Julius Fucik¹
Escrito na prisão da Gestapo em Pankrac (Praga) durante a primavera de 1943.
Julius Fucik |
Aumentam os montes de mortos. Não se contam por dezenas nem por centenas, mas por milhares. O sangue sempre fresco excita as narinas das bestas. "Despacham" até altas horas da noite. "Despacham" até aos domingos. Agora todos vestem a farda de SS. É a sua festa, a festa do crime. Mandam para a morte operários, professores, camponeses, escritores, empregados; assassinam homens, mulheres e crianças; exterminam famílias inteiras; aldeias inteiras são arrasadas e queimadas. A morte pelo chumbo passeia por todo o país como se fosse peste, e não escolhe o alvo.
E o homem no meio desse terror?
Vive.
É incrível. Mas vive, come, dorme, ama, trabalha e pensa, até mesmo em milhares de coisas que não têm qualquer relação com a morte. Talvez a sua cabeça suporte uma carga terrível, mas mantêm-na erguida, sem sucumbir sob o peso.
Mais ou menos no meio do período de estado de sítio o "meu comissário" levou-me a Branik. O belo mês de junho perfumava-se como o aroma das tílias e das tardias flores de acácia. Era um domingo à tarde. A estrada, nos terminais dos bondes, era insuficiente para a precipitada multidão dos que regressavam do passeio. Regressavam ruidosos, alegres, agradavelmente cansados, envolvidos pelo sol, pela água e pelos braços dos seres amados. A morte, somente a morte, que agitava em seu redor, ameaçando-os também, era a única coisa que não se refletia nos seus rostos. Movimentavam-se saltitantes e graciosos como os coelhos. Como os coelhos. Estenda a mão e escolha um dele, aquele que lhe apetecer. Fogem para um canto, mas daí a instantes começam novamente a mover-se, com todas as suas preocupações, as suas alegrias e o seu desejo de viver.
De repente fui transplantado do mundo da prisão, rodeado de muralhas, para este rio torrencial; a princípio saboreei com amargura a sua doçura beatífica.
Não era justo; não era justo.
Era a vida o que eu via ali; a vida submetida a uma terrível pressão, abatida num e crescendo numa centena. A vida, que é mais forte do que a morte. E isso não é amargo.
Fonte: A Hora Obscura, p. 89, Expressão Popular, 1ª edição, 2001.
Edição: Página 1917.
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