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sábado, 6 de junho de 2020

Capital e Pós-capitalismo*

István Mészáros**
Junho de 2011

       Em várias ocasiões, argumentei, mas não realcei suficientemente, que o objeto da crítica de Marx não era o capitalismo, mas o capital. Ele não estava preocupado em demonstrar as deficiências da produção capitalista, mas imbuído da grande tarefa histórica de livrar a humanidade das condições sobre as quais a satisfação das necessidades humanas deve ser subordinada à "produção do capital". Ou seja, livrar a humanidade das condições desumanizadoras sobre as quais ganham legitimidade apenas aqueles valores de uso, não importa quão desesperadamente necessários, que possam caber na camisa de força dos valores de troca lucrativamente produzidos pelo sistema. Em termos históricos, podemos identificar conjuntos de determinações que permanecem incorporadas à constituição estrutural do sistema do capital, como se fossem "camadas geológicas" ou "arqueológicas". Cronologicamente, a mais recente pertence à fase capitalista do desenvolvimento que se estendeu apenas pelos últimos 400 anos. Temos o capitalismo porque o capital se impôs, com sua força, o seu poder econômico. 

     As especificidades de nosso tempo, citadas em meus livros, diferem das circunstâncias históricas em que Marx se encontrava, mas ambas se inscrevem no sistema do capital. Por exemplo, o sistema pós-capitalista (o tipo soviético de reprodução social) não pode ser caracterizado como produção generalizada de mercadorias, que extrai o trabalho excedente e o regula por meios econômicos, por sua conversão em mais-valia e acumulação de capital. É por isso que Gorbachev e seus seguidores tiveram que restaurar o capitalismo a fim de instituir sua quimera de "socialismo de mercado", o que obviamente não deu em nada. Sob o sistema do capital pós-capitalista a dominação do capital sobre o trabalho continua sob a forma de extração do trabalho excedente pela via política, por meio de um órgão hierarquicamente distinto, e não por sua extração econômica e conversão em valor excedente a ser atribuída pelas "personificações do capital econômico" e do mercado (a famosa "mão invisível" de Adam Smith).

     Os países capitalistas avançados são os mais destrutivos e em muitos aspectos nos trazem de volta à condição da barbárie. A tendência é sempre resolver os problemas com guerras e destruições. Na Primeira Guerra, os aliados saíram vitoriosos, mas criaram Hitler. Além disso, a tendência do "capitalismo avançado" é a metamorfose de sua fase do pós-guerra caracterizada pelo "Estado de bem estar" (com sua ideologia de "benefícios universais de previdência" e a concomitante rejeição da "avaliação de rentabilidade"), em sua nova realidade de "previdência social dirigida": a designação atual da avaliação da rentabilidade, com suas cínicas pretensões de "eficiência econômica" e "racionalidade", adotadas até pelo antigo adversário social-democrata sob o slogan de "novo realismo". 

     O sistema de sociometabolismo do capital é o complexo caracterizado pela divisão hierárquica do trabalho, que subordina suas funções vitais ao capital. O capitalismo é uma das formas possíveis da realização do capital, uma de suas variantes históricas, presente na fase caracterizada pela generalização da subsunção real do trabalho ao capital, que Marx denominava como capitalismo pleno. Assim como existia capital antes da generalização do capitalismo (de que são exemplos o capital mercantil, o capital usurário, etc.), as formas recentes de sociometabolismo permitem constatar a continuidade do capital mesmo após o capitalismo, por meio da constituição daquilo que eu chamo de "sistema de capital pós-capitalista", de que foram exemplos a URSS e demais países do Leste Europeu. Esses países pós-capitalistas não conseguiram romper com o sistema de metabolismo do capital e a identificação conceitual entre capital e capitalismo fez que todas as experiências revolucionárias vivenciadas no século XX se mostrassem incapacitadas para superar esse sistema. Mas eu não me encontro entre os que se conformaram com essa fukuyamização pseudo-hegeliana que á a máxima do fim da história.

     Acredito que o socialismo é, sim, o nosso futuro. Porque o sistema que nós temos hoje está de fato destruindo a humanidade, destruindo a natureza, destruindo os recursos naturais. Porque se baseia no crescimento a todo custo e a todo preço. Entretanto, como penosas experiências históricas nos ensinaram, nosso problema não é simplesmente "a derrota do capitalismo". Mesmo à medida que esse objetivo possa ser atingido, com certeza será apenas uma realização instável, porque tudo o que pode ser destruído, pode também ser restaurado. A verdadeira - e muito difícil - questão é a necessidade de mudança estrutural radical. O sentido palpável de tal mudança estrutural é a completa erradicação do próprio capital do processo sociometabólico.

     O capital em si mesmo é um modo geral de controle; o que significa que ele ou controla tudo ou implode como um sistema de controle reprodutivo da sociedade. Consequentemente, o capital não pode ser controlado em alguns de seus aspectos, deixando de lado os demais. Todas as tentativas de medidas e modalidades para "controlar" as várias funções do capital em uma base duradoura falharam no passado. Tendo em vista sua falta de controle estruturalmente arraigada, o capital deve ser completamente erradicado. Este é o significado central do trabalho de toda a vida de Marx.

* Fonte: Revista Sociologia, edição 36, agosto-setembro/2011.
   Edição: Página 1917

** István Mészáros (Budapeste, 19 de dezembro de 1930 - Londres, 01 de Outubro de 2017) foi um filósofo húngaro e está entre os mais importantes intelectuais marxistas da atualidade. Professor emérito da Universidade de Sussex, na Inglaterra, onde ensinou filosofia por quinze anos, anteriormente foi também professor de Filosofia e Ciências Sociais na Universidade de York, durante quatro anos.

István Mészáros provém de uma família modesta, tendo sido criado pela mãe, operária, e, por força da necessidade, tornou-se ele também trabalhador em uma indústria de aviões de carga, quando mal entrava na adolescência. Com apenas doze anos, o jovem István alterou seu registro de nascimento para alcançar a idade mínima de dezesseis anos e ser aceito pela fábrica. Assim, como homem adulto, passava a receber maior remuneração que a de sua mãe, operária qualificada da Standard Radio Company (uma corporação transnacional estadunidense). A diferença considerável entre suas remunerações semanais foi a primeira experiência marcante e a mais tangível em seu aprendizado sobre a natureza dos conglomerados estrangeiros e da exploração particularmente severa das mulheres pelo capital.

Somente após o final da Segunda Guerra, em 1945, pôde de dedicar melhor aos estudos. Começou a trabalhar como assistente de Lukács no Instituto de Estética da Universidade de Budapeste, em 1951, e defendeu sua tese de doutorado, em 1954. Mészáros seria o sucessor de Lukács na Universidade, porém, após o levante húngaro de outubro de 1956 e com a entrada das tropas soviéticas na Hungria, exilou-se na Itália, onde lecionou na Universidade de Turim, indo posteriormente trabalhar na St. Andrews (Escócia), onde recebeu o título de Professor Emérito, em 1991. Fonte: Wikipédia




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