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quinta-feira, 28 de maio de 2020

A Guerra Civil Declarada*

Luiz Renato Martins**


                                                                                        À memória de Chico de Oliveira

Crítica histórica radical

Para o bloco político derrotado em outubro de 2018 no Brasil (a classe trabalhadora e seus aliados), a ascensão eleitoral de um bloco político de ultradireita sublinha a necessidade urgente de medidas de autodefesa, frente a uma guerra civil de classe abertamente declarada. Também convoca a uma crítica histórica radical e de largo alcance, não menos vital para a sobrevivência política dos trabalhadores.
O golpe de 1964, os tanques nas ruas.

O regresso – numa nova chave – dos militares ao controle direto do Estado marca um câmbio no regime e nas relações de classe. Não obstante, o ciclo aberto agora apresenta alguns elementos similares aos do regime civil-militar que tomou o poder manu militari em abril de 1964, em nome do consórcio entre o capital monopolista e as Forças Armadas Brasileiras-FFAA. [i]

Do outro lado do espelho, o passado não passou

Mas como sustentar uma crítica histórica radical a fim de distinguir as classes sociais e suas frações, assim como o jogo próprio dos atores políticos? Neste caso, esta deve se fundar na crítica concreta de dois mitos ou falácias da chamada “Nova República” (1985-2018), ora finda. Crítica, pois, de mitos que se traduziram em ilusões de superação do ciclo totalitário, a saber, resumidamente, do putsch civil-militar de abril de 1964, do AI-5 (Ato Institucional 5, 13.12.1968) e dos ‘anos de chumbo’ dos governos Médici (1969-74) e Geisel (1974-79).

Vistos como opostos, os mitos falaciosos da “Nova República” alimentaram uma disputa fictícia durante mais de trinta anos. Sob tal disputa, um fundo comum foi eclipsado – o verdadeiro eixo de poder no Brasil – que agora abertamente retoma o controle direto do Estado, para surpresa dos incautos (que são muitos) e alívio do “consórcio” há muito no comando.

Efeitos paralisantes

Dois mitos em um, portanto, ou uma falácia desdobrada em duas: 1. a da celebrada “Transição” (1984-5), a “cena originária” da “Nova República”; 2. a do êxito da “política social” da “Nova República” durante os governos Lula I e II, traduzido na fórmula “lulista” de distribuição, que em seu auge (2010) obteve uma taxa de aprovação de 80%, como  bom ou ótimo governo.[ii]

O totem                                                                              

Sob as duas caras do Janus da “Nova República” há um totem: o do consórcio civil-militar que interdita a frente política entre trabalhadores e setores pequeno-burgueses. De tal frente derivaram as lutas pelas “reformas de base” e outras, antes do golpe de abril de 1964.[iii] Sob tal totem, interditou-se toda referência à autonomia política dos trabalhadores e à luta de classes. Ao peso do interdito se acrescentou outra falácia: a da modernização e desenvolvimento social através do capitalismo.

Modernização ex-machina

Ambos os mitos, a “Transição” e o “lulismo” (derivado do primeiro), atenderam à prescrição de continuidade totêmica do consórcio entre os monopólios e as FFAA, sempre reverentes aos influxos externos. Então, qual é o traço de continuidade, sob o jugo do consórcio? O culto à modernização dependente, quer dizer, devida às inversões externas. Atraí-las é um rito típico de uma casta de grandes empresários e círculos subordinados.

Em suma, teor de classe do regime e modo interno de produção se constituiram sob o amparo do estado de dependência e da associação com o capital monopolista, que são inseparáveis dos influxos externos. Assim, os preceitos totêmicos em toda a “Nova República” infundiram um teor de classe similar em todos os seus governos. O nexo fundamental daquela girou sempre em torno da “dependência associada”, quer dizer, da suposta coexistência benigna entre as economias centrais e periféricas.[iv]

Uma teoria crítica

O debate teórico sobre as relações de dependência na América Latina obteve reconhecimento internacional e é vital para a compreensão crítica da chamada “Transição”. Em sentido contrário à tese da “dependência associada”, o trabalho crítico feito no exílio pelo grupo da Teoria Marxista da Dependência (R. M. Marini, V. Bambirri, T. dos Santos e o economista alemão exilado Gunder Frank)[v] construiu uma nova série de conceitos específicos sobre dependência, como os de “superexploração” do trabalho e “subimperialismo”, originando assim uma crítica sistêmica acerca da relação desigual e combinada entre economias centrais e periféricas.[vi] Posteriormente, Marini formulou em 1978 a noção de “Estado de contrainsurgência”, na qual incluiu a função intrínseca da tutela, exercida pelas FFAA como  quarto poder do regime.[vii]

Tais construções críticas estabelecem parâmetros para um enfoque crítico da inflexão da ditadura brasileira a partir de 1972, e também do que se segue, incluindo a inflexão social da “Nova República” ou o “lulismo”. Entretanto, também é necessário confrontar tal elaboração à análise histórica dos dados atuais, para responder à pergunta posta e urgente sobre a economia, a gênese e a estrutura de classes da nova ordem atual.

De um modo ou de outro, tal indagação implica a crítica das ilusões inerentes ao estado de “dependência asociada”, que formou o ambiente falacioso dos mitos da dita “Nova República”. Em resumo, tais falácias levaram o PT a priorizar a modernização e o crescimento capitalista, seguindo o mesmo modelo e, portanto, a cultivar vínculos com o capital monopolista e os partidos da ordem.

Na prática, tais falácias naturalizaram a adoção de procedimentos e hábitos inerentes ao sistema político engendrado pela falsa “Transição”. Logo, como imaginar outro fim para o programa de alianças e objetivos que o PT se fixou, se, na Itália, o PCI, ao priorizar o crescimento econômico e se aliar ao capital monopolista, tido como modernizador, tomou o caminho que o levou à autodissolução?[viii]

Crítica histórica I: a “Transição”, face e avesso

A origem declarada do mito da “Transição” reside nas eleições para o Senado (15.11.1974), consentidas pela ditadura. A vitória do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) nessa prova deu lugar ao mito do “partido-ônibus” para a “Transição”. Porém, tal falácia servia para encobrir o trabalho de laboratório da ditadura, para o falso processo de transição, como ação preventiva. De fato, subjacentes à proclamada e celebrada versão local, influíram múltiplos fatores externos. Desde o início de 1974, Espanha e Portugal foram observados como modelo e alerta respectivamente.

No entanto, antes que tais exemplos antitéticos entrassem em cena, ocorreu a intervenção nos bastidores de um especialista em contrainsurgência. O professor Samuel Huntington, de Harvard, atuou como consultor da ditadura brasileira desde outubro de 1972, pelo menos.[ix] Portanto, o projeto de “descompressão política” do regime data de muito antes da ascensão eleitoral do MDB. [x] Tomado em seu conjunto e para além das circunstâncias, o caso interessa como índice da articulação imperialista global e da dependência “permanente”, e também por seus efeitos secundários, analisados adiante. De fato, o Brasil não foi uma exceção e Huntington foi principalmente o autor chave de uma “doutrina global de contrainsurgência” (post-1968).[xi]

“Atada y bien atada (Amarrada e bem amarrada)”

Logo, qualquer roteiro de “descompressão política”, concebido como ação preventiva, implicava também o roteiro paralelo das técnicas de contrainsurgência. A Espanha foi o caso mais notório nos anos 1970 de tal tipo de trama palaciana.[xii] Contou com a colaboração ativa de partidos eurocomunistas[xiii] e se converteu num “showcase” das técnicas de “descompressão”. Quer dizer, do processo de substituição das ditaduras militares por democracias tuteladas compatíveis com o capitalismo.

De fato, a transição espanhola mostrou-se “atada y bien atada (amarrada e bem amarrada)”, como disse o tirano.[xiv] Assim, o regime reciclado, segundo moldes dinásticos, teve suas garantias políticas e de classe, bem como seus pilares históricos preservados. Ao mesmo tempo, a “Transição” abriu espaço à modernização econômica e ao protagonismo empresarial, com pleno consentimento do PCE.[xv]

Nestes termos, a transição espanhola logo se converteu no nec plus ultra, não só político, mas também econômico, das burguesias periféricas. Parte das classes dominantes latinoamericanas, que aspiravam a novo ciclo de modernização-conservação – ou “revolução passiva”, como diria Gramsci –,[xvi] se inscreveram no novo estágio de treinamento e favores correlatos de Washington. Em consonância, no Brasil, o general Geisel, que governou de 1974 a 1979, já em seu discurso de posse (15.03.1974) apresentou a fórmula da dita “abertura política lenta, gradual e segura”, ecoando a fórmula franquista.

De fato, no Brasil, tal semente mostrou-se duradoura e frutificou para as gerações burguesas seguintes. O Centro Brasileiro de Análise e Planejamento-CEBRAP, fundado em 1969 com dotação da Fundação Ford, foi o ponto de aglutinação do think tank civil dos seguidores do modelo ibérico, sob a liderança do sociólogo Fernando Henrique Cardoso-FHC. Ideólogo da “dependência associada”, além de arauto do papel político e modernizador dos empresários, FHC começou a reproduzir em seus textos os principais argumentos da lenda espanhola.[xvii]

Com efeito, depois de alguns reveses, como a inesperada morte de Tancredo Neves (21.04.1985), sucedâneo local de Suárez, e de contratempos econômicos inerentes às economias dependentes, o Brasil adquiriu, senão um novo rei como a Espanha, ao menos uma nova moeda (por ironia involuntária ou histórica chamada “real”, em 1994), e FHC, uns meses depois, foi aclamado como presidente da república.[xviii] Além da modernização monetária e do “aperfeiçoamento constitucional” para obter a reeleição, FHC, como plenipotenciário do “consórcio”, também atualizou a economia segundo o “Consenso de Washington” (1990).

Crítica histórica II: 2003-10, o milagre social de “dar sem tirar”.

O dirigente sindical Lula, do chamado Partido dos Trabalhadores-PT, sucedeu a FHC após assegurar o cumprimento de todas as “cláusulas fixas” da falsa “Transição”, enriquecida pelas prescrições do Consenso de Washington: promover a modernização em consonância com as instituições financeiras multilaterais e respeitar dívidas e contratos firmados; manter a dependência associada do Brasil, respeitando a função chave do protagonismo empresarial; não abrir as investigações sobre os atos de terrorismo do Estado praticados pelos militares e manter a anistia aos torturadores. Foi o suficiente para que Washington reconhecesse e exaltasse a “razoabilidade” de Lula.

A partir de então, as qualidades de Lula foram aclamadas interna e externamente. Dados os estudos críticos acima, desnecessário detalhar suas políticas distributivas.[xix] Me limitarei a sublinhar que a magia efêmera de Lula (que “deu a muitos sem prejudicar a ninguém”, segundo um líder empresarial emblemático)[xx] foi de natureza exclusivamente monetária, graças à elevação temporária dos preços das commodities minerais e agroindustriais.[xxi]

De todo modo, o “milagre social brasileiro” foi enaltecido como paradigma global de multiplicação distributiva, na medida em que redistribuiu a renda, como numa distribuição de dividendos, preservando as relações de propriedade e a assimetria absoluta de poder entre as classes.

De maneira similar, a sabedoria pragmática de Lula manteve ispsis litteris ou inclusive desfrutou como um virtuose do sistema político-partidário herdado da falsa “Transição”, obtendo geralmente grandes maiorias no Congresso. De fato, Lula redistribuiu a renda em todos os níveis, incluindo outros sócios e acionistas da “Transição”.

Falsos dilemas

O novo ciclo não difere substancialmente no que tange à dependência, a não ser por evoluir segundo o novo ritmo da Casa Branca. Não obstante, a muitos surpreende que, dado o giro da roda política no Brasil, o governo de hoje inclua mais generais como ministros chave, quase uma dezena, do que todos os governos militares posteriores a 1964, sem falar na quase centena de oficiais (99, segundo contagem recente de um grande diário) de alta patente em outras funções chave.[xxii] Além disso, é preciso assinalar que, se na época dos generais (1964-85), estes eram considerados correntemente como conspiradores e usurpadores, agora regressam como “redentores”, convocados pelas votações de outubro passado. Esse é o novo “milagre brasileiro”, que importa decifrar.

Decifra-me ou te devoro

Em síntese, os elementos novos da situação surgem na inclinação dos votos que buscaram a ultradireita e lhe deram apoio eleitoral inédito.

Em contraste com o destino atual da ultradireita, a classe trabalhadora é continuamente deslegitimada, como sujeito político, e degradada pela imprensa. A justificativa para os ataques provém do colapso do PT e de seu descrédito moral, caluniosamente transferido à toda a classe. A crítica política e histórica ao PT, bem como à falsa “Transição”, de cujos lucros o partido participou, é portanto fundamental para a reconstrução da perspectiva política dos trabalhadores independentemente do PT.

Além disso, a complexidade da situação do PT, políticamente duvidosa e muito perigosa para a perspectiva dos trabalhadores, é impossível de decifrar, sem que se examine antes as razões substantivas e a cronologia do colapso político do PT como Partido da Ordem. É necessário elucidar a fraude política, social e econômica que o partido promoveu, para compreender a enorme decepção popular consecutivamente engendrada e que nutriu a ultradireita.

Decepção

Na contracorrente da maioria das análises brasileiras, o economista argentino e marxista Claudio Katz sublinhou:

“Esses trabalhadores escutaram, toleraram e finalmente aceitaram a propaganda da direita por terem sido fraudados pelo PT. Essa decepção explica a fulminante ascensão do troglodita (…) Muitas avaliações do triunfo de Bolsonaro omitem este balanço ou apresentam o PT como mera vítima dos ardis direitistas. Evitam a questão de sua responsabilidade política pelo resultado final”. [xxiii]

Com efeito, a decepção dos trabalhadores foi apropriada, tragada (manipulada digitalmente) e fundida com o reacionarismo histórico e estruturalmente antidemocrático das classes proprietárias no Brasil, tal aquele que “fabricou 1964” como um projeto histórico de classe.[xxiv]

Daí, de tal fusão, processada industrialmente, irrompeu o tufão anti-PT, que se apoderou de grandes porções da pequena burguesia. Tal fenômeno dividiu e arrastou inclusive setores que se haviam beneficiado do aumento do consumo e do crédito, propiciado pela política monetária dos governos do PT, ainda que também tenham sido afetados pela pregação evangélica e pela blitzkrieg (guerra-relâmpago) deflagrada nas redes sociais. Deste modo, não só os diminutos grupos sociais vinculados orgânicamente ao capital monopolista, mas também amplos setores das classes subalternas votaram por candidatos e partidos da ultradireita.

2013-2016: crise, colapso e declaração da guerra civil de classe

Em resumo, o colapso político do PT, por um lado, e a guerra civil de classe unilateralmente declarada, por outro, são os fenômenos decisivos que determinaram o fim do ciclo conciliatório da falsa “Transição”. Eles pesaram decisivamente no resultado político de 2018. Ambos fenômenos se configuraram como conjuntos de fatos e razões, enumerados e comentados a seguir. Entretanto, os acontecimentos que conduziram aos dois fenômenos principais (a saber, o colapso político do PT e a declaração unilateral da guerra civil de classe) tiveram lógicas, ritmos e origens diferentes, que cumpre precisar.

Mais tarde, ambos os fenômenos começaram a evoluir em interação e adquiriram, por certo, uma dinâmica mutuamente ativada, opondo-se diretamente um ao outro. Deste modo, hoje, ambos aparecem simultaneamente e na situação de polos opostos, como ocorreu, por exemplo, no segundo turno da eleição de outubro passado: por um lado, o PT, isolado e literalmente perseguido nas redes sociais por milícias eletrônicas; por outro, a ultradireita, que capitalizou a guerra civil declarada, recorrendo a armas de todo tipo, inclusive, à orquestração de mentiras em série, como fizeram os nazis, para esmagar o que ainda restava do PT.

Porém, um fenômeno precede o outro. O colapso precede a declaração de guerra. É preciso ter presente o curso dos acontecimentos, senão será impossível se entender como o bloco de ultradireita, historicamente diminuto, cresceu tanto eleitoralmente. A ultradireita, originalmente insignificante e sem nenhuma máquina partidária, deitou raízes e prosperou, com recursos de outra ordem, num campo devastado. Que campo? O das esperanças frustradas que resultaram de políticas equivocadas (senão do fraude direto e deliberado) e da hipocrisia do PT.

A ordem dos fatores

Em resumo, o colapso político do PT e depois grande parte do sentimento anti-PT daí gerado constituíram fenômenos substitutivos, nessa ordem, do falso êxito da inflexão social da “Nova República”. A ordem dos fatores, numa progressão encadeada, foi portanto: 1. a inconsistência da magia social do “lulismo”, revelada pela crise econômica e agravada posteriormente pela hipocrisia da aliança do partido com o capital monopolista; 2. o colapso político do PT; 3. o crescimento explosivo do sentimento anti-PT, muito além de seu enclave original (demograficamente restrito a certos setores das classes proprietárias), em meio aos quais subsistia um anticomunismo endêmico, agora delirantemente revigorado, uma vez que o novo presidente já irrompeu em público, umas tantas vezes, em insultos à URSS (sic)!

Em suma, o anticomunismo resiliente provém de grupos economicamente poderosos, capazes de influir sobre os responsáveis pela tomada de decisões, mas historicamente incapazes do ponto de vista eleitoral.  Como chegaram a tal crescimento explosivo é o que agora importa determinar.

Gênese de uma guerra de classe

Neste quadro, cumpre notar que no campo do grande capital se produziu uma dinâmica específica, da qual se originou a guerra civil de classe, unilateralmente declarada pelo capital monopolista. Até agora este recebe um forte apoio, mas por outras razões, da pequena e média burguesia, misturando-se então com outros fatores e variantes de classe, relativos a estes últimos estratos sociais. Porém, no começo, tal dinâmica tinha características únicas, inerentes a objetivos e necessidades estratégicas do capital monopolista.

Este último, de fato, só contra a vontade entrou em conflito com o governo e o PT, e só depois de ter tratado de preservar a associação e apoiar as políticas de austeridade propostas pelo governo de Rousseff. Assim, mesmo depois de começada a mobilização política contra Rousseff, ocorreram algumas manifestações pessoais de líderes de grandes grupos econômicos e, inclusive, da oposição, em apoio à primeira.[xxv]

Enfim, a aliança dos monopólios com o PT e o governo era duradoura e razoavelmente sólida, e se manteve bem além dos primeiros atos de ruptura das classes médias e altas, assim como das manobras parlamentares para a derrubada de Rousseff, criticadas nos editoriais de periódicos como O Globo (07.08.2015), ou por personalidades com peso na oposição.[xxvi]

Aviso de incêndio nos camarotes VIP

Na verdade, a ofensiva do capital monopolista contra os direitos das outras classes nasceu da necessidade de recompor os mecanismos de acumulação frente à crise econômica, e simultaneamente em resposta ao colapso político do PT. Assim, ambos os problemas, a crise econômica e a crise política se combinaram e se converteram em perdas imediatas e concretas para o capital monopolista, já que causaram forte redução dos fluxos financeiros e dos contratos governamentais. De fato, durante dez anos, de 2003 a 2013, o governo do PT se associou de muitas maneiras ao capital monopolista, favorecendo-o decisivamente mediante financiamentos, contratos e isenções fiscais, etc., alegando fomentar o crescimento econômico.
Saídas de emergência para os monopólios

Ante o desmoronamento do governo e do poder do PT no Congresso (adiante discutidos), o capital monopolista fez o que se faz frequentemente no mundo dos negócios: atirou ao mar o sócio arruinado e partiu à cata de butins, mirando em primeiro lugar, é claro, o Estado. Trocando em miúdos, escolheu apoderar-se dos ativos das empresas estatais e dos fundos públicos destinados aos serviços sociais (educação, saúde, habitação, seguridade social, bolsa-família, etc.) que, mesmo sendo precários como prestações sociais, constituem fundos suficientemente importantes para modificar os balancetes de grupos transnacionais em crise.

Causa mortis: a política, não as armas

Entretanto, o atual assalto da direita ao poder é muito diferente do que ocorreu em 1964. Agora, as razões endógenas preponderaram sobre as exógenas, de modo inverso ao que ocorreu no paradigma principal anterior.

Assim, para elucidar o teor do “golpe de classe”, o livro de Dreifuss  citado antes[xxvii] investigou detalhadamente o amplo espectro das atividades preparatórias do golpe de abril de 1964, promovidas por organizações como o IPES e o IBAD, irrigadas pelo capital monopolista. Decerto, deve-se levar a cabo investigação similar sobre a atual guerra de classe, em cujo curso ocorreu também uma multiplicação de institutos – nascidos como cogumelos –, para popularizar a doutrina neoliberal, assim como durante a crise política pipocaram várias milícias juvenis para a agitação política de ultradireita.[xxviii]

Porém, nem os cogumelos neoliberais nem as milícias juvenis (fenômenos limitados à esfera dos diferentes estratos da burguesía) causaram o colapso do PT. É fato que o cerco ao PT foi concebido tal e qual um golpe de classe. Mas a queda do PT do governo não foi fundamentalmente consequência de fatores exógenos, como ocorreu com o governo de Goulart no Brasil em 1964 e o de Allende no Chile em 1973, ambos derrubados por golpes militares diante da ausência de tropas leais e armas, suficientes para defender o governo.

Desta vez, pelo contrário, a incapacidade do PT para se defender do golpe de classe tem raízes endógenas e características inegáveis de crise e colapso político. O capítulo da  queda de Rousseff foi muito bem resumido pelo economista da UNICAMP Plínio Sampaio Jr, [xxix] exponente da ala esquerda do PSOL:

“Depois de negar todas suas promessas eleitorais, Dilma começou a terceirizar seu próprio governo. Não podemos esquecer que Temer chegou a exercer a função de principal articulador político de Dilma. Ela terceirizou a tal ponto o governo que se tornou supérflua. Saiu com um peteleco. Dilma é vítima do golpe dado por ela mesma na classe trabalhadora, o que esvaziou o seu governo, criando um vácuo de poder que esses delinquentes liderados por Eduardo Cunha e Temer ocuparam”.[xxx]

Se não se entende isto, tampouco se entenderá a subsequente ascensão eleitoral da ultradireita. Em resumo, a debilidade política do governo de Rousseff e, na sua esteira, o enfraquecimento eleitoral relativo do PT, nas eleições de 2016 e 2018, provieram sempre da degradação crescente e desconexão, em consequência, do partido com seu eleitorado e suas bases de apoio organizadas. Posteriormente, tal fenômeno se estendeu e acometeu outras classes. É preciso, pois, retornar a junho de 2013, para distinguir a eclosão epidêmica de tais sintomas.


*   Fonte: https://aterraeredonda.com.br/a-guerra-civil-declarada/#_edn20

** Luiz Renato Martins, professor da ECA-USP.


Notas

[i]Sobre o caráter de classe do golpe de 1964, ver a obra “clássica” de René A. Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado, Petrópolis, Vozes, 1981 (originalmente, idem, State, Class and the Organic Elite: the Formation of an Entrepreneurial Order in Brazil 1961-1965, PhD thesis, Glasgow, University of Glasgow, 1980).

[ii] Sobre a falácia da distribuição em questão, bem como da política de dependência econômica que a sustentou, ver Pierre SALAMA, ‘Reprimarización sin industrialización, una crisis estructural en Brasil’, en Herramienta, revista de debate y crítica marxista, disponível em <https://herramienta.com.ar/articulo.php?id=2567>; Rolando ASTARITA, ‘Brasil: la economía del PT’, en Sin Permiso, disponível em <http://www.sinpermiso.info/textos/brasil-la-economia-del-pt>; <https://rolandoastarita.blog/2018/04/12/brasil-la-economia-del-pt/>. Ver também Plínio de Arruda SAMPAIO Jr., Crônica de uma Crise Anunciada: Crítica à Economia Política de Lula e Dilma, São Paulo, SG-Amarante Editorial, 2017.

[iii] Ver Luiz Alberto Moniz BANDEIRA, O Governo João Goulart: as Lutas Sociais no Brasil, 1961-1964, 7 a. ed., rev. e ampliada, Rio de Janeiro, Revan/ Brasília, UnB, 2001.

[iv] Ver Fernando Henrique CARDOSO e Enzo FALETTO, Dependência e Desenvolvimento na América Latina: Ensaios de Interpretação Sociológica [1970], 3a. ed., Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975.

[v] Para documentos sobre o confronto direto entre as duas correntes, ver F. H. CARDOSO; José SERRA, ‘Las Desventuras de la Dialéctica de la Dependencia’, in Revista Mexicana de Sociología, vol. 40, número extraordinário, Cidade do México, UNAM, 1978, pp. 9-55. Para a resposta de Marini nesse momento, ver R. M. MARINI, ‘Las Razones del Neodesarrollismo (Respuesta a F.H. Cardoso y J. Serra)’, in Revista Mexicana de Sociología, vol. 40, número extraordinário, Cidade do México, Facultad de Ciencias Políticas y Sociales, UNAM, 1978, pp. 57-106, disponível em <http://www.marini-escritos.unam.mx/056_neodesarrollismo.html>. Para um resumo atual da questão, ver Claudio KATZ, La Teoría de la Dependencia, Cincuenta Años Después, Buenos Aires, Batalla de Ideas, 2018.

[vi] Seu impacto crítico alcançou o pensamento de vários outros economistas e sociólogos: o egípcio Samir Amin, o italiano Giovanni Arrighi, o norteamericano I. Wallerstein, etc. Não obstante, nunca se permitiu que tal teoria, elaborada no exílio (Chile e México, básicamente), circulasse efetivamente nas universidades brasileiras.

[vii] Esta formulação data do momento em que o novo marco global levou Washington a propor um ciclo de mudanças modernizadoras no conjunto das ditaduras militares latinoamericanas.  Ver R. M. MARINI, ‘El Estado de Contrainsurgência’, in Cuadernos Políticos, n. 18, Mexico D.F., Ediciones Era, oct.-dec. 1978, pp. 21-29; disponível em <http://www.marini-escritos.unam.mx/055_estado_contrainsurgencia.html>.

[viii] Ver Ernest MANDEL, ‘Le P. C. italien apôtre de l´austerité’, in Critique de l´Eurocommunisme, Paris, Maspero, 1978, pp. 236-68.

[ix] Ver Thomas E. SKIDMORE, “Chapter VI: Geisel: Toward Abertura”, especialmente pp. 165 e seguintes, in idem, The Politics of Military Rule in Brazil: 1964-1985, New York, Oxford University Press, 1988, pp. 160-209.

[x] Ver Samuel HUNTINGTON, “Approaches to political decompression”, 1973, disponível em: http://arquivosdaditadura.com.br/documento/galeria/receita-samuel-huntington#pagina-1. Ver também sobre o governo seguinte, idem, “Carta ao General Golbery do Couto e Silva [Letter to the General….]”, 28.02.1974, disponível em: http://arquivosdaditadura.com.br/documento/galeria/receita-samuel-huntington#pagina-17>. Mais tarde, como assessor da administração Carter, Huntington jactou-se do papel exercido no Brasil. Ver idem, American Political Science Review [1988], Cambridge, Cambridge University Press, vol. 82(01), March, pp. 3-10.

[xi]  Ver Michel J. CROZIER; Samuel P. HUNTINGTON; Joji WATANUKI, The Crisis of Democracy: Report on the Governability of Democracies to the Trilateral Commission, New York, New York University Press, 1975. Doutor em transições controladas, Huntington também assessorou o governo sul-africano durante o período da “descompressão” do regime do apartheid.

[xii] O novelista valenciano Rafael Chirbes, uma das vozes mais autorizadas sobre o período, resumiu desta maneira a conspiração da chamada “Transição”: “Franco morreu na cama e os partidos espanhois da Transição foram montados a partir do exterior: agentes externos e dinheiro externo. Não foram o resultado de uma onda democrática envolvente provocada pelas ansiedades do povo espanhol”. Ver R. CHIRBES, ‘Franco se murió en la cama y los partidos de la transición los montaron desde el exterior. Entrevista’, in Mundo Obrero, 24 de abril de 2013, disponível em: <http://www.sinpermiso.info/textos/franco-se-muri-en-la-cama-y-los-partidos-de-la-transicin-los-montaron-desde-el-exterior-entrevista>; ver também a reportagem investigativa de Gregorio Morán e Antonio Yelo, “Los padres de la Transición eran absolutamente impresentables. Entrevista”, in Jot Down, dez. 2013, disponível em:  <http://www.sinpermiso.info/sites/default/files/textos//7moran.pdf>; ver também o testemunho do ex-secretário-geral do PCE (1982-8), o operário-mineiro Gerardo Iglesias, membro do Comitê Central do PCE durante as negociações, a Álvaro Corazón Rural, “Estamos marchando a pasos agigantados a la frontera de lo que fue el franquismo. Entrevista”, in Jot Down, dec. 2013, disponível em <http://www.sinpermiso.info/sites/default/files/textos//Gerardo_Iglesias.pdf>, accessed in 29.12.2013.

[xiii] Sobre a colaboração dos partidos eurocomunistas para a reorganização capitalista da economia, ver André Gunder FRANK, “Crisis económica, Tercer Mundo y 1984”, in idem, Reflexiones sobre la Crisis Económica, trad. Angels Martínez Castells et. al., Barcelona, Editorial Anagrama, 1977, pp. 57-8.

[xiv] “1969 Discurso de Navidad de Francisco Franco: Todo Está Atado y Bien Atado. Rey Juan Carlos”, vídeo Retroclips, 1969/2014, 0’59”, disponível em <www.youtube.com/watch?v=bUfI18rCZPM>. Para a benção de Nixon e Kissinger à designação do herdeiro franquista, ver “1970 Richard Nixon Visita a Franco”, Retroclips, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yR9K97tdoXg>. Para a benção de Gerald Ford e a segunda benção de Kissinger, ver “Visita de Gerald Ford a la España de Franco. Año 1973”, in Taliván Hortográfico, disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Nk6g2-I_Sms>.

[xv]  Sobre a convocatória dirigida à “reconciliação nacional” e endereçada ao “setor empresarial, protagonista da nova sociedade industrial (….)”, proposta pela Junta Democrática, frente supranacional liderada pelo PCE, ver o documento apresentado oficialmente pelo secretário-geral Santiago Carrillo e pelo intelectual católico vinculado ao Opus Dei, Rafael Calvo Serer, em Paris (29.07.1974). Vários outros partidos e personalidades se incorporaram posteriormente como cossignatarios.  Ver Vv. Aa., Declaración de la Junta Democrática de España, disponível em <http://www.filosofia.org/his/1974jde.htm>.

[xvi] Ver Peter THOMAS, “Modernity as ‘passive revolution’: Gramsci and the Fundamental Concepts of Historical Materialism”, in Journal of the Canadian Historical Association/ Revue de la Société Historique du Canada, vol. 17, n° 2, 2006, pp. 61-78, disponível em URL: <http://id.erudit.org/iderudit/016590ar>; DOI: 10.7202/016590ar.

[xvii] Compare-se, em particular, o documento da Junta antes citado e o primeiro capítulo do livro de 1975, de Cardoso, no qual o autor também se empenha em desqualificar teses e autores da teoria marxista da dependência. Ver F. H. CARDOSO, “As novas teses equivocadas”, in idem, Autoritarismo e Democratização, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975. Para um resumo dos pontos de tangência entre os textos de Cardoso e o documento da Junta, ver Luiz Renato MARTINS, “International Benefit Society of Friends of Form and Bulletin on the Brazilian Division”, in The Long Roots of Formalism in Brazil, Chicago, Haymarket, 2019, pp. 268-71. Sobre o papel de Cardoso como articulador intelectual, estabelecendo as forças políticas que deveriam ser excluídas da negociação, ver as páginas anteriores in idem, pp. 266-68.

[xviii] De fato, depois de haver demonstrado que conhecia o caminho das pedras, FHC foi eleito presidente da república ano final de 1994, após haver deflagrado, meses antes, o Plano Real, uma espécie de versão local da reforma monetária da União Europeia, segundo opção análoga à que defendeu na política, adaptando os argumentos da transição espanhola ao contexto brasileiro.  Quanto às similitudes de procedimiento entre o Plano Real e a aplicação do euro, ver L. R. MARTINS, op. cit., pp. 261-64.

[xix] Ver nota de rodapé 2.

[xx] Ver o testemunho de Emílio Odebrecht no vídeo “PET 6664 – Emílio Odebrecht Fala de Lula, um ‘Bon Vivant‘, Segundo Golbery do Couto e Silva”, disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=zJfkLOwJeOQ>. Odebrecht, ademais, afirmou no testemunho referido que colaborou com várias sugestões para a elaboração, durante a campanha eleitoral de 2002, da “Carta aos brasileiros” (22.06.2002). Por “brasileiros”, a carta se referia aos protagonistas dos grupos monopolistas, entre eles Odebrecht. Ver Luiz Inácio Lula da SILVA, “Carta ao Povo Brasileiro”, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u33908.shtml.

[xxi] Para mais detalhes, ver nota de rodapé 2.

[xxii] Nomeações adicionais de almirantes estavam previstas futuramente, segundo O Estado de São Paulo (03.03.2019).

[xxiii] Ver Claudio KATZ, ‘¿Cuáles son las lecciones para la izquierda?’ (último tópico) en idem ‘Interrogantes de la Era Bolsonaro’ [17.11.2018], em La Haine (sitio web), disponível em <https://katz.lahaine.org/b2-img/INTERROGANTESDELAERABOLSONARO.pdf>.

[xxiv] Ver nota 1.

[xxv] Ver, por exemplo, Rubens OMETTO (Cosan), ‘Dilma mudou muito, e empresário tem que segurar ansiedade, diz Ometto’, in Folha de São Paulo, disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/07/1649969-dilma-mudou-muito-e-empresario-tem-que-segurar-ansiedade-diz-ometto.shtml>; idem, ‘Dono da Cosan diz que é preciso reconhecer méritos de Dilma’, in Valor Econômico, 22.07.2015, disponível em <https://www.valor.com.br/politica/4145358/dono-da-cosan-diz-que-e-preciso-reconhecer-meritos-de-dilma>; Roberto SETÚBAL (Itaú Unibanco), ‘Não há motivos para tirar Dilma do cargo, diz presidente do Itaú Unibanco’, in Folha de São Paulo, 23.08.2015, disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/08/1672332-nao-ha-motivos-para-tirar-dilma-do-cargo-diz-presidente-do-itau-unibanco.shtml>; Sérgio RIAL (Santander), ‘Governo ainda pode recuperar confiança, diz presidente do Santander’, in Folha de São Paulo, 10.04.2016, disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/04/1759345-governo-ainda-pode-recuperar-confianca-diz-presidente-do-santander.shtml>.

[xxvi] Ver, por exemplo, Fernando Henrique CARDOSO, “FHC diz que impeachment de Dilma ‘não adianta nada’ ”, in O Estado de São Paulo, 09.03.2015, disponível em <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,fhc-diz-que-impeachment-de-dilma-nao-adianta-nada,1647485>; O GLOBO, “Manipulação do Congresso ultrapassa limites” (editorial), in O Globo, 07.08.2015, disponível em <https://oglobo.globo.com/opiniao/manipulacao-do-congresso-ultrapassa-limites-17109534>; Delfim NETTO, “Delfim defende Dilma de impeachment, mas critica atuação da presidente”, in Valor Econômico, 26.10.2015, disponível em <https://www.valor.com.br/politica/4286722/delfim-defende-dilma-de-impeachment-mas-critica-atuacao-da-presidente>.

[xxvii] Ver nota de rodapé 1.

[xxviii] Ver Angela ALONSO, ‘2019 Não Será Mera Reedição de 1964’, en Folha de São Paulo, 30.12.2018, disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/angela-alonso/2018/12/2019-nao-sera-mera-reedicao-de-1964.shtml>.

[xxix] O PSOL, nascido en junho de 2004 e formado basicamente por deputados, é uma dissidência parlamentar do PT, constituída quando o primeiro governo Lula enviou ao Congresso um conjunto de reformas neoliberais.

[xxx] Ver P. de A. SAMPAIO Jr., ‘Para Economista, PT Falhou ao Não Enfrentar Problemas Estruturais’, entrevista a Luis Sagimoto, 02.06.2017, Jornal da Unicamp, p. 5/9, disponível em <https://www.unicamp.br/unicamp/index.php/ju/noticias/2017/06/02/para-economista-pt-falhou-ao-nao-enfrentar-problemas-estruturais>.



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