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segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Filosofia, Senso Comum e Hegemonia

Hoje celebramos os 133 anos do nascimento do revolucionário italiano Antonio Gramsci. Um dos fundadores do Partido Comunista Italiano em 1921 e seu principal dirigente desde 1924, até ser preso pelo regime fascista de Mussolini em 1926. Após dez anos prisioneiro em condições precárias, sem o tratamento de saúde que necessitava, Gramsci morreu dois dias após ser expedido o seu alvará de soltura, quando estava internado numa clínica em Roma.

Durante muitas décadas após a sua morte, intérpretes interessados em transformá-lo num ideólogo da transição pacífica e gradual do capitalismo ao socialismo, ou seja, da colaboração de classes, fizeram de tudo e, ainda fazem, para conseguir seu intento mistificador. Porém, a leitura atenta da sua obra e o conhecimento da sua trajetória de militante comunista nos ajudam a colocar por terra essas interpretações falaciosas. Os escritos anteriores a prisão e as elaborações que produziu durante o cárcere se revelam fontes fundamentais para o desenvolvimento teórico e prático dos revolucionários na atualidade. (nota do editor)


Antonio Gramsci

Antonio Gramsci*

"Um movimento filosófico só merece este nome na medida em que busca desenvolver uma cultura especializada para restritos grupos de intelectuais ou, ao contrário, merece este nome na medida em que, no trabalho de elaboração de um pensamento superior ao senso comum e cientificamente coerente, jamais se esquece de permanecer em contato com os "simples" e, melhor dizendo, encontra neste contato a fonte de problemas que devem ser estudados e resolvidos. Só através desse contato é que uma filosofia se torna "histórica", depura-se dos elementos intelectualistas de natureza individual e se transforma em "vida". (1)

[...] a filosofia da praxis (2) não busca manter os "simplórios" na sua filosofia primitiva do senso comum, mas busca, ao contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se ela afirma a exigência do contato entre os intelectuais e os simplórios não é para limitar a atividade científica e para manter uma unidade no nível inferior das massas, mas justamente para forjar um bloco intelectual-moral, que torne politicamente possível um progresso intelectual de massa e não apenas de pequenos grupos intelectuais.

O homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem consciência teórica desta sua ação, que, não obstante, é um conhecimento do mundo na medida em que o transforma. Pode ocorrer, inclusive, que a sua consciência teórica esteja historicamente em contradição com o seu agir. É quase possível dizer que ele tem duas consciências teóricas (ou uma consciência contraditória) : uma, implícita na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transformação prática da realidade; e outra, superficialmente explícita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica. Todavia, esta concepção "verbal" não é inconsequente: ela liga a um grupo social determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção da vontade, de uma maneira mais ou menos intensa, que pode, inclusive, atingir um ponto no qual a contraditoriedade da consciência não permita nenhuma ação, nenhuma escolha e produza um estado de passividade moral e política. A compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de "hegemonias" políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real. A consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam. Portanto, também a unidade de teoria e prática não é um fato mecânico, mas um devenir histórico, que tem a sua fase elementar e primitiva no senso de "distinção", de "separação", de independência apenas instintiva, e progride até a possessão real e completa de uma concepção do mundo coerente e unitária. É por isso que se deve chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa - além do progresso político prático - um grande progresso filosófico, já que implica e supõe necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequadas a uma concepção do real que superou o senso comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos."

Nota de Gramsci:

(1) Talvez seja útil distinguir "praticamente" a filosofia do senso comum, para melhor indicar a passagem de um momento ao outro. Na filosofia, destacam-se notadamente as características de elaboração individual do pensamento; no senso comum, ao invés, as características difusas e dispersas de um pensamento genérico de uma certa época em um certo ambiente popular. Mas toda filosofia tende a se tornar senso comum de um ambiente, ainda que restrito (de todos os intelectuais). Trata-se, portanto, de elaborar uma filosofia que - tendo já uma difusão ou possibilidade de difusão, pois ligada à vida prática e implícita nela - se torne um senso comum renovado pela coerência e pelo vigor das filosofias individuais. E isto não pode ocorrer se não se sente permanentemente, a exigência do contato cultural com os "simplórios".

Nota do editor:

(2) Gramsci se refere a filosofia marxista, ao materialismo histórico.

*Antonio Sebastiano Francesco Gramsci, foi um filósofo marxista, teórico político, jornalista, fundador e secretário-geral do Partido Comunista Italiano. Nascimento: 22 de janeiro de 1891, Ales, Itália - Falecimento: 27 de abril de 1937, Roma, Itália

Fonte: Concepção Dialética da História, Antonio Gramsci, p. 18-21; 2ª edição, 1978, Civilização Brasileira.

Edição: Página 1917


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