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segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Os Militares, a Política de Segurança e o Avanço da Repressão no Governo Burguês de Lula-Alckmin

Coletivo Cem Flores
08/01/2024

O aparato repressivo burguês contra os trabalhadores.


Para cumprir esse papel de gestor do capitalismo e dirigir o aparelho de estado da burguesia em pleno contexto de ofensiva de classe, o governo Lula-Alckmin precisa impedir a resistência e o avanço da luta proletária e trabalhadora. Isso é feito não apenas com a volta da política de cooptação de lideranças e movimentos (ideológica, e com cargos governamentais e recursos públicos), mas também mantendo e reforçando a enorme repressão estatal sobre as classes dominadas, alimentando ainda mais os altos níveis de violência do capitalismo no Brasil. Afinal, sem aprimorar continuamente os vários órgãos repressivos do estado, sem deixá-los prontos para intervir com violência a qualquer perturbação da “ordem” e dos negócios da burguesia, a ofensiva da burguesia não pode prosperar!

O aumento e o aprimoramento da repressão capitalista não são novidades nos governos do PT. Como já analisamos no nosso texto “Lula-Alckmin: de quem são amigos e de quem são inimigos? Essa é uma questão fundamental!”, de 26.9.2022, que integra nosso livro “Quem são os nossos inimigos? Quem são os nossos amigos? A conjuntura econômica e política brasileira e a posição comunista”, nos governos petistas anteriores, os avanços repressivos para manter a ordem burguesa em meio à miséria das massas foram vários: Lei “Antidrogas”, Lei “Antiterrorismo”, criação da força nacional, maior integração das forças repressivas, inúmeras operações de garantia da lei e da ordem (GLO) etc. Os resultados foram o aumento na quantidade de homicídios, principalmente contra pobres e pretos, e a triplicação da população carcerária no país, igualmente atingindo majoritariamente pretos e pobres. Também foi assim nos governos estaduais. Na Bahia, por exemplo, os governos do PT elevaram enormemente a letalidade policial. De 2015 a 2022, os assassinatos por policiais quadruplicaram no estado. Por meio de diversas chacinas, apoiadas explicitamente pelo então governador e atual ministro da casa civil, Rui Costa, a polícia baiana se tornou uma das mais letais do país.

O mesmo aconteceu no primeiro ano do governo burguês de Lula-Alckmin. Sua política de defesa e segurança, ou seja, a política voltada ao aparelho repressivo do estado burguês, é mais um elemento de consolidação da ofensiva burguesa, alinhada com as demais dimensões dessa ofensiva, nos âmbitos econômico, político e ideológico. Trata-se de uma verdadeira subordinação do governo às corporações militares, que mantêm inúmeras e claras relações com o bolsonarismo.

Ao consolidar esse quadro repressivo, portanto, Lula-Alckmin alimentam, na prática, a tendência autoritária e fascista em curso do país; deixando as portas abertas para a continuidade da interferência das corporações militares sobre o sistema político e o estado brasileiro.

O papel da resistência do proletariado, das massas exploradas e dos/as comunistas, nesta conjuntura, continua a ser o de revelar, denunciar e combater firmemente a escalada repressiva e autoritária que afeta diretamente suas vidas e sua luta.
  1. O Aparelho Repressivo de Estado no Brasil

As forças armadas, juntamente com as tropas de “segurança pública” e outras instituições repressivas, são elementos estruturantes do estado capitalista e da própria dominação de classe burguesa sobre as classes trabalhadoras. A reprodução da exploração no capitalismo depende grandemente da violência armada do estado. Segundo Lênin:

Em qualquer sociedade de classes, seja baseada em escravidão, servidão ou, como atualmente, no trabalho assalariado, a classe opressora sempre esteve armada. Não apenas com exércitos modernos, mas também milícias modernas – e até mesmo as repúblicas burguesas mais democráticas; a Suíça, por exemplo – representam a burguesia armada contra o proletariado. Essa é uma verdade tão elementar que é dificilmente necessário insistir sobre isso. É suficiente sublinhar que, em todos os países capitalistas, sem exceções, tropas (incluindo a milícia republicano-democrática) são usadas contra grevistas. A burguesia armada contra o proletariado é um dos maiores, mais fundamentais e mais cardinais fatos da moderna sociedade capitalista.

O complexo repressivo brasileiro – forças armadas, polícias militar, civil, federal e outras, juízes e tribunais, sistema prisional, segurança privada, além de milícias rurais e urbanas, com maior ou menor conivência das forças públicas “legais” – foi forjado desde o período de colonização e escravidão, sempre a serviço das classes dominantes, contra as classes exploradas e sua luta. Desde o século passado, esse complexo repressivo serviu violenta e cotidianamente para a dominação capitalista brasileira, à exploração, opressão e repressão das massas trabalhadoras da cidade e do campo. Acima de tudo, o verdadeiro inimigo das armas do estado é interno: as classes dominadas!

Os militares das forças armadas e as polícias, assim como outros órgãos repressivos, legais e ilegais, tiveram papel político central nos golpes e períodos ditatoriais do país, como na proclamação da república e seus primeiros governos militares (1889-94), nos inúmeros períodos de exceção da república velha (até 1930), no estado novo (1937-45), no estado de exceção do governo Dutra (1945-50), nos levantes militares dos anos 1950, na ditadura militar (1964-85) e no crescente autoritarismo e nas tentativas de golpe do governo Bolsonaro (2019-22). Em tais regimes de exceção burgueses, impuseram com extrema violência os interesses das classes dominantes e das potências imperialistas, em guerra aberta às organizações das classes trabalhadoras e comunistas. O aparelho repressivo brasileiro atual, sob o regime da “democracia” burguesa, portanto, herda e continua essa trajetória de se colocar sempre que preciso, da forma que for necessária, como instrumento das classes dominantes na luta de classes, dirigido por uma ideologia reacionária e anticomunista.

A característica de ser um instrumento de coerção, à serviço das classes dominantes, não anula os interesses próprios, corporativos, das forças armadas, das polícias e dos demais órgãos repressivos, ou mesmo as disputas e contradições internas ao aparelho repressivo. Realidade que possibilita, a depender da conjuntura, episódios de insubordinação ao governo vigente e interferência das armas na disputa política burguesa, de forma mais ou menos intensa.

Após a última ditadura militar, o aparelho repressivo de estado não apenas seguiu agindo contra as classes dominadas, com alta violência e letalidade, como também conseguiu manter, inclusive constitucionalmente, grande autonomia e poder. Diferente do que ocorreu em outros países da América Latina, o país não chegou a passar por processos mínimos de punição do terrorismo de estado do período militar. A burguesia e seus governos no Brasil concedem aos militares vários privilégios e convivem com um baixo grau de controle civil sobre o aparelho repressivo, notadamente as forças armadas. Apesar de gerar contradições e atritos internos às classes dominantes, tal realidade é muito funcional ao modelo autoritário de capitalismo presente no país.
  1. A (Re)Politização e o Reforço das Forças Armadas no Governo Bolsonaro
Na última década, o Brasil passou não apenas por uma profunda crise econômica, mas também por uma intensa crise política, que teve como um de seus principais efeitos o crescimento das forças reacionárias, especialmente da extrema-direita, fascista, do país. No bojo desse avanço reacionário, ocorreu uma ampliação do intervencionismo dos militares na política. Os discursos golpistas e autoritários do general Mourão (2015 e 2017), ou intimações ao STF do general Villas Bôas (2018), são alguns exemplos dessa ampliação, que foi consagrada com a eleição de Bolsonaro e Mourão para a presidência da República em 2018.

Tal retorno mais explícito das forças armadas à vida política, após um período mais “reservado”, não foi algo aleatório. A volta dos militares (e também das polícias) à política, com discursos, manifestações públicas, candidaturas e presença no parlamento e no governo, foi algo bastante planejado pelos dirigentes militares, que souberam conduzir uma reação coordenada ao quadro de crise política e, assim, obter novos graus de autonomia e influência política em meio ao ascenso reacionário.

A repolitização mais explícita das armas e os vários casos recentes de anarquia militar têm gerado uma ameaça golpista e autoritária que se articula com o movimento de extrema-direita, fascista, bolsonarista. Essa articulação ficou clara com a participação direta dos militares no governo Bolsonaro, em cargos centrais, e na participação e apoio às tentativas golpistas e autoritárias durante seu governo e após sua derrota, dando respaldo e alimentando o movimento contrário ao resultado eleitoral de 2022.

O governo Bolsonaro e seu movimento tiveram forte apoio e participação das forças armadas que, por sua vez, foram amplamente beneficiadas pelo governo, com verbas e cargos e tendo diversos interesses atendidos. O mesmo se pode dizer das polícias, milícias e organizações de extrema-direita paramilitares, com estreitas relações com o bolsonarismo.

Eis, resumidamente, o quadro das forças armadas herdado pelo governo Lula-Alckmin: a maior politização e radicalização dos militares nas últimas décadas, incluindo ações sistemáticas de caráter autoritário e golpista. Mas tanto antes da tentativa de golpe de 8 de janeiro, quanto depois, a política de defesa e segurança do novo governo do PT pode ser sintetizada em uma palavra: rendição.
  1. A Nova Rendição do PT às Forças Armadas
Essa postura subserviente dos governos do PT aos militares não é de hoje e nem é resultado do suposto “governo de coalizão”. Vários dos dirigentes bolsonaristas nas forças armadas foram promovidos e prestigiados nos governos anteriores do PT, por exemplo, na ocupação militar da ONU no Haiti, como Augusto Heleno, seu primeiro comandante. As ações de repressão no Haiti influenciaram abertamente ações internas, como as ocupações militares das favelas do Rio de Janeiro, autorizadas e estimuladas por Lula e seus aliados locais.

A rendição do PT e de seu governo aos militares começa com a aceitação da manutenção plena da autonomia das forças armadas. Seus comandantes são escolhidos pelas próprias forças e apenas sancionados pelo governo. Isso foi explicitamente admitido pelo ministro da defesa de Lula. A política de defesa continua definida exclusivamente por eles e apenas comunicada ao governo, que a chancela. Como sinalização disso, esse foi o único grupo de trabalho não criado no chamado “governo de transição” de Lula. Sua organização continua independente, assim como sua formação e educação, e a ideia de mudar os currículos das academias militares, que já era apenas para inglês ver, foi “esquecida” de vez. Assim como foi “esquecida” qualquer discussão sobre o tema no PT. Para ratificar a subserviência, a primeira reunião de Lula com os comandantes, no primeiro mês de governo, foi para pedir às forças armadas seus projetos prioritários, se comprometer a arrumar dinheiro para eles e se oferecer para fazer a ponte entre os militares e a burguesia industrial (como se isso fosse necessário…), chamando o presidente da Fiesp para a reunião. E Lula cumpriu o prometido, destinando R$ 52,8 bilhões para a Defesa no PAC.

Simbólica e politicamente, essa rendição tem como marco a indicação de José Múcio Monteiro para o ministério da defesa. Múcio é um político direitista, por anos integrante do partido do regime militar (Arena) e próximo de Jair Bolsonaro e seu movimento. Essa proximidade foi explicitada pelo próprio Bolsonaro quando Múcio se aposentou do TCU: “Se a saudade lhe bater, venha para cá. Estará entre nós, pode ter certeza, no 1º time do Executivo”. Sua indicação para ministro da defesa foi acordada com o alto comando das forças armadas, que por diversas vezes deu demonstração pública de seu apoio. Múcio, assumidamente, fala em nome das forças armadas, e com orgulho: “que eu era na realidade um ministro das Forças, não do governo junto às Forças. Você não pode imaginar como isso me fez bem junto às Forças”. E assim tem agido, como representante das forças na mídia, no parlamento e nas reuniões de governo, para que, em nome das ilusórias “pacificação” e “despolitização”, a ampliação de poder alcançada pelos militares não seja afetada – muito menos eles sejam punidos pelas aventuras golpistas recentes, fora um ou outro caso “isolado”.

Tal ministério continua tendo um dos maiores orçamentos do governo. Em 2023, o orçamento da Defesa foi de R$ 124 bilhões e a previsão para 2024 é de R$ 126 bilhões. O governo Lula-Alckmin, assim, vai expandir o orçamento recorde do período de Bolsonaro. Em relação aos investimentos, que se encontravam em baixa, as perspectivas são de uma reversão do quadro pelo governo do PT. Como já mencionado, dias após o 8 de janeiro, Lula acatou projetos estratégicos das forças armadas e da indústria de defesa. “A previsão é de haver um maior investimento na área, através do Plano de Aceleração do Crescimento, que destinou R$ 52 milhões ao setor de defesa”, como afirma uma pesquisadora da UFRJ. Privilégios e regalias dos oficiais continuam aos montes: apenas o novo comandante do exército, em fevereiro e março, recebeu R$ 770 mil de indenizações e ajudas de custo (sic!). Cada general, ao mudar de cidade, embolsa quase R$ 100 mil!

O governo Lula-Alckmin também tem preservado os interesses e a autonomia do alto comando mantendo a linha sucessória “natural” para a escolha dos comandantes das forças militares. Isso ocorreu até mesmo no caso de troca do comandando do exército pelo ex-ajudante de ordens do Villas Bôas, após insubordinação escancarada do comandante anterior. Ao ser apresentado a Lula, por Múcio, como o novo comandante do exército, o general Tomás Paiva já tratou de enquadrar o presidente: “para que dê certo, o senhor precisa ter confiança nas forças armadas”, ao que Lula teria respondido favoravelmente. Por falar em insubordinação, até mesmo na troca de governo houve um caso inédito: a recusa do comandante anterior da marinha em bater continência à Lula. O que ficou por isso mesmo…

A forte militarização da administração pública federal, com militares ocupando cargos civis, reforçada no governo Dilma, continua em vários níveis. Milhares de militares continuam no palácio do planalto, ministérios e outros órgãos. Ou seja, quando Lula falava em “desmilitarizar” o governo, isso era apenas “promessa de campanha”, para enganar quem queria ser enganado e depois ser esquecida…

Segundo a pesquisadora Adriana Marques: “Uma das cenas mais emblemáticas do desfile de 7 de setembro este ano em Brasília foi o aperto de mãos coletivo entre o presidente da República, o ministro da Defesa e os três comandantes das Forças Armadas. Esse gesto traduz com perfeição a estratégia adotada pelo governo Lula 3.0 na sua relação com os militares: a conciliação. As mãos entrelaçadas e os sorrisos para as câmeras seriam a materialização dessa diretriz governamental”. Na verdade, tal “conciliação” é muito mais uma rendição do governo ao poder militar ampliado no último período.

As relações entre o bolsonarismo e as forças militares continuam explícitas, para além dos comandantes, novos ou anteriores, e do ministro da defesa. Na marinha, uma das forças mais favoráveis ao golpe em 2022, segundo delações do tenente-coronel Mauro Cid, um almirante abertamente bolsonarista foi indicado para ocupar a cúpula da força, recebendo aval do governo. A mesma marinha mobilizou suas bases em apoio a uma PEC bolsonarista por maior orçamento de defesa no Brasil. O senador bolsonarista explicita: “Eu tenho uma relação muito próxima com as Forças Armadas, embora não seja militar […]Eu conversei bastante com a assessoria parlamentar [da Marinha], para avançar com o texto, por iniciativa própria. Eu chamo de PEC das Forças Armadas”.

Também não houve nenhuma mudança na formação e nas atribuições dos militares. O novo chefe do departamento de educação e cultura do exército é o general Richard Nunes, braço direito de Braga Netto na intervenção militar do Rio de Janeiro (2018). O mesmo general Braga Netto que chefiou a casa “civil” de Bolsonaro e foi seu candidato à vice-presidência nas últimas eleições. A renovação das diretrizes da política de defesa, iniciada ainda no governo Bolsonaro, tem se realizado a portas fechadas, sem nenhuma participação civil, tudo isso referendado pelo ministro da defesa.

A rendição do governo Lula-Alckmin aos interesses das forças armadas chega ao ridículo de autorizar os graves exercícios militares combinados com o imperialismo dos EUA na Amazônia. Há décadas as forças armadas dos EUA exercem influência material e ideológica direta nas forças armadas brasileiras, sendo responsáveis também pelo apoio militar à última ditadura no Brasil.

A relação subordinada com imperialismo se aprofunda no campo militar.

“Enquanto eu for presidente, não tem GLO”, mentiu Lula em outubro. Cinco dias depois, o mesmo Lula aprovou uma GLO autorizando os militares atuarem nos portos e aeroportos do Rio de Janeiro e São Paulo. O novo governo, portanto, também reforça a interferência cada vez mais constante das forças armadas na execução direta de ações de segurança pública, voltadas mais diretamente contra a própria população.

Os supostos “enfrentamentos” do governo ao novo poderio e politização dos militares não existem. O art. 142 da constituição, resquício da ditadura que confirma as forças armadas como mantenedoras “da lei e da ordem”, continua intocado e a pseudo-tentativa de discuti-lo foi barrada pelo próprio Lula. A volta da comissão de desaparecidos da ditadura continua basicamente no papel e tende a cumprir uma função tímida e simbólica. Em relação à PEC sobre participação dos militares na política, esta foi desidratada e acordada com as próprias forças armadas, a partir de seu representante Múcio. Hoje, a proposta exige meramente que o membro das forças armadas vá para a reserva caso queira se candidatar. Medida essa que não afeta a politização das forças e nem a presença forte do bolsonarismo em seu meio.

A política do governo Lula-Alckmin frente às forças armadas não aponta para qualquer “normalização” do quadro militar ou “neutralização” da política nos quartéis, mas sim para a consolidação do maior poder alcançado pelos militares. Trata-se de uma política de rendição, que não age para a desbolsonarização dos militares e mantém uma postura conivente com o fascismo e o golpismo, amplamente presentes nas forças armadas.

Ao se render e se submeter à tutela militar, em contexto de alta politização militar, o governo Lula-Alckmin acaba reforçando o aparelho repressivo, instrumento necessário e útil à burguesia em sua atual ofensiva de classe. As forças armadas com mais recursos e radicalizadas podem servir de forma mais potente contra explosões sociais que surjam da miséria e da brutal desigualdade do capitalismo brasileiro.
  1. Polícias e presídios
Apesar das várias relações entre as forças armadas e as polícias no Brasil, estas últimas possuem especificidades e funções próprias no aparelho repressivo de estado. As polícias são responsáveis de forma direta e cotidiana pela vigilância e repressão das classes dominadas. A chamada “segurança pública” é conduzida sobretudo pelos estados, com auxílio do governo federal, e cumpre hoje, através de um corpo armado mais amplo do que o das forças armadas, as prisões, torturas e assassinatos que atingem sobretudo a massa trabalhadora pobre, periférica e negra.

No caso das polícias militares, forças auxiliares e de reserva do exército, há setores com intensos treinamento e equipamentos de guerra, que atuam como instrumentos repressivos de elite da burguesia. Não à toa, as polícias do Brasil estão entre as mais letais do mundo. Em 2022, os policiais mataram 17 pessoas por dia no Brasil. Essa chacina continuou praticamente igual no primeiro semestre de 2023.

Blindados do exército doados para a PM do RJ: reforço na guerra contra os pobres. 

Alckmin, o atual vice-presidente, é famoso por seu uso violento da polícia contra a população quando era governador de São Paulo. Como afirmamos em nosso documento sobre a chapa Lula-Alckmin, de setembro de 2022, Alckmin deu a palavra final autorizando o massacre do Pinheirinho, em 2012; foi o responsável pela repressão às manifestações paulistas de junho de 2013, em dobradinha com Haddad (na época prefeito de São Paulo); pela repressão às ocupações de escolas pela juventude secundarista, em 2015, causada por sua “política” educacional (sic!); além de diversas chacinas policiais. Como resultado, a quantidade de assassinatos cometidos pela polícia paulista bateu recorde em 2017, chegando a quase mil homicídios. Esse foi o “companheiro” escolhido pelo PT para “reconstruir” o país (para a burguesia).

Além desse “companheiro”, vários outros ministros de Lula possuem em seu currículo aumento das chacinas policiais em suas gestões nos estados. “Bahia, Amapá, Piauí e Ceará tiveram crescimento de até quatro vezes a média nacional na letalidade causada por agentes de segurança”, quando comandadas por ministros do governo atual, segundo levantamento da FSP.

O tamanho e a brutalidade das condições de vida da população presa também estão no topo dos rankings de repressão no mundo. O país, em 2022, possuía 830 mil pessoas privadas de liberdade. Um quarto delas sem nem ser julgada. As condições dos presídios e celas em delegacias são conhecidamente ilegais e desumanas, regadas a miséria, doenças, superlotação, violência e torturas – consequentemente, locais de amplo recrutamento de facções criminosas e do tráfico de drogas. Nenhuma mudança ocorreu no primeiro ano de Lula-Alckmin. Eis as formas como o estado garante a “lei e a ordem” nessa sociedade: alimentando a criminalidade e a barbárie nas camadas mais pobres!

A relação entre o aparelho repressivo do estado e a criminalidade não se esgota por aí. É muito comum as polícias possuírem ligações abertas com o tráfico, o crime organizado e as milícias. Em várias comunidades do país, a gestão da violência ocorre por meio da concorrência ou da coordenação entre agentes legais e ilegais, entre policiais, milicianos e crime organizado. Disputas e articulações que só fazem crescer a guerra interna contínua existente no país. Situação de guerra na qual muitos demagogos buscam crescer eleitoralmente, prometendo falsas soluções para a população desesperada e vitimada pela alta violência. A violência “anormal” que vivemos é a “normalidade” dessa sociedade desigual!

Assim como no caso dos militares, as polícias passaram recentemente por um amplo processo de politização, em forte articulação com o bolsonarismo, e de luta para atender seus interesses corporativos. O papel conivente das polícias do DF com as tentativas de desestabilização bolsonarista na capital do país, após as eleições, foi um claro exemplo recente dessa politização. Além disso, a presença do bolsonarismo entre as polícias do Brasil possui muitos outros indícios. Em 2021, o coronel da polícia militar do estado de São Paulo, Aleksander Lacerda, usou suas redes sociais para criticar o governo estadual e convocar para atos bolsonaristas. Em 2022, foram quase 2 mil policiais candidatos nas eleições. O partido que mais concentrou tais candidatos foi o PL, de Jair Bolsonaro.
  1. Lula-Alckmin e o Reforço do Aparelho Repressivo Policial
Além de ter convocado ex-governadores que ampliaram a letalidade e a violência de suas polícias estaduais para importantes cargos (e até uma pessoa ligada às milícias!), o governo Lula-Alckmin tem agido em prol de várias demandas das polícias.

Uma das críticas do gabinete de transição de Lula-Alckmin ao governo Bolsonaro foi exatamente sua falta de valorização da segurança pública (!). No relatório final do gabinete de transição, afirma-se:

“o atual governo [Bolsonaro] foi marcado por uma baixa implementação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) [criado em 2018, por Temer!]. O Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social apresentou várias fragilidades, que foram reforçadas com a falta de valorização do trabalho dos policiais”.

A partir deste diagnóstico, o governo atual vem ampliando os investimentos nas polícias e implementado novas legislações repressivas.

Uma das mais graves medidas legais nesse contexto é a nova lei orgânica das polícias e bombeiros militares. De acordo com os pesquisadores Adilson Paes de Souza e Gabriel Feltran:

“O projeto foi aprovado na Câmara em dezembro de 2022, com relatoria do deputado bolsonarista Capitão Augusto (PL-SP) e apoio da bancada da bala. Encaminhado ao Senado, ganhou prioridade em um acordo de bancadas e contou com atuação favorável do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, indicado ao STF (Supremo Tribunal Federal). O senador Fabiano Contarato (PT-ES) se tornou relator do projeto, e o texto foi aprovado sem debate, por acordo de líderes”.

Em dezembro, essa lei foi sancionada com vetos por Lula. Uma parte dos vetos vai contra a ampliação, sem previsão orçamentária, de gastos públicos (por exemplo, criação de sistema de proteção social semelhante às forças armadas). Outros vetos dizem respeito a propostas polêmicas, como a criação de ouvidorias diretamente subordinadas ao comandante-geral, e não aos órgãos do executivo. Há por fim, vetos que buscam ajustes na lei, evitando conflitos com outras legislações. Segundo Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os vetos “não mudam a essência fundamental do projeto. Eu acho que o governo optou por sancionar o projeto na essência do que chegou do Congresso “.

Assim, os pontos mais problemáticos da lei continuam de pé. Por exemplo, de acordo com a FSP, “o presidente não vetou […] o dispositivo que esvaziava o poder de secretarias de segurança pública. O artigo 29 diz que os comandantes são responsáveis perante os governadores, eliminando a figura do secretário nessa relação”.

Segundo Souza e Feltran, trata-se de uma legislação ainda mais autoritária do que a da época da ditadura militar: com a nova lei, as polícias se tornam mais autônomas politicamente, com ainda mais frágil controle civil, e os dispositivos repressivos das polícias se ampliam. Para os pesquisadores:

“Livres de controle, interno ou externo, as PMs poderão, por exemplo, ‘produzir, difundir, planejar, orientar, coordenar, supervisionar e executar ações de inteligência e contrainteligência’ (artigo 5º, inciso XI), o que permitiria criar órgãos semelhantes ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e marchar sobre as competências atuais das polícias civis e da Polícia Federal. […] Em relação à realização de eventos e atividades em locais públicos, a lei prevê que caberá às PMs emitir manifestação técnica sobre a realização de atos (artigo 5º, inciso XVI). As corporações poderão proibir a realização de manifestações ou protestos em vias públicas? Poderão proibir a realização de determinadas manifestações culturais? Infelizmente, parece que sim”.

O governo também sancionou a lei orgânica nacional das polícias civis, que igualmente atende os interesses corporativos desse setor do aparelho repressivo de estado. Tais policiais tiveram assegurados por lei: direito a porte de arma de fogo em todo o território nacional, mesmo após aposentadoria; prisão especial; ingresso e livre trânsito em qualquer recinto; estabilidade; pensão vitalícia em caso de morte; dentre outras demandas. Mas os vetos presidenciais não entregaram todas as regalias desejadas, o que gerou ruído com as entidades representativas dessas categorias.

Outra categoria beneficiada pelo governo federal foi a de guardas municipais de todo o país. Atendendo a demandas da categoria, o novo governo, por meio de decreto, ampliou os poderes repressivos de todas essas guardas. Agora as guardas terão segurança jurídica para realizarem patrulhamento preventivo, atendimento de ocorrências graves e prisões em flagrante. “Guardas municipais mais fortes e com mais segurança jurídica para atuarem na segurança pública, em defesa da sociedade“, afirmou o futuro ministro do STF, Flávio Dino.

No final do ano, o governo afagou as secretarias de segurança pública de todo o país com 700 viaturas e R$ 78 milhões para investimento. No total, em 2023, esse valor incluiu R$ 1,1 bilhão do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), R$ 335 do Fundo Nacional Penitenciário (Funpen), R$ 364 milhões em equipamentos e R$ 319 milhões em emendas parlamentares, além de R$ 290 milhões apenas em diárias e 1.419 viaturas.

Assim como no caso das forças armadas, na política de segurança pública do governo Lula-Alckmin não há nenhum indício de “desbolsonarização”. Tal política tem consolidado o patamar repressivo anterior, além de buscar avançar mais, a partir de mais investimento e novas legislações reacionárias.

Ainda no âmbito da segurança pública, há o grave caso da privatização de presídios, medida reacionária que visa piorar ainda mais as brutais condições de vida dos presos (pretos, pobres e muitos injustiçados) e explorar sua força de trabalho, tornando o sistema prisional um espaço lucrativo para os capitalistas. O próprio Bolsonaro buscou abrir espaço para a privatização de presídios, reforçando os primeiros casos de parceria com setor privado. Já o governo Lula-Alckmin incluiu por decreto presidencial o sistema prisional entre os setores elegíveis para concessão ao setor privado, radicalizando assim a própria legislação original de Temer. Agora, as privatizações de presídios serão impulsionadas com incentivo e investimento do governo federal. Segundo o defensor público Bruno Shimizu, “existe uma continuidade entre o governo Bolsonaro e Lula quando avaliamos a estratégia de privatização dos presídios”.

O primeiro leilão de presídio sob o governo Lula-Alckmin já aconteceu. Por um valor de R$ 2,5 bilhões, a empresa Soluções Serviços Terceirizados (já punida por falta de higiene) será responsável pela construção e administração, por 30 anos, do Presídio de Erechim, no Rio Grande do Sul. Como informa a Pastoral Carcerária, “para a construção da unidade, o governo gaúcho conseguiu financiamento de R$ 150 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)”. A privatização contou ainda com apoio da secretaria especial do programa de parcerias de investimentos da presidência da república (SEPPI) e do banco interamericano de desenvolvimento (BID).

Mas o governo Lula-Alckmin e os governos estaduais de direita e bolsonaristas querem mais! Avançam também na privatização do sistema socioeducativo, que atende adolescentes autores de atos infracionais ou em cumprimento de medidas punitivas. O primeiro leilão de unidades de socioeducação de Minas Gerais está marcado para o início do ano que vem. O projeto conta com o apoio da Caixa Econômica Federal e com verbas do Fundo de Apoio à Estruturação de Projetos de Concessão (FEP), coordenado pela SEPPI.
  1. Resistir à Guerra Contínua do Capitalismo, seu Estado e Aparelhos Repressivos contra as Massas Trabalhadoras!
O capitalismo no Brasil se formou sob a proteção de órgãos de repressão e controle extremamente violentos contra as classes dominadas. O nível de vida da maioria sempre foi muito baixo, com condições desumanas de vida e trabalho, no campo e na cidade, o que também fomentou altos índices de violência e criminalidade.

Na recente conjuntura de crise e ofensiva burguesa, o aparelho repressivo de estado, em seus diversos órgãos mais ou menos “legais”, foi aprimorado e reforçado pelos últimos governos. Uma maior repressão é essencial para que a burguesia mantenha seus lucros. O contexto de crise política também fez avançar o poder dos militares e policiais, que, em união com o bolsonarismo, elevaram os riscos de golpes e regimes políticos ainda mais autoritários.

A política de repressão do novo governo Lula-Alckmin fundamentalmente consolida esse cenário, inclusive com alguns avanços reacionários adicionais. Mais uma vez, um governo do PT atende aos interesses repressivos da burguesia e aprimora instrumentos de coerção contra as classes dominadas. Além disso, o atual governo tem se rendido ao quadro de bolsonarização das forças armadas e das polícias, nem mesmo servindo para debelar a ameaça fascista que coloca o próprio governo em risco, como se viu no dia 8 de janeiro do ano passado.

A perspectiva para o proletariado e para as demais classes trabalhadoras nos próximos anos é de guerra contínua, muita violência e repressão. O risco golpista e a postura autoritária estão sedimentados nas corporações militares. Por isso, a resistência contra o avanço repressivo e autoritário precisa estar na ordem do dia. Um exemplo tem sido a luta de diversas organizações e entidades contrárias à privatização dos presídios. Outros exemplos são as mobilizações e protestos contra as chacinas promovidas por policiais e milicianos nas periferias e no campo.



É o povo trabalhador o alvo dessa militarização e guerra em curso no país. É preciso reforçar a organização e a luta independente, pois as armas desse estado estão apontadas contra nós!


Edição: Página 1917

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