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domingo, 10 de maio de 2020

Para onde vai a China?*

Artigo publicado em Política Operária, 2007.


Francisco Martins Rodrigues**

   O n° 78 da revista Études Marxistes, do Partido do Trabalho da Bélgica, é inteiramente preenchido com um bem documentado artigo intitulado “O desenvolvimento do socialismo na China”. Como o título já deixa perceber, o balanço do autor é francamente otimista. Acha que o “socialismo” está a avançar na China e que o PC Chinês continua “fiel” ao marxismo.
Protesto de operárias na China, em 2012.
   Porquê? Pela razão que deixa embevecidos todos os progressistas distraídos — o crescimento fenomenal da China, o avanço por saltos na economia, no nível de vida, na saúde, no ensino. Mas isso, só por si, não prova nada quanto a socialismo. Há três quartos de século também os progressistas, espantados perante a cavalgada da industrialização e da mecanização agrícola na União Soviética, esqueciam-se de perguntar quem estava no poder. Para o senso comum, a equação governo “comunista” + nacionalizações + desenvolvimento econômico = socialismo parece indiscutível. Só que há ainda o outro fator a ter em conta: qual a classe que realmente exerce o poder?***

   A verdade é que eles não querem saber desse pormenor da ditadura do proletariado inexistente. Não há sinais de poder das massas e há muitos sinais de poder dos capitalistas na China? O partido comunista está penetrado pelo espírito do negócio e do lucro? A propaganda sobre a “harmonia social” não consegue disfarçar as contradições de classe que crescem exponencialmente? Não faz mal. Pois não é o próprio PCC que reconhece estar ainda na “primeira fase do socialismo”? Logo, está tudo justificado.

   Como, apesar de tudo, não se pode ignorar as realidades brutais da sociedade chinesa, o autor do artigo lamenta, com ingenuidade postiça: “Porque permite o PCC que se desenvolva um importante sector privado, chinês e multinacional? Não se corre o risco de esvaziar pouco a pouco o socialismo da sua substância?” O “risco” de “esvaziar pouco a pouco o socialismo”... Boa piada!

   O crescimento da China é positivo no equilíbrio de forças mundial porque pode neutralizar a agressividade do imperialismo americano. Ao povo chinês, ao povo dos EUA, aos povos de todo o mundo, convém que o regime chinês se oponha ao imperialismo. Mas só um marxismo de meia tigela confunde isto com socialismo.

   Apetece recordar a advertência de Mao em Maio de 1966:Os representantes da burguesia que se infiltraram no Partido Comunista negam a necessidade da ditadura do proletariado contra a burguesia. São servidores leais da burguesia e do imperialismo. Esforçam-se por manter a ideologia burguesa de opressão e exploração do proletariado. São um bando de contra-revolucionários que estão contra o Partido Comunista e o povo. Os representantes da burguesia que se infiltraram no partido, no governo, no exército e nos setores culturais são um bando de revisionistas contra-revolucionários. Se lhes dermos ocasião, transformarão a ditadura do proletariado em ditadura da burguesia. A luta deles contra nós é uma luta de morte. Por isso a nossa luta contra eles deve ser também uma luta de morte.”

   O comité central esclareceu depois que isto era um exagero e que havia apenas “pontos de vista diferentes sobre a maneira de construir o socialismo”. Como se viu.

* Fonte:  https://anabarradas.com/   
             
** Militante revolucionário, de longa data, foi membro do CC do Partido Comunista Português e viria a romper com o seu reformismo por altura da polêmica sino-soviética, fundando a FAP e o CMLP, a primeira organização marxista-leninista portuguesa. Foi o primeiro a introduzir em Portugal de uma forma organizada as lições da revolução chinesa e o exemplo de Mao Tsétung. Preso várias vezes e barbaramente torturado pela PIDE, manteve-se ao longo de toda a sua vida do lado da Revolução e empenhado na organização de uma corrente comunista revolucionária. O 25 de Abril de 1974 apanhou o camarada "Chico" na prisão e os militares "democratas" do MFA tentaram mantê-lo preso. Só a forte vontade popular e grandes manifestações à porta da prisão o conseguiram libertar. A partir de 1985 e até morrer em 2008 foi diretor da revista "Política Operária", que também fundou.
É em nome da pureza do papel do operariado que, em 1984, abandona o PCP (R) e a UDP, acusando os outros dirigentes de cedências à pequena burguesia. Escreve então o livro "Anti-Dimitrov. 1935-1985 meio-século de derrotas da Revolução" (1985), onde sistematiza a sua crítica ao dimitrovismo, ao estalinismo e ao maoismo. Funda a "Política Operária", a sua última revista, que manteve praticamente até à morte.

*** Todos os grifos são nossos, Página 1917.










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