Coordenação de Núcleos Comunista (CNC)
01/06/23
O balanço que cabe à classe operária fazer das últimas eleições municipais, e autonómicas em alguns territórios, assim como da convocação antecipada de eleições gerais, nada tem a ver com as análises histéricas daqueles que se desesperam pela derrocada de “a esquerda”.
O que esperavam? Que enquanto os governos ditos “progressistas” executam disciplinadamente o programa do grande capital e afundam-se literalmente na miséria as condições e sobretudo as expectativas de vida da classe operária e de amplos sectores do povo, essa mesma gente os apoiasse fazendo caso da sua única proposta: “vota em nós, senão vem o VOX”?
O que aconteceu foi o previsível, talvez da forma mais rápida e mais rotunda do que caberia esperar: a enésima substituição do PSOE pelo PP, o avanço discreto do VOX e a liquidação do experimento Podemos. A efémera existência dos “roxos” [referência ao partido Podemos, conhecido por essa cor, NT] durou o tempo necessário para que a burguesia o usasse como canalização eleitoral das mobilizações populares que em 2014 despejavam na rua a sua indignação pelos ataques com que os poderes de facto pretendiam “sair” da crise.
Chegou a hora de constatar que, salvo diferenças em aspectos menores, todos os partidos institucionais obedecem disciplinadamente aos mandamentos da grande burguesia, cujos interesses são representados pela UE e pela OTAN. Todas e cada uma das suas políticas respondem às necessidade de um capitalismo em crise agónica que tenta sobreviver elevando de modo insaciável a exploração da classe operária e apropriando-se, como nunca antes, dos recursos públicos. Seus instrumentos são a concentração e centralização de capital em cada vez menos mãos, a destruição maciça de emprego, a aniquilação de pequenos e médios agricultores e pecuaristas em benefício das grandes multinacionais e a destruição e privatização dos serviços públicos. Para justificá-lo, não cessam de criar “relatos” com diversos guiões como a alteração climática, o capitalismo verde, as pandemais ou os gastos militares, que além disso lhe permite continuarem a chupar como hienas os fundos públicos.
A miséria, a insegurança, a falta de futuro estendem-se como um tsunami entre a classe operária.
Do outro lado da moeda, a da realidade asfixiante da imensa maioria da população trabalhadora, ao desemprego e à precaridade soma-se a insuportável carestia de bens de primeira necessidade: os alimentos, a habitação, a luz, o gás, a gasolina, ou seja, de tudo o que é imprescindível para sobreviver.
Uns poucos dados oficiais refletem a ponta do iceberg do desastre quotidiano que vive a classe operária. E a classe operária somos todos, jovens, maiores, mulheres, imigrantes, precários ou com “emprego estável”. Somos a enorme massa informe, que às vezes toma consciência do seu imenso poder. Somos aqueles que, nascidos aquí ou em qualquer outro sítio, dependemos totalmente da venda da nossa força de trabalho, de modo que, se não conseguimos que a comprem, espera-nos a queda na mesma miséria daqueles que afogam o seu desespêro no álcool, nos estupefacientes vários ou nos medicamentos. Esse é o drama quotidiano que se oculta por trás de todos estes números, que explode no silêncio dos mais de 4 000 suicídios anuais ou que se enraiza nos cérebros anestesiados por ansiolíticos e antidepressivos, tentando assim acalmar o sofrimento insuportável de uma vida sem sentido:
A metade da população, entre ele dois milhões e meio de trabalhadores empregados não chega ao fim do mês.
Meio milhão de empregadas domésticas ganha menos do que o salário mínimo.
Os números oficiais de desemprego juvenil ultrapassam os 40%
Dos dois milhões e duzentos mil trabalhadores com emprego temporário, 75% são mulheres.
As pensões não contributivas, daqueles que não chegaram a cumpri os requisitos, 445 000 pessoas, são em média de 412 euros. As pensões das mulheres são 22,3% inferiores às dos homens.
A proporção de fixos descontínuos, que vão para a rua quanto a empresa necessita, aumentou 1000%.
Aumentaram em 400% os contratados “fixos” que não superaram o período de prova.
A maior parte dos trabalhadores e trabalhadoras de empresas subcontratadas na suposta saúde pública ganha o salário mínimo, que segundo o INE não é suficiente para cobrir o custo de vida. Exemplo: o custo médio do arrendamento de uma habitação em Madrid é de 780 euros mensais.
Os salários por convénio, que são a minoria, aumentaram 2,8% enquanto o preço dos alimentos subiu 15,7% e o das rendas de casa e hipotecas cerca de 20%.
Quais são as causas imediatas do desastre que nos assola?
Uma boa parte das causas foi criada diretamente pelas suas próprias políticas. A inflação é o resultado do endividamente maciço e da criação fictícia de dinheiro (12 milhões de milhões de dólares/euros nos últimos cinco anos), da alta dos preços da energia em consequência das sanções à Rússia, ou da destruição de empresas causada pela paralização da economia, sem justificação sanitária alguma, com o pretexto do Covid.
Menção especial merece o espetacular incremento dos gastos militares. O governo “progressista” com o apoio de todas as forças políticas aprovou um aumento sem precedentes do orçamento militar em 25% para 2023, que já está previsto aumentar de novo após a Cimeira da OTAN do próximo mês de Julho. Tudo isso para alimentar os fascistas da Ucrânia, numa guerra não declarada – ainda – da OTAN contra a Rússia. O resultado, já anunciado por Borrell, será mais cortes nos já exangues serviços públicos.
A causa fundamental
O capitalismo é um vampiro insaciável que se alimenta com as nossas vidas. E não se trata só de os salários serem baixos. O sistema capitalista obriga os trabalhadores e trabalhadoras a sacrificar a melhor parte das suas qualidades humanas para conseguir os “milagres” do progresso que só alguns desfrutam. E a negação quotidiana da essência e da dignidade humana das trabalhadoras e dos trabalhadores, sobre a qual se erigue o capitalismo, é a causa fundamental do sofrimento vital que se diagnostica como enfermidade mental e que se afoga com medicamentos.
Além disso, neste momento, o capitalismo agoniza na crise mais profunda da sua história e, em consequência, sua natureza predatória se torna mais cruel e criminosa do que nunca.
O epicentro da crise está na UE, que num harakiri só compreensível pelo punho de ferro do imperialismo se está a desindustrializar a passos gigantescos em benefício dos EUA, especialmente a sua “locomotiva”, a Alemanha. O FMI prevê que a metade dos países da UE estejam em recessão em 2023.
Tal como em outras crises, a burguesia aproveita para limpar o mercado e isso quer dizer destruição maciça de emprego (uns 40% a menos, calculam), miséria generalizada e guerra.
O seu problema é como fazê-lo mantendo as rédeas do poder, ou seja, sem que uma revolução operária e popular acaba com o seu sistema criminoso. A experiência da pandemia Covid mostra com clareza como pensam cometê-lo. Propõem-se construir um novo cenário de terror que nos paralize e destrua o pensamento, para aplicar sem resistência sua capacidade de controle social mediante os meios de comunicação, as leis repressivas – as atuais e as que preparam, como a Lei de Segurança Nacional – e os aparelhos do Estado ao seu serviço.
Escolheremos assistir impotentes à nossa destruição como seres humanos dignos e como classe operária consciente ou nos organizaremos para destruir este sistema criminoso?
Esse é o dilema que enfrentamos e nada tem a ver com processos eleitorais. Nesse pântano só conseguiremos confundir o povo e enfraquecer cada vez mais as nossas forças.
Agora, quando o capitalismo mostra a sua cara mais feroz porque já não lhe restam as máscaras do “bem-estar” para ocultar-se atrás, o dilema é: “ou eles, ou nós”, “ou a morte ou a vida”.
Fizeram-nos crer que são todo-poderosos e que nós, os que tornam possível a cada dia a reprodução da vida, não somos nada.
Será efetivamente assim?
Ou, precisamente, é a hora da classe operária, à qual tantas vezes e com tão poderosos meio quiseram matar?
A classe operária francesa nos últimos tempos mostrou-nos como a luta de classes, a unidade dos trabalhadores, homens, mulheres, jovens, imigrantes, precários e menos precários, pode tornar impossível a ação do governo e como a solidariedade de classe engendra novas formas de organização.
As revoluções operárias triunfantes ao longo da história, que surgiram justamente em situações de grandes crises e em momentos de guerra, mostraram o que mais teme a burguesia: que é possível destruir seu poder e organizar a sociedade e a vida de outra maneira, à maneira dos trabalhadores. Seu exemplo nos mostra o caminhos, e seus acertos e erros, a possibilidade de aprender e de abrir novas vias.
No nosso país também há lutas operárias importantes, ainda que desconexas, e se está à procura de novas formas de organização à margem do sindicalismo vendido ao patronato ou ao governo. O problema é a sua dispersão, que nos priva da aprendizagem obtida em cada luta, da acumulação de forças e, sobretudo, da falta de objetivos políticos pelo menos entre os sectores mais conscientes.
Ninguém disse que será fácil, mas para os mais conscientes dentre nós não cabe a opção de esperar passivamente o que se avizinha.
O futuro que nos preparam é de destruição e morte. A esperança está na organização, consciente e tenaz, e na luta.
O exemplo de gerações anteriores de homens e mulheres combatentes nos dá a força necessária e nos mostra o caminho. Teremos que construir o nosso, aquí e agora. O tempo, nosso tempo, urge.
Fonte: https://resistir.info/espanha/tempo_urge_02jun23.html
Edição: Página 1917
Nenhum comentário:
Postar um comentário