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sexta-feira, 7 de junho de 2024

Renovação no PCB?

Leôncio Basbaum*

10 de Setembro de 1957

A imprensa comunista do país acaba de publicar um informe do Sr. L. C. Prestes à última reunião do CC do PCB, verificada em meados de agosto p.p. Trata-se, como diz o documento, de “um primeiro e modesto passo no sentido de vencer as dificuldades que hoje enfrentamos”.

Leôncio Basbaum

Há sem dúvida muita coisa interessante nesse documento, e a mais importante delas é o reconhecimento da péssima e lamentável situação a que chegou o PCB: “uma pequena seita desligada das massas”, num momento em que mais do que nunca sua presença se fazia necessária. Desapareceu quase totalmente o sentido baluartista dos documentos anteriores, nos quais se falsificava simplesmente a real situação do PCB perante a base do Partido e perante as massas. Esse é, sem dúvida, o lado positivo do documento. A autocrítica, o reconhecimento de erros antigos e profundos de catastróficas consequências, ainda que insuficiente, é também um lado positivo.

Não vamos examinar aqui as causas que levaram o CC a cometer toda essa longa série de erros. Isto poderá ser objeto de um estudo futuro. No momento nos interessa examinar o que significa o documento, o que lhe falta, o que falta ao CC para que se coloque à altura das necessidades do Partido e dos interesses do povo brasileiro.

1) Em primeiro lugar, notemos que não foram citados todos os erros referentes aos “métodos de trabalho”. Já não nos referimos ao afastamento compulsório “encoberto”, mascarado, ao congelamento, de todos os membros do Partido que mesmo de leve ousassem pensar por sua própria conta. Mas há que lembrar a sempre manifestada subserviência a partidos comunistas de outros países, em particular ao da URSS, pela qual, em vez de enfrentar os problemas brasileiros com soluções brasileiras, se procurava enfrentá-los com soluções russas, polonesas ou chinesas. Mas há algo ainda mais grave: é que nem mesmo os problemas eram brasileiros. Na verdade, o CC começou trazendo para o Brasil apenas soluções alienígenas e acabou transplantando para cá os próprios problemas alienígenas. Os problemas brasileiros não existiam, só existiam problemas russos, poloneses, chineses. A famosa revista Problemas, que só trazia problemas estrangeiros e nada sobre o Brasil, é uma prova desse fato realmente único na história do movimento comunista mundial.

2) Como se sabe, a partir de outubro do ano passado, alguns jornalistas do PCB, rompendo corajosamente os grilhões do dogmatismo, iniciaram por sua própria conta a discussão em torno de problemas levantados e provocados pelo XX Congresso do PCUS, que o CC do Partido tentava evitar. Forçado pelas circunstâncias, teve o CC de suportar essa incômoda agitação de ideias que fazia ruir os alicerces em que havia dez anos se assentara, acreditando que para sempre. Simplesmente apavorado, o CC permitiu que a discussão continuasse até que o Sr. Prestes, em histórica e lamentável carta, com sua autoridade, lançou sobre a discussão um jato de água fria, encorajando os dogmáticos a continuar com o método de arrolhamento das consciências.

O pretexto era evitar o ‘‘revisionismo”, o “anti-sovietismo” que ameaçava infiltrar-se nas bases do Partido. Pretexto sem dúvida pueril, pois que se tratava de opiniões discutíveis de dois ou três membros dentre milhares.

Pensava-se que o informe do Sr. Prestes reconhecesse o erro cometido, pois, na verdade, o que se conseguiu foi, não silenciar os “revisionistas” mas todo o Partido. Entretanto o novo documento justifica a medida, apoia-a, confirma-a, como acertada. Qual deveria ser a posição do CC diante dessas ideias “revisionistas”? É claro que devia ser, simplesmente, criticá-las, e expor o seu próprio ponto de vista. Em vez disso, arrolhou todo o Partido. Isto significa que o CC está longe de se haver libertado do dogmatismo que agora pretende combater.

3) Diz o documento que o CC, nesse período, do encerramento abrupto e forçado da discussão até agora, concentrou os seus esforços “na luta em defesa do Partido e de sua unidade”. “Dirigimos nossa atenção para o combate às atividades divisionistas”. E, ainda: “graças à posição firme que assumimos em defesa dos princípios do Partido e da sua unidade, foi possível isolar o pequeno grupo fracionista e impedir que causasse maiores danos ao Partido”. Nessas linhas tudo é falso, ou resulta de uma falsa apreciação dos fatos. Em primeiro lugar não conseguiu “isolar” o grupo. Ele se acha ligado diretamente à base do Partido, infiltrado no mesmo. Em segundo lugar, o grupo não é pequeno, mas numeroso, pois que em algumas regiões do país constitui mesmo a maioria. Aqui não entramos na apreciação política do “grupo divisionista”. Apenas constatamos fatos. Quanto a evitar “maiores danos ao Partido”, eis ainda um ledo engano. Antes, a discussão se fazia aberta, agora é oculta e o CC, desligado como se acha da base do Partido, a ignora. Na verdade o movimento “divisionista” fez um grande bem ao Partido, qualquer que seja a sua origem, ou seu futuro, ou mesmo suas ideias políticas. Se de um lado a posição dogmática do CC reduziu a base do Partido à passividade, o tal grupo teve o condão de despertar pelo menos uma parte dele, que é, aliás, a única que hoje trabalha e discute, afora pequenos grupos isolados e independentes dentro do próprio PCB e totalmente desligados do CC.

Por outro lado, ao que se sabe, nenhum esforço fez o CC, que tanto fala em lutar pela unidade do Partido, em evitar essa dissidência, o fracionismo, e permitiu ao contrário que antigos e dedicados militantes se desligassem do Partido, sem mesmo se interessar pelos motivos que os levaram a tão drástica atitude Esse fato merece ser registrado pela história.

4) Afirma o documento que existe uma contradição — só agora descoberta — entre a direção e a base do Partido. E embora reconhecendo a culpa do CC, joga o maior peso sobre o Presidium. Vai mais além: dentro do Presidium, joga a culpa sobre “alguns membros” deste, afastando-os, quase que a pedir desculpas, "sem ajuste de contas e sem retaliações pessoais” do Presidium . Não sabemos se essa medida visa a salvar o Presidium ou o CC, mas uma coisa é certa: não salvará o Partido.

Em primeiro lugar porque entre o CC e a base do Partido existe uma série de escalões intermediários, Comités Regionais, Zonais, Distritais feitos à imagem e semelhança do CC, isto é, meros organismos burocráticos, igualmente desligados das massas e das bases do Partido e que revelaram até agora nada ter aprendido dos ensinamentos do XX Congresso do PCUS. É claro pois que a simples substituição de alguns membros do Presidium não será de grande ajuda para a transformação do PCB. Por outro lado, todos aqueles membros do Presidium agora “rebaixados” de suas privilegiadas posições continuam no CC.

Resulta desse fato que a base do Partido não pode ter no CC a confiança de que o mesmo necessita. Aliás, pelo próprio documento que aqui estamos analisando, verifica-se que o CC não se libertou ainda do dogmatismo e do sectarismo que sempre foi sua característica:

  1. Por que não foram citados os nomes dos membros excluídos do Presidium? Por motivos de segurança? Está claro que não, pois a polícia provavelmente conhece todos os membros do Presidium. Aliás, sua exclusão desse organismo não iria piorar sua situação. Qual o motivo, então? Para agravar essa dúvida vemos que o CC não pretende “ajuste de contas”, talvez porque não compreendeu até agora a gravidade dos erros cometidos por esses elementos, e do mal que causaram ao Partido e ao movimento revolucionário em geral. Deu-se lhes um pequeno puxão de orelhas e ao mesmo tempo uma batidinha nas costas. A impressão que tal atitude do CC dá aos observadores é que essa exclusão, e a não citação dos nomes, para que a base do Partido os conheça, visava sobretudo salvar o CC, lavar a cara, como dizem os chineses, ou pelo menos dar-lhe mais algum tempo de vida.
    O fato — habitual — de ocultar a verdade à base do Partido, ou de só lhe revelar a meia verdade, é uma prova de que o CC está longe de se haver libertado do dogmatismo.

  1. A expulsão do Sr. Agildo Barata dos quadros do PCB, quando já havia pedido demissão do mesmo, é outra prova de que o dogmatismo domina ainda o CC. Qual o objetivo dessa expulsão, senão o fato de poder acoimá-lo de traidor ou outro nome parecido? Erradamente ou não, mas seguindo seus próprios princípios e sua consciência, Agildo Barata, querendo ser leal consigo mesmo e não desejando fazer fracionismo, pediu demissão do Partido. Que tem o CC com isso? Ora, qualquer pessoa é livre de entrar ou de sair do Partido. Sempre foi assim em toda parte em qualquer Partido democrático. Menos no PCB, mesmo quando este diz que se está democratizando.

  2. mas não é somente no terreno dos métodos de trabalho que se revela o dogmatismo e o sectarismo do documento. Também no terreno da linha política. esse assunto exigiria um espaço maior pela sua importância, o que ficará para outra oportunidade. Aqui indicaremos apenas as principais características da linha política que se traça para o futuro V Congresso, nas quais se revela o dogmatismo, o sectarismo e até mesmo o oportunismo que ainda domina o CC.
Em primeiro lugar, a elaboração de “uma tática do Partido tendo como centro a tática eleitoral”, é a nosso ver, puro oportunismo. A tática eleitoral, por sua natureza transitória e circunstancial, é sempre uma atividade marginal dentro da tática geral do Partido e nunca o centro dessa tática. Aliás, essa linha preconizada pelo CC não é nova; pelo contrário, sempre foi a tática empregada pelo CC nestes últimos anos, e, como sabemos, sempre com resultados funestos. A nosso ver, o centro dessa tática deve ser a reconquista das massas populares, incluindo nessas massas novas camadas e setores da população brasileira, tendo em vista uma larga frente única de caráter popular, dentro de um amplo programa comum.

Em segundo lugar, fala o documento nos “objetivos da revolução democrática popular”, como se fosse uma questão perfeitamente conhecida, sem que jamais se tenha explicado que significa. Quem souber, é favor explicar.

Em terceiro lugar, indica-se, para a elaboração de um projeto de documento para o V Congresso, como um dos temas, “O problema do poder político, o tipo de governo que devemos ter por objetivo”. A nosso ver, colocar, na ordem do dia, neste momento em que se fala em frente única, o problema do “poder político” e do “tipo de governo”, é voltar ao caminho do mais estreito sectarismo. Não é esse o caminho da conquista das amplas massas da população brasileira. Não está em jogo no momento ‘“o tipo de governo”.

5) O V Congresso não foi ainda convocado. O documento apenas insinua que o mesmo será brevemente convocado, embora não o diga quando. Mas esse problema, apesar da sua importância para o futuro do PCB, perde valor em face desse outro: como será realizado o Congresso, quem dele participará? Considerando que o IV Congresso não passou de uma reunião de compadres, de amigos-do-peito dos membros do CC e particularmente dos membros do Presidium, quem garante aos membros do Partido que este será diferente, quando o CC que convocou o IV é o mesmo que convocará breve o V?


6)
 Outro problema que o próximo (será mesmo próximo?) Congresso suscita: Onde e como serão debatidos os documentos a serem apresentados ao Congresso? Só “dentro da Partido”? Que Significa "dentro do Partido”? E por que “dentro do Partido”? Para esconder os debates da massa, que se acha na expectativa, à espera de um Partido que seja aquilo que deve ser? Ao contrário, a única maneira de o PCB se libertar definitivamente do dogmatismo e do sectarismo é libertar-se de falsos “complexos”, revelando à massa — que mais do que ninguém está interessada nisso — como prova de honestidade tudo o que estava errado, como errou e por que o fez, lavando a roupa suja na frente de todos, como o faz a própria massa. O PCB não tem, nem pode, nem deve ter segredos para a massa, pois que o PCB é dela, vive por ela e para ela.

Por temor aos penabotos?(1) Isso é ridículo. Os maiores e mais perigosos inimigos do comunismo são os maus e os falsos comunistas. Que proveito tiraram os penabotos da discussão já iniciada no ano passado e que durou pelos menos uns quatro meses?

Aqui deixo duas sugestões capazes de ajudar o PCB:

  1. Abrir desde já a discussão pela imprensa comunista, ampla, livre e franca, em torno de ideia e de indivíduos, respeitando-se apenas questões de segurança. Temário absolutamente livre, sem passar pelo crivo do CC. Tal como se começou em outubro do ano passado e que o dogmatismo do CC interrompeu.

  2. Considerando a falta de confiança — aliás bastante justificada — da base do Partido no CC, deverá ser nomeada uma Comissão de militantes que não façam parte do CC, com o objetivo de convocar e organizar o V Congresso e estabelecer o seu ternário.

Com a realização dessas duas medidas, o CC terá dado um passo real para a sua recuperação e demonstrará o espírito marxista dos seus membros.

Publicado em Revista Novos Tempos, nº 2, 1957.

*Leôncio Basbaum (1907-1969), médico, historiador, escritor, dirigente do PCB, fundador e primeiro secretário da União da Juventude Comunista em 1927.

Notas do Editor:

(1) Almirante Carlos Pena Boto, militar anticomunista. (1892-1973). 

Edição: Página 1917



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