariamente por causa
dos impactos na produção industrial; a devastação da natureza é um problema
vasto e repleto de implicações que, tendo sido criado pela própria “estrutura”
do capitalismo, não poderá ser estudada apenas pelo viés “econômico”: é preciso
entendê-la também como problema “social” e “cultural”: como um fenômeno
dialético, conflitivo, que é ao mesmo tempo humano e natural.
Contudo, para se alcançar
tal entendimento, é preciso superar-se os atuais modelos cognitivos da “ciência
dominante” – que em seu reducionismo tende a compartimentar em categorias
estanques o conhecimento, como se pode verificar na divisão rudimentar (que
seria ingênua, não fora interessada) entre ciências naturais e ciências humanas
– o que, como se sabe, sustenta o tecnicismo e alienação intelectual da
sociedade moderna capitalista.
* A primeira parte desse artigo encontra-se em:
https://revistaforum.com.br/colunistas/yurimartinsfontes/monopolio-desemprego-e-desigualdade-faces-da-crise-capitalista-i/
** Yuri Martins-Fontes
Filósofo e doutor em história econômica pela Universidade de São Paulo, pesquisa o pensamento e literatura latino-americanos, os movimentos sociais, a ética marxista e os saberes originários. Exerce atividades também como professor, escritor, tradutor e jornalista. Coordena projetos de educação popular e formação política do Núcleo Práxis da USP. É autor do livro “Marx na América: a práxis de Caio Prado e Mariátegui”, dentre outros. Desde 1999 colabora com a mídia independente; é colunista da Revista Fórum e da Agencia Latinoamericana de Información.
Notas
[*] As duas partes deste
artigo se baseiam em capítulo da seguinte investigação pós-doutoral (em vias de
publicação): MARTINS-FONTES, Yuri. “Marxismo e saberes originários: das
afinidades entre os outros saberes e a concepção histórico-dialética”. Em Relatório
Final de Pesquisa de Pós-Doutorado 2015/2017 [supervisão: professor Paulo
Eduardo Arantes]. São Paulo: Departamento de Filosofia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, junho de
2017.
[1] Destacados marxistas
trataram da relação entre crise estrutural e a questão ecológica já por volta
dos 1990 (caso de Mészáros e Postone), mas não desenvolveram o tema,
priorizando investigações sobre a crise do trabalho alienado.
[2] O’Connor, “Las
condiciones de producción por un marxismo ecológico”, em O’Connor e Alier
(orgs.), Ecología Política. Ver também: Wilson Ferreira de Oliveira, “’Maio de
68′: Mobilizações ambientalistas e sociologia ambiental”, em Mediações, v.13,
n.1-2, 2008 (Dossiê: “40 anos de Maio de 1968”).
[3] Como coloca Engels,
Marx concebeu sua teoria não como “doutrina”, mas como “método”; ver “Carta a
Werner Sombart” (11/03/1895); e G. Foladori, “Questão ambiental em Marx”, em
Crítica marxista.
[4] O’Connor, “Las
condiciones de producción por un marxismo ecológico”, obra cit.
[5] Foster, “Capitalismo y ecología: la naturaleza de la contradicción” (2002); e La ecología de Marx: materialismo y naturaleza[2000].
Edição: Página 1917.
Nenhum comentário:
Postar um comentário