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sábado, 10 de junho de 2023

O Militarismo e as Guerras Vindouras

István Mészáros*

2003

"Podemos de fato prever sem hesitação, com base nas instabilidades já visíveis, a explosão de pesados antagonismos entre as maiores potências no futuro. Mas será que isso em si, ignorando as determinações causais que estão na raiz dos desenvolvimentos imperialistas, poderá dar uma resposta às contradições sistêmicas que estão em jogo? Seria ingenuidade pensar que tal será possível."

Bombardeio nuclear no Japão em 1945. 


Não é a primeira vez na História, nos nossos dias, que o militarismo pesa na consciência dos povos como um pesadelo. Entrar em pormenores seria demasiado longo. Basta, contudo, remontar ao século XIX, quando o militarismo como importante instrumento da tomada de decisões políticas se afirmou, com a erupção do imperialismo moderno à escala mundial, em contraste com as suas variedades iniciais, muito mais limitadas. No último terço do século XIX, não só os Impérios Britânico e Francês dominavam vastos territórios, como também os Estados Unidos deixaram a sua pesada marca ao tomarem direta ou indirectamente o controle das antigas colônias do Império Espanhol na América Latina, acrescentando-lhes a sangrenta repressão de uma grande luta de libertação nas Filipinas e instalando-se como dirigentes nessa região de um modo que ainda persiste de uma forma ou de outra. Também não devemos esquecer as calamidades provocadas pelas ambições imperialistas do "Chanceler de Ferro" Bismarck e prosseguidas de forma reforçada pelos seus sucessores, que provocaram o desencadear da Primeira Guerra Mundial e o seu rescaldo profundamente antagônico, trazendo consigo o revanchismo de Hitler e pressagiando assim muito claramente a própria Segunda Guerra Mundial.

Os perigos e sofrimentos imensos causados por todas as tentativas de resolução de problemas sociais profundamente arraigados através de intervenções militares, seja a que escala for, são sobejamente evidentes. Todavia, se observarmos mais de perto a tendência histórica das aventuras militaristas, verificamos de forma assustadoramente clara que elas revelam uma intensificação cada vez maior e uma escala cada vez mais ampla, que vai de confrontos locais até duas terríveis guerras mundiais no século XX e à potencial aniquilação da Humanidade, quando chegar a nossa vez.

É bastante pertinente citar, neste contexto, o distinto oficial prussiano e estrategista, não só prático como teórico, Karl Marie von Clausewitz (1780-1831), que morreu no mesmo ano que Hegel, igualmente de cólera. Foi von Clausewitz, Director da Escola Militar de Berlim nos últimos treze anos da sua vida, que, no seu livro publicado a título póstumo — Vom Kriege (“Sobre a Guerra”, 1833) —, deu uma definição clássica e ainda hoje frequentemente citada da relação entre a política e a guerra: “ a guerra é a continuação da política por outros meios”.

Esta famosa definição era sustentável até há muito pouco tempo, mas tornou-se totalmente insustentável nos nossos dias. Pressupunha a racionalidade das ações que estabelecem uma ligação entre os domínios da política e da guerra como continuação uma da outra. Neste sentido, a guerra em causa tinha de ser vencível, pelo menos em princípio, mesmo se se podiam prever erros de cálculo que levassem à derrota a nível instrumental. A derrota em si não podia destruir a racionalidade da guerra como tal, dado que, depois da — todavia desfavorável — nova consolidação da política, a parte derrotada podia planejar outra ronda de guerra como continuação racional da sua política por outros meios. Assim, a condição absoluta da equação de von Clausewitz a satisfazer era a vencibilidade da guerra em princípio, de modo a recrear o "eterno ciclo" da política que leva à guerra e desta à política que leva a outra guerra e assim por diante ad infinitum. Os intervenientes nestes confrontos eram os Estados nacionais. Não importava quão monstruosos eram os danos infligidos aos adversários, e mesmo ao seu próprio povo (recordem-se de Hitler!), a racionalidade da ação militar estava garantida se a guerra pudesse ser considerada vencível em princípio.

Atualmente, a situação é qualitativamente diferente. Por dois motivos principais. Primeiro, o objetivo da guerra viável na fase atual de desenvolvimento histórico, em conformidade com os requisitos do imperialismo em termos de objetivo — a dominação mundial pelo Estado mais poderoso do capital, em sintonia com os seus próprios desígnios políticos de “globalização” autoritária impiedosa (disfarçada de “comércio livre” num mercado mundial dominado pelos EUA) —, é finalmente não vencível, pressagiando, antes pelo contrário, a destruição da Humanidade. Nem o mais peregrino exercício de imaginação poderia levar a considerar tal objetivo como racional de acordo com o requisito racional estipulado da “continuação da política por outros meios” conduzido por uma nação, ou por um grupo de nações contra outra. Impor agressivamente a vontade de um Estado poderoso a todos os outros, mesmo que por razões táticas de cinismo a guerra defendida seja absurdamente camuflada como uma “guerra puramente limitada” que conduz a outras “guerras limitadas sem fim determinado”, apenas pode, por conseguinte, ser qualificado de irracionalidade total.

O segundo motivo reforça grandemente o primeiro. No que se refere às armas já disponíveis para vencer a guerra ou guerras do século XXI, existem pela primeira vez na História armas capazes de exterminar não apenas o adversário mas toda a Humanidade. Também não devemos ter a ilusão de que essas armas serão as últimas a serem desenvolvidas. Outras armas, ainda mais eficazmente mortais, poderão surgir amanhã ou depois de amanhã. Além disso, a ameaça de utilização dessas armas é atualmente considerada um instrumento estratégico inaceitável. Assim, juntemos os dois motivos acima expostos e a conclusão é incontornável: encarar a guerra como mecanismo de dominação global no mundo atual demonstra que nos encontramos no precipício da irracionalidade absoluta, do qual não poderemos recuar se aceitarmos o atual curso de desenvolvimento. O que faltava na definição clássica de guerra de von Clausewitz como “continuação da política por outros meios” era a procura das causas subjacentes mais profundas da guerra e a possibilidade de as evitar . O desafio que consiste em enfrentar essas causas é hoje em dia mais urgente do que nunca: a guerra do século XXI que se perfila no horizonte não só não é “vencível em princípio”, mas, pior do que isso, é em princípio não vencível. Por conseguinte, perspectivar o prosseguimento da guerra, tal como o faz o documento de estratégia da administração americana, de 17 de Setembro de 2002, faz com que a irracionalidade de Hitler pareça um modelo de racionalidade.

Desde o 11 de Setembro de 2001 que Washington tem vindo a impor as suas políticas agressivas ao resto do mundo de forma claramente cínica. A justificação dada para a pretendida transição da “tolerância liberal” para o que agora se designa por “defesa firme da liberdade e da democracia” é que, em 11 de Setembro de 2001, os EUA se tornaram vítima do terrorismo mundial, e que esta circunstância exige como resposta imperativa vencer uma indefinida e indefinível — mas de fato arbitrariamente definida da forma como convém aos círculos mais agressivos dos EUA — "guerra contra o terrorismo". Considera-se que a expedição militar no Afeganistão não passa da primeira de uma série ilimitada de "guerras preventivas" a empreender no futuro. A próxima na lista é o próprio Iraque, grande aliado favorecido da América até há bem pouco tempo, a fim de permitir a apropriação pelos EUA dos vastos recursos petrolíferos do Médio Oriente — e com o objetivo de assegurar o controle, estrategicamente crucial, dos mesmos recursos dos potenciais rivais.

Todavia, a ordem cronológica na atual doutrina militar norte-americana é apresentada completamente invertida. Na realidade, está fora de questão uma "mudança de rumo" após o 11 de Setembro de 2001, considerada possível pela dúbia eleição de G. Bush para a Presidência em lugar de Al Gore, dado que o democrata Clinton aplicava o mesmo tipo de políticas que o seu sucessor republicano, embora de uma forma um pouco mais camuflada. Quanto ao ex-candidato democrata à presidência Al Gore, declarou em Dezembro de 2002 que apoiava integralmente a guerra contra o Iraque, porque essa guerra "não significaria uma mudança de regime" mas apenas o "desarmamento de um regime que possui armas de destruição massiva". É possível ouvir algo de mais cínico e hipócrita do que isto?

Há muito que estou firmemente convencido de que, desde o início da crise estrutural do capital nos finais dos anos 60 ou princípios dos anos 70, vivemos numa fase do imperialismo qualitativamente diferente, com os Estados Unidos como força esmagadoramente dominante. Chamei-lhe "a nova fase histórica do imperialismo hegemónico mundial" no meu livro Socialism or Barbarism: From the 'American Century' to the crossroads (Socialismo ou Barbárie: do Século Americano à Encruzilhada).

A crítica do imperialismo norte-americano — em contraste com as fantasias moldáveis do "imperialismo desterritorializado", que não deveria acarretar a ocupação militar dos territórios de outras nações — constitui o tema central do meu livro. O longo capítulo intitulado " The potentially deadliest phase of imperialism" (a fase potencialmente mais mortal do imperialismo ) foi escrito dois anos antes do 11 de Setembro de 2001 e fazia parte de uma palestra proferida em 19 Outubro de 1999, em Atenas. Nesse artigo, sublinhei que "a forma derradeira de ameaçar o adversário no futuro — a nova 'diplomacia de canhoneira' — será a chantagem nuclear". Desde a data em que estas linhas foram publicadas, pela primeira vez num periódico grego, até à data de publicação do livro, em italiano, em Agosto de 2000, a abominável e prevista mudança de estratégia militar para a derradeira ameaça nuclear — que poderia dar início a uma ação militar que precipitaria a destruição da Humanidade — deixou de ser camuflada, passando a ser a política norte-americana oficial abertamente professada. Também não deveríamos imaginar que a declaração aberta de tal doutrina estratégica é uma tranquila ameaça contra um "eixo do mal" retoricamente propagandeado. No fim de contas, foram os Estados Unidos que utilizaram realmente a arma atômica de destruição massiva contra os habitantes de Hiroshima e Nagasaki.

Quando refletimos nestas questões de extrema gravidade, não nos podemos satisfazer com nenhuma sugestão que aponte para uma conjuntura política particular e de transição. Antes pelo contrário, devemos inseri-las no seu contexto de desenvolvimento estrutural — econômica e politicamente necessário — profundamente enraizado. Isto é extremamente importante, se quisermos conceber uma estratégia viável para combater as forças responsáveis pelo nosso perigoso estado de coisas. A nova fase histórica do imperialismo hegemônico mundial não é simplesmente a manifestação das relações existentes da "grande política do poder", com vantagem esmagadora para os EUA, contra a qual um realinhamento futuro entre os Estados mais poderosos, ou mesmo algumas manifestações bem organizadas na arena política, poderia afirmar-se. Infelizmente, é muito pior do que isso, pois tais eventualidades, mesmo que pudessem resolver algo, deixariam inalteradas as causas e determinações estruturais subjacentes.

Efetivamente, a nova fase de imperialismo hegemônico mundial está preponderantemente sob o controle dos EUA, ao passo que os outros poderes eventualmente imperialistas no seu conjunto parecem aceitar o papel de se pendurarem na aba do casaco dos norte-americanos, embora de modo algum até à eternidade. Podemos de fato prever sem hesitação, com base nas instabilidades já visíveis, a explosão de pesados antagonismos entre as maiores potências no futuro. Mas será que isso em si, ignorando as determinações causais que estão na raiz dos desenvolvimentos imperialistas, poderá dar uma resposta às contradições sistêmicas que estão em jogo? Seria ingenuidade pensar que tal será possível.

Neste ponto, gostaria de sublinhar uma preocupação central, ou seja que a lógica do capital é absolutamente inseparável dos imperativos da dominação do mais fraco pelo mais forte. Mesmo quando se pensa no que em geral se considera o elemento mais positivo do sistema — a competição que dá origem à expansão e ao progresso — o seu companheiro necessário é o caminho para o monopólio e a subjugação ou o extermínio dos concorrentes que se atravessam no caminho do monopólio auto-afirmativo. O imperialismo, por sua vez, é o resultado necessário da marcha inelutável para o monopólio. As diferentes fases do imperialismo personificam e afectam mais ou menos diretamente as mudanças do desenvolvimento histórico em curso.

Relativamente à atual fase em que se encontra o imperialismo, dois aspectos estreitamente relacionados assumem extrema importância. O primeiro é que a última tendência material/econômica do capital é para a integração mundial que, todavia, não pode assegurar a nível político. Isto deve-se em grande medida ao fato de o sistema capitalista mundial se ter fragmentado ao longo da História sob a forma de uma multiplicidade de Estados nacionais divididos e, na realidade, antagonicamente opostos. Nem sequer as mais violentas colisões imperialistas do passado puderam produzir um resultado duradouro a este respeito. Não puderam fazer com que o Estado nacional mais poderoso impusesse de forma permanente a sua vontade aos Estados rivais. O segundo aspecto do nosso problema, que constitui a outra face da mesma moeda, é que, apesar de todos os esforços, o capital não conseguiu produzir o Estado do sistema capitalista enquanto tal. Isto continua a ser a mais grave complicação para o futuro, não obstante tudo o que se diz da "globalização". O imperialismo hegemônico mundial dominado pelos EUA é uma tentativa, em última análise condenada, de se impor a todos os outros — mais cedo ou mais tarde recalcitrantes — Estados nacionais como o Estado "internacional" do sistema capitalista enquanto tal. Também neste ponto nos deparamos com uma contradição de peso, pois mesmo os recentes, mais agressivos e abertamente ameaçadores documentos de estratégia dos EUA tentam justificar as suas políticas apelidadas de "universalmente válidas" em nome dos "interesses nacionais americanos", recusando ao mesmo tempo essas considerações aos outros.

Aqui podemos ver a relação contraditória entre uma contingência histórica — encontrando-se atualmente o capital americano na sua posição preponderante — e a necessidade estrutural do próprio sistema capitalista. Este último pode ser resumido como o avanço material irreprimível do capital no sentido da integração monopolística mundial seja por que preço for, mesmo que signifique pôr diretamente em perigo a própria sobrevivência da Humanidade. Por conseguinte, mesmo que se possa vencer no plano político a força da atualmente prevalecente contingência histórica dos EUA — que foi precedida de outras configurações imperialistas no passado e pode muito bem ser seguida de outras no futuro (se conseguirmos sobreviver aos actuais perigos explosivos) —, a necessidade estrutural ou sistêmica emanente da lógica finalmente monopolística mundial continua a ser tão pressionante como sempre. Pois seja qual for a forma específica que uma futura contingência histórica possa assumir, a necessidade sistêmica subjacente tem de continuar a ser a marcha para a dominação mundial.

Por conseguinte, a questão não reside apenas em determinados empreendimentos militaristas de alguns círculos políticos, empreendimentos esses que poderiam ser enfrentados e superados ao nível político-militar. As causas são muito mais profundas e não podem ser combatidas sem a introdução de mudanças bastante fundamentais nas determinações sistêmicas mais internas do capital como modo de controle social metabólico — de reprodução global — que abarca não só o domínio político-militar, mas também as mais mediatas inter-relações culturais e ideológicas. Até a expressão "complexo militar-industrial" — introduzida numa acepção crítica pelo Presidente Eisenhower, que sabia algumas coisas sobre esta questão — indica claramente que aquilo que nos preocupa é algo de muito mais firmemente enraizado e tenaz do que algumas determinações (e manipulações) político-militares diretas que poderiam, em princípio, ser invertidas a esse nível. A guerra como a "continuação da política por outros meios" ameaçar-nos-á sempre no atual modelo de sociedade, e nos nossos dias com aniquilamento total. Ameaçar-nos-á enquanto não formos capazes de enfrentar as determinações sistêmicas na raiz da tomada de decisões políticas, que tornaram as guerras necessárias no passado. Essas determinações encurralavam os vários Estados nacionais no círculo vicioso da política conducente a guerras, e as guerras traziam consigo políticas cada vez mais antagônicas que tinham de explodir em guerras cada vez maiores. Para este debate e de forma um tanto otimista, abstraiamo-nos da contingência histórica do capitalismo americano atual e continuaremos ainda em presença da necessidade sistêmica da cada vez mais destruidora ordem de produção do capital, o que realça as mutáveis mas crescentemente perigosas contingências históricas específicas.

A produção militarista, hoje em dia primariamente personificada no "complexo militar-industrial", não é uma entidade independente, regulada por forças militaristas autônomas que são também responsáveis pelas guerras. Rosa Luxemburgo foi a primeira a colocar estas relações na sua perspectiva correta, já em 1913, na sua obra clássica A Acumulação do Capital,(1) publicada em inglês cinquenta anos mais tarde, e na qual a autora sublinhava profeticamente, há noventa anos, a crescente importância da produção militarista, sublinhando que:

Em última análise, o próprio capital controla este movimento automático e rítmico de produção militarista através da ação legislativa e de uma imprensa cuja função consiste em moldar a chamada “opinião pública”. É por isso que este domínio particular da acumulação capitalista parece capaz de expansão ilimitada.”

Estamos, por conseguinte, preocupados com um conjunto de indeterminações que devem ser encaradas como partes de um sistema orgânico. Se queremos lutar contra a guerra enquanto mecanismo de governo mundial, como o devemos fazer, a fim de salvaguardar a nossa própria existência, temos de situar as mudanças históricas que tiveram lugar nas últimas décadas no seu quadro causal próprio. A concepção de um Estado nacional superpoderoso, que controlaria todos os outros, seguindo os imperativos emanentes da lógica do capital, só pode conduzir ao suicídio da Humanidade. Ao mesmo tempo, deve também reconhecer-se que a contradição aparentemente insolúvel entre aspirações nacionais — que explodem ciclicamente em antagonismos devastadores — e internacionalismo só pode ser resolvida se for regulada numa base totalmente equitativa, o que é completamente inconcebível na ordem hierarquicamente estruturada do capital.

Assim sendo, a fim de conceber uma resposta historicamente viável aos desafios colocados pela atual fase do imperialismo hegemônico mundial, devemos combater a necessidade sistêmica do capital de subjugação do trabalho a nível global por meio de qualquer agência social específica que possa assumir o papel que lhe é atribuído nessas circunstâncias. Naturalmente isto só é viável através de uma alternativa — radicalmente diferente — ao caminho do capital para a globalização monopolista/imperialista, no espírito do projeto socialista, incorporada num movimento de massas que desabroche progressivamente. Pois só quando essa “patria es humanidad"— para utilizar as belas palavras de José Martí — se tornar uma realidade irreversível, é que a contradição destrutiva entre desenvolvimento material e relações políticas humanamente compensadoras será definitivamente relegada para o passado.

Permitam-me concluir citando o que escrevi há três anos e meio atrás sobre a chamada "terceira via", tão cara aos propagandistas do governo "neo-trabalhista” britânico e outros quejandos. Foi assim que vi a solução e é assim que continuo a vê-lo agora:

"Aqueles que falam de 'uma terceira via' como solução para o nosso dilema de Socialismo ou Barbárie , afirmando que não pode haver lugar para o renascimento de um movimento de massas radical, ou querem desiludir-nos chamando cinicamente à sua aceitação escravagista da ordem dominante 'a terceira via', ou não conseguem entender a gravidade da situação, colocando a sua fé num resultado que desejam positivo e não conflitual, que vem sendo prometido há quase um século, mas que nunca esteve próximo, nem sequer de mais uma polegada. A inquietante verdade desta questão é que, se não há futuro para um movimento de massas radical na nossa época, tal como alguns dizem, também não pode haver futuro para a própria Humanidade."

Se eu tivesse de alterar as dramáticas palavras de Rosa Luxemburgo, relativamente aos perigos que enfrentamos hoje, acrescentaria a "socialismo ou barbárie": "barbárie, se tivermos sorte" — no sentido de que o extermínio da Humanidade é a última concomitante da via de desenvolvimento destrutiva do capital. E o mundo dessa terceira possibilidade, para além das alternativas de "socialismo ou barbárie", apenas serviria para as baratas, que se diz serem capazes de aguentar elevados níveis mortais de radiações nucleares. É este o único significado racional de terceira via do capital.

A terceira fase atualmente operacional e potencialmente mortífera do imperialismo hegemônico mundial, correspondente à profunda crise estrutural do sistema capitalista como um todo no plano político e militar, não nos permite tranquilidade nem nos dá segurança. Pelo contrário, lança a sombra mais negra possível sobre o futuro, se o movimento socialista não for capaz de resolver com êxito os desafios históricos que enfrenta, no espaço de tempo que temos ao nosso alcance. É por este motivo que o próximo século terá de ser o século do 'socialismo ou barbárie'."

*István Mészáros (1930-2017) nasceu em Budapeste, na Hungria. Graduou-se em filosofia na Universidade de Budapeste, onde foi assistente de György Lukács no Instituto de Estética. Deixou o país após o levante de outubro de 1956 e exilou-se na Itália, onde trabalhou na Universidade de Turim. Posteriormente, ministrou aulas em diferentes universidades do mundo. É reconhecido como um dos principais intelectuais marxistas contemporâneos e recebeu, entre outras distinções, o Deutscher Memorial Prize, em 1970, por A teoria da alienação em Marx. Pela Boitempo, publicou Para além do capital (2002), O século XXI (2003), O poder da ideologia (2004), A educação para além do capital (2005), O desafio e o fardo do tempo histórico (2007), Filosofia, ideologia e ciência social (2008), A crise estrutural do capital (2009), Estrutura social e formas de consciência, v. I e II (2009 e 2011), Atualidade histórica da ofensiva socialista (2010), A obra de Sartre (2012), O conceito de dialética em Lukács (2013), A montanha que devemos conquistar (2015), A teoria da alienação em Marx (2016), A revolta dos intelectuais na Hungria (2018) e Para além do Leviatã (2021).

Edição: Página 1917.

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