Nildo Ouriques*
10/06/2024
"A crença nas virtudes da administração democrática da ordem burguesa alimentada pelo liberalismo de esquerda sob condução de Lula e o PT nada tem de ingênua. É expressão dos interesses da classe dominante até onde for possível manter a constituição e a liturgia republicana antes da explosão social e do protesto anárquico das classes populares."
O Estado é o comitê de negócios da burguesia, afirmou Marx em 1848. A despeito da autoridade, a verdade é que a sentença nunca gozou de plena aceitação no movimento comunista. Na Europa, não faltaram intelectuais, movimentos e partidos que muito rapidamente descartassem tanto as certezas quanto a crítica certeira de Marx e assumissem sem qualquer inibição a luta no interior do Estado não somente porque era possível, mas, sobretudo, porque seria necessário.
O revisionismo teórico ganhou força política quando alguns socialistas contestaram as teorias de Marx logo após a morte de Engels em 1896. O mais famoso deles - desde logo não único - foi Eduard Bernstein quem atacou frontalmente a perspectiva anunciada pelos fundadores do socialismo revolucionário ao indicar que o capitalismo abria possibilidades imensas a todas as classes (Las premisas del socialismo y las tareas de la socialdemocracia). O ataque revisionista obviamente não poupou elogios a Marx mas indicou que sua imensa contribuição teórica foi possível apesar de Hegel. Um pouco mais tarde (1896-97) em polêmica com Kaustky, Rosa Luxemburgo e outros socialistas, Bernstein sapecou: "para mim, o que comumente se chama objetivo final do socialismo não é nada, e o movimento é tudo". Astuto, Bernstein afirmava que seu revisionismo não era anti-marxista mas, ao contrário, apenas um esforço para erradicar os resíduos utópicos que julgava existirem na teoria de Marx e na dialética hegeliana em favor da "ideia de desenvolvimento" ou o conceito de evolução.
O conto é longo mas recordei essa polêmica a propósito da “securitização” da dívida promovida pelo governo Lula, que, obviamente, não ganhou os noticiários e, sintomaticamente, nem mesmo a atenção do espírito crítico do petismo ou da bancada do PSOL em suas redes digitais. O silêncio sobre esse assalto ao Estado praticado à luz do dia merece reflexão. A cobrança de impostos sobre "blusinhas" e as privatizações das praias ocuparam a atenção de todos nesse campeonato infinito de pequenas causas.
Na virada do século XX, a linha política dos partidos políticos socialistas e comunistas europeus jamais abandonou Bernstein a despeito da linguagem ancorada em citações de Marx ou Engels e não poucos elogios a Lenin. É fácil observar que para aqueles partidos outrora portadores de milhões de votos, a Revolução Russa teria sido uma espécie de acidente da História não apenas irrepetível mas também indesejável, especialmente nociva quando considerada na perspectiva de "assalto ao poder" e vã tentativa de extinguir o Estado. Os novos profetas afirmavam que o Estado capitalista conferia possibilidade de luta no seu interior e o progresso burguês permitiria distribuir os frutos da produtividade do trabalho entre todas as classes ainda que de maneira desigual. Na linguagem vulgar dos economistas e sociólogos, um jogo de ganha-ganha.
Na periferia capitalista a aceitação das teses europeias originadas no revisionismo da socialdemocracia alemã aterrissaram suavemente, a despeito da dura realidade das maiorias. Nos países subdesenvolvidos e dependentes, o Estado, ao contrário do caráter "democrático" verificado na Suécia, Alemanha ou França, não somente era um comitê de negócios da burguesia mas se constituía também num gendarme contra a menor rebeldia das classes populares. A realidade revelou que a disputa no interior do Estado era não somente adversa, mas, de fato, muito dura e, no limite, impossível. A classe trabalhadora conseguia a duras penas assegurar por algum tempo algumas conquistas e, na maioria dos países e épocas, tinha na prática de proteger-se da ofensiva estatal geralmente violenta organizada pelas frações de classe da burguesia.
Ora, como reza o bordão popular, na periferia a vida é bem mais dura. A dependência e o subdesenvolvimento alteram profundamente a função do Estado responsável pela captura do excedente compartilhado entre a acumulação nacional e as transferências para o exterior. O exclusivismo de classe no controle do Estado é indisfarçável e particularmente agudo nos tempos de crise. No Brasil, a esquerda liberal evitou a abordagem crítica e sepultou a reflexão sobre a dependência e o subdesenvolvimento em nome da "crítica" ao "neoliberalismo", uma expressão da melancolia desenvolvimentista mesmo quando a dependência econômica, científica, tecnológica e cultural assumiu feições e conteúdo nunca antes vista.
A consciência burguesa possível na periferia capitalista defendia a industrialização como saída para os terríveis problemas do subdesenvolvimento. Agora, nem isso. O desenvolvimento capitalista assumiu sua forma rentística e o mercado mundial cancelou para sempre a possibilidade de um novo ciclo de acumulação industrial na periferia latino-americana. A Ásia comanda o processo em escala mundial ocupando o lugar que América Latina sustentou na segunda metade do século XX.
Os "marxistas" na atualidade buscam antes que explicações, justificativas ao anunciar a "acumulação por espoliação", a retomada da "acumulação primitiva" e outras quinquilharias ideológicas, todas destinadas a ocultar a diferença específica de nossa terrível situação. Na mesma toada, os liberais de esquerda invocam as possibilidades do "sul global" contra o "norte global" para evitar a análise do imperialismo. Os artifícios abundam e a impotência analítica fortalece a paralisia política das classes subalternas sob hegemonia burguesa em governos da esquerda liberal.
No Brasil, a força do desenvolvimento capitalista rentístico, combina a superexploração da força de trabalho e o assalto permanente ao Estado sob múltiplas formas de maneira sistemática. O Estado, deixou de ser uma arena possível e necessária de disputa como queriam, entre outros, Carlos Nelson Coutinho. E a disputa pelo "fundo público" na pobre formulação de Francisco de Oliveira é menos que uma ideologia legitimadora para a luta nos marcos da ordem burguesa: é o refúgio da impotência. O assalto ao Estado é uma necessidade da acumulação rentística que possui na dívida pública um instrumento valioso para a acumulação capitalista na periferia em sua fase rentística.
Os keynesianos, esmerados na arte de ocultar a incapacidade da burguesia industrial em dar um rumo desenvolvimentista para o país, evitam o tema da eutanásia do rentista, tal como recomendou seu guru Keynes. A respeito, a maioria dos economistas e comentadores da esquerda liberal sempre descartou a auditoria da dívida interna porque apostavam na capacidade de modelar a dívida pelo controle da taxa de juros. A realidade é cruel. Agora, todos os dias podemos ver alguém bradar na tribuna pública a indignação destinada a criticar a taxa de juros como um obstáculo aparentemente irracional diante da necessidade de "crescimento da economia brasileira". Entretanto, o rentismo não dá folga e dobra a aposta governo após governo. Não se trata, de fato, de algo conjuntural; ao contrário, as taxas de juros representam precisamente a racionalidade dos capitalistas numa fase do sistema em que o capital produtivo nacional ou multinacional aqui instalado não pode competir com o progresso burguês asiático baseado em elevadas e constantes taxas de produtividade do trabalho e mercados imensos. Em consequência, o assalto ao Estado é uma alternativa racional, uma consequência necessária para a manutenção da ordem burguesa e a reprodução ampliada do capital sob controle da fração financeira.
A crença nas virtudes da administração democrática da ordem burguesa alimentada pelo liberalismo de esquerda sob condução de Lula e o PT nada tem de ingênua. É expressão dos interesses da classe dominante até onde for possível manter a constituição e a liturgia republicana antes da explosão social e do protesto anárquico das classes populares. Nessa semana o parlamento (um verdadeiro covil de ladrões) aprovou pela via rápida e silenciosa a securitização da dívida - algo que nem mesmo Bolsonaro tentou mas Lula não vacilou em impulsionar - fato que demonstra de maneira cristalina a decisão do governo petucano em avançar com propósito no esvaziamento da direita liberal e da ultra direita de extração protofascista, realizando cada uma das "reformas" das frações do capital responsáveis pela superexploração da força de trabalho e da política social de caráter filantrópico em curso, única possível nos marcos da política de austeridade orientada pelo teto de gastos.
Ainda assim, a adoção do programa ultra liberal, antes de fortalecer as bases eleitorais da esquerda liberal e ampliar a sustentação social do governo, não será capaz de conter a dinâmica em curso orientada pela lógica de situações extremas em que o povo sempre perde e a classe dominante ganha todas. A ideologia do "ganha-ganha" - uma quinquilharia ideológica útil para os acadêmicos e a burguesia - não resiste ao menor movimento da conjuntura. De resto, quando e se necessário, a direita não vacilará na implantação de uma modalidade qualquer de estado policial com as terríveis técnicas de terrorismo de estado conhecidas nos ciclos das ditaduras latino-americanas.
Nessa semana, o parlamento aprovou o antigo projeto do senador tucano José Serra (PLP 459/2017) que estabelece a securitização da dívida. A decisão não surpreendeu apenas pela rapidez da tramitação mas também pela retumbante vitória da proposta tucana com 384 votos favoráveis e apenas 59 contra. O texto está agora sob a mesa de Lula para sanção presidencial. Ora, nem mesmo os ingênuos poderão bradar "veta, Lula!" diante do apoio massivo que o partido do presidente (PT) deu ao assalto ao Estado!
A matéria é de inteiro interesse do governo e das frações financeiras versadas no assalto ao Estado por múltiplas vias (privatizações, política cambial, monetária e especialmente fiscal, controle da Petrobrás, etc). Os apologéticos de Lula, de maneira bem discreta, indicaram a racionalidade da medida uma vez que os créditos estatais agora securitizados eram de "cobrança impossível" nos marcos do sistema fiscal dominante, razão pela qual a entrega de "créditos podres" pode ser um bom negócio... para todos! Ora, seria apenas uma curiosidade ver desenvolvimentistas manifestarem ceticismo sobre a capacidade de arrecadação do Estado não fosse manifestação de cinismo e miséria política o desprezo com que esse enorme assalto ao Estado é realizado à luz do dia. O apoio governamental representa um contraste eloquente diante das ações que o liberal Haddad - sob orientação de Lula - comanda para arrochar o salário dos funcionários públicos, avançar de maneira acelerada para suprimir o mínimo constitucional em saúde e educação, manter o grosso da carga tributária no lombo dos trabalhadores e promover isenções de todo tipo para os grandes capitalistas.
A Confederação Nacional dos Municípios - a representação dos pedintes e falidos diante do governo central - comemorou a conquista de olho na promessa: contas alegres indicam que a tacada implica exercer controle sobre 5 trilhões de reais! A lei prevê a criação de uma "sociedade de propósito específico" (SPE) destinada a salvar os municípios da falência pela via do assalto aos impostos! Uma beleza! A aprovação de semelhante entidade em Belo Horizonte em 2010/2011 ganhou destaque mas não era um caso excepcional; antes dos mineiros, goianos e cariocas já caminhavam na mesma direção. Agora, os nobres parlamentares, conscientes da responsabilidade social, decidiram que 50% da operação será destinada a financiar a... previdência social! Tudo ocorre como se os impostos fossem, de fato, "créditos podres" e não fluxo líquido corrente que ficará nas mãos de empresas privadas.
Lula, sujeito descolado na vã promessa, anunciou na Marcha dos Prefeitos (21 de maio) que a aprovação do projeto poderia render até 180 bilhões de reais aos municípios. Ora, segundos os cálculos dos prefeitos, divulgados pela Auditoria Cidadã da Dívida, as prefeituras devem à previdência social aproximadamente R$ 248 bilhões e 81% dos 2.180 municípios com regime próprio possuem pesados débitos com a previdência social que tocariam na casa dos R$ 312 bilhões! Bueno, então fica combinado: o prefeito - futuro deputado - não recolhe a previdência, acumula débitos considerados ideologicamente de impossível cobrança e, em consequência, para "solucionar" o problema, cria uma sociedade destinada a cobrar os débitos que na medida de 50% serão destinados a cobrir gastos com a... previdência! Não é genial?
A campanha pela Auditoria Cidadã da Dívida alertou os nobres deputados e senadores sobre o projeto de lei "eivado de obscuridades, redigido de forma cifrada, ininteligível e sem a devida clareza acerca de seu verdadeiro objetivo referente à realização de operação de crédito ilegal, o desvio do fluxo de arrecadação tributária e geração de prejuízos aos cofres públicos com danos irreparáveis às gerações atuais e futuras". Ademais, alegou que há previsível risco pois o "projeto propicia a realização de operação de crédito ilegal, o desvio de arrecadação tributária e, adicionalmente, prejuízos aos cofres públicos e às gerações atuais e futuras". O esforço da ACD foi, obviamente, em vão entre outra razões porque é muito difícil convencer alguém que está sendo pago para não ser convencido.
O mega assalto ao Estado não ganhou as manchetes nem qualquer atenção da esquerda liberal. O governo manteve a mais absoluta discrição, a imprensa calou, os partidos silenciaram, as redes digitais (instagram e twitter) dos nobres deputados e senadores estavam ocupados com "coisas mais importantes" como, por exemplo, o "imposto sobre as blusinhas" made in China. Inclusive os deputados do PSOL - que votaram acertadamente contra o mega-roubo - mantiveram escrupuloso e absoluto silêncio sobre essa questão estratégica! Nessa semana, o PSOL e seus deputados registraram muitos eventos: a hospitalização da deputada Luiza Erundina, a exuberância da parada LGBT em São Paulo, a rusga entre dois influencers no covil de ladrões (André Janones e Nikolas Ferreira) entre outras preciosidades. Nada, absolutamente nada sobre esse mega assalto ao Estado! Nem na página do Partido figura uma notícia e menos ainda a análise sobre as terríveis consequências para o Estado e o futuro das santificadas políticas públicas que dizem defender. A propósito, no dia 28/05, parlamentares do PSOL promoveram uma audiência pública mas sintomaticamente o evento não ganhou espaço nem na propaganda dos mandatos e menos ainda na página do Partido! Como explicar tal omissão senão como expressão da cumplicidade com o governo Lula?
A direita liberal organizada no Partido Liberal (PL) e o União cerraram fileiras contra o projeto. Ademais, alguns deputados do PDT e do MDB, também negaram apoio à fração financeira: míseros 59 votos. Uma vez mais Lula consegue folgada maioria para atender os interesses da fração financeira que seu governo sustenta. Quem disse que a minoria no parlamento é um obstáculo ao governo?
Na esquerda liberal existem aqueles que figuram tão somente na triste condição de "espírito crítico" do petismo. Na prática, é uma forma de apoiar Lula, seu governo entreguista e rentista exibindo algum "escrúpulo". Alegam que se trata de um "governo em disputa". Ademais, recordam que a prioridade nacional é manter a luta contra o "neofascismo", razão pela qual a criação de uma radical oposição de esquerda terminaria (!) apoiando involuntariamente a direita. Além da miséria política e moral, a verdade é que a defesa do governo é cada dia mais cínica e impotente pois Lula atua segundo a partitura da fração financeira que comanda a coesão burguesa e determina cada ação do governo mas sem qualquer compromisso com sua permanência. Lula e Alckmin estão autorizados a praticar a filantropia católica incapaz de redimir as maiorias da miséria e da exploração crescentes por meio de "políticas públicas" sem elevado custo para o Tesouro e as finanças públicas. A dívida pública e os impostos estão sob controle estrito do rentismo e o governo atua de bom grado não somente para preservar cada privilégio mas garantir vida longa para seus interesses.
A disputa no interior do Estado requer tanta lucidez quanto a luta armada nas selvas tropicais. A defesa abstrata da democracia praticada pela esquerda liberal leva águas para o moinho da direita que segue avançando a despeito da última derrota eleitoral. A concepção parlamentar de política - aquela mesma que Engels chamou de cretinismo parlamentar - orienta cada passo da esquerda liberal e sua influência nos cada dia mais impotentes "movimentos sociais" transformados, na prática, em comitês eleitorais. Ora, o que está em questão nesse momento é a inutilidade prática dos parlamentares da esquerda liberal, pois o avanço do programa ultra liberal é pleno a despeito do "apoio crítico" que dizem praticar em relação ao governo Lula em nome da luta "contra o fascismo".
A ultra direita não perde oportunidade para desmoralizar o parlamento tanto nas polêmicas inúteis quanto nas realmente importantes. Assim, banaliza, agride, ofende e exibe aos olhos de milhões a pobreza e miséria da prática parlamentar dominante. A presidência das comissões - da Educação, por exemplo - permite ao deputado Nikolas Ferreira a desmoralização permanente do covil de ladrões, recurso que expressa a hegemonia política que, de fato, já possuem na sociedade e através da qual multiplicam sua força aos olhos de milhões de brasileiros. Assim, o bate-boca, a simulações de agressões físicas, a "valentia" dos discursos, entre outros artifícios, constituem recursos valiosos para reforçar nas maiorias a convicção de que o parlamento é realmente um obstáculo a seus interesses. Em resumo, o parlamento atua na partitura de Bolsonaro com seus métodos e propósitos.
A esquerda liberal, ao contrário, cativa do governo, de Lula e do PT, atua na direção oposta dispendendo esforço inútil na dignificação da atividade parlamentar como se fosse possível "salvar a democracia" diante de uma república burguesa em escombros! Em consequência, durante o governo Bolsonaro, qualquer redução de dano ou derrota parcial das iniciativas da direita, os deputados corriam para as redes digitais e gritavam o ridículo "vitória!" como se fosse possível salvar a república fortalecendo sua aparência. Ademais, treinados na estranha arte do "diálogo", pretendem vencer o "debate" parlamentar armados de suposta racionalidade cartesiana como se a disputa fosse de "narrativa" e jamais ancorada em interesses concretos! Assim, ao contrário da truculência, oferecem a delicadeza; diante do arroubo, preferem a "racionalidade". Em todos os casos, lamentam a ausência dos antigos tribunos da direita liberal "civilizada" dos tempos em que tucanos e petistas tinham comunhão de programa, disputas eleitorais acirradas e diferenças parlamentares pacificadas nas comissões e restaurantes luxuosos. Entretanto, aos olhos de milhões, também aqui o parlamento figura como obstáculo pois o vulgar Lula e seu partido repetem todo dia que carecem de maioria para atender as demandas populares. Ora, nessa disputa, a vitória da direita já é completa e definitiva!
Não poderia ser diferente pois cada medida de Lula fortalece precisamente as frações de classe que não vacilarão - em caso de necessidade - de abrir todos os horrores do terrorismo de Estado na defesa do rentismo dominante tal como fizeram em 1964 ao inaugurar sua ditadura de classe. O silêncio cúmplice que a esquerda parlamentar mantém agora em relação a mais uma medida estratégica do rentismo fomentado por Lula (securitização), não faz menos do que alimentar hoje o monstro que nos devorará amanhã.
Não há alternativa senão a construção radical e inexorável, aqui e agora, da oposição aberta ao atual governo. O terreno já está, obviamente, ocupado pela ultra direita liberal, mas ela é incapaz de oferecer alternativas às maiorias e, em consequência, não pode entregar o que oferece ainda que tem o poder de operar a ruptura com o sistema político-jurídico. O radicalismo político esta sob controle da direita porque ela entendeu que o governo encabeçado por Lula pretende conduzir seus interesses de classe com alguma condescendência diante dos trabalhadores. Entretanto, a direita liberal jamais cultivou ilusões sobre democracia, tolerância, diversidade, pluralismo e outras quinquilharias ideológicas com as quais a esquerda liberal gasta tempo precioso destinando esforço para a mera reprodução parlamentar. O terreno da disputa não é, definitivamente, o parlamento. No covil de ladrões a parada já está decidida, como demonstra a conquista do rentismo com a securitização da dívida e o mega assalto ao Estado, que garante vida longa à fração financeira da classe dominante.
Aos discípulos desavisados de Bernstein que julgaram a disputa no interior do Estado como o caminho mais fácil para redimir a maioria dos trabalhadores da miséria e da exploração em que se encontram, restaria lembrar que o Brasil - país periférico e subdesenvolvido - não é a Alemanha. E também é importante recordar que o Estado - algo radicalmente diferente de governo! - é o terreno por excelência da classe dominante que não admite aprendizes no comando ainda que reconheça o valor ideológico da presença caricata da esquerda liberal para seu próprio benefício. A luta nos marcos da ordem burguesa não pode prescindir da luta contra a ordem burguesa! Não alimento esperança de que essa lição histórica receba aprovação dos partidos eleitorais da esquerda liberal. O teste da vida, real e cruel, somente ele, poderá colocar as coisas no seu devido lugar contra as crenças infantis que reinam entre aqueles que com autenticidade, ingenuidade ou oportunismo pretendem superar esse vale de lágrimas.
*Nildo Domingos Ouriques (nascido em 1959) é um economista e acadêmico brasileiro. Foi presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) da Universidade Federal de Santa Catarina e professor de economia na mesma universidade. Foi militante do PT e dirigente do PSOL, partido com o qual rompeu em 2023.
Fonte: https://nildouriques.blogspot.com/2024/06/lula-comanda-o-assalto-ao-estado.html
Edição: Página 1917
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