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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Proletariado e Pequena Burguesia

                                                                                                Francisco Martins Rodrigues
                                                                                                                 Em Anti-Dimitrov                                                                                                                                   

                                                                                        

   O povo revolucionário, operário-pequeno-burguês, unido na luta pela democracia e pela salvação da nação — é esta a argamassa ideológica com que Dimitrov construiu a sua política de frente popular antifascista. Argamassa estranha ao princípio marxista da luta de classe proletariado-burguesia.

— Mas como? — dirão aqueles que se agarram à aparência das palavras para fugir ao encadeamento dos raciocínios. — Não disse Dimitrov com toda a clareza que “só a atividade revolucionária da classe operária ajudará a utilizar os conflitos que surgem inevitavelmente no campo da burguesia para minar a ditadura fascista e a derrubar”? Não insistiu ele incansavelmente na necessidade de agrupar o proletariado num “exército combativo único lutando contra a ofensiva do Capital e do fascismo”?

Sem dúvida. Mas aquilo que deu com uma mão, tirou com a outra. Uma atividade realmente revolucionária do proletariado contra o fascismo tinha como único suporte a crítica às outras classes antifascistas, a demarcação face a elas, a independência política — justamente aquilo que Dimitrov lhe retirou. O que Dimitrov chamava de “atividade revolucionária da classe operária”, e desde então passou a ser entendido pelos partidos comunistas como tal, é a ocupação das primeiras linhas da luta comum antifascista, é o papel de servente e força de choque do movimento geral (isto é: burguês) antifascista.

Cabe ao proletariado desempenhar o principal papel na luta do povo” — esta fórmula “avançada” que, desde há meio século, centristas e revisionistas repetem à boca cheia como prova do seu leninismo, é talvez a sua maior falsificação do leninismo, na medida em que, sob uma aparência radical, ilude a questão da hegemonia. Hegemonia do proletariado, a palavra incômoda que Dimitrov se “esqueceu” de usar, uma só vez que fosse, no seu relatório.*

Lenine não se cansara de denunciar como os mencheviques, sob frases sonoras acerca da “acão revolucionária do proletariado”, negavam a este o papel de condutor do processo revolucionário e lhe reservavam um papel vistoso mas subalterno de motor ao serviço da burguesia liberal, uma vez que o punham a lutar “na vanguarda” das reivindicações políticas dessa burguesia.

Preparar a revolução, dissera Lenine, é em última análise levar o proletariado a diferenciar-se como classe face a todos os partidos burgueses. A independência política do proletariado não depende apenas da existência de um partido operário. Ela depende da capacidade de o seu partido “lhe revelar, pela teoria e pela prática, todas as facetas da burguesia e da pequena burguesia.

Era justamente essa revelação das “facetas da burguesia e da pequena burguesia” que Dimitrov suprimia quando calava o papel contra-revolucionário por elas desempenhado no ascenso do fascismo, quando inventava um alinhamento revolucionário da social-democracia e dos partidos pequeno-burgueses para justificar um bloco com essas forças, quando recuperava os valores da Democracia e da Nação. A pretexto de melhor isolar o fascismo, comprometia de fato toda a possibilidade de diferenciação do proletariado como classe e retirava toda a capacidade revolucionária à política de frente popular. Não são as frases sobre a “atividade revolucionária da classe operária” que podem anular este fato.

Somos um partido da classe”, “um partido revolucionário”, mas estamos prontos às ações comuns com as outras classes e os outros partidos; temos um objectivo final revolucionário, mas estamos prontos a lutar em comum pelas tarefas imediatas; temos métodos revolucionários de luta, mas estamos dispostos a apoiar os métodos de luta dos outros partidos(32).

Com esta formulação, tipicamente centrista, do discurso de encerramento do congresso, Dimitrov tentou fazer crer que o proletariado podia pôr-se ao serviço das reivindicações da pequena burguesia sem renunciar à defesa dos seus próprios interesses revolucionários, adotar os métodos reformistas de ação das outras classes sem desistir dos seus próprios métodos revolucionários de luta, apoiar a liberalização do regime burguês sem abandonar a luta pela revolução.

Isto era uma falsificação completa do leninismo. Lenine considerava necessários todos os compromissos e manobras tácticas, lutas por reformas, etc., apenas desde que favorecessem em cada momento a elevação da consciência revolucionária do proletariado, a sua preparação para o combate decisivo. Lenine não tinha dúvida sobre “a necessidade, a necessidade absoluta de a vanguarda do proletariado, de a sua parte consciente, do partido comunista, manobrar, fazer acordos e compromissos com os diversos grupos de proletários, os diversos partidos de operários e pequenos empresários”. Mas, acentuava, “a questão está em saber aplicar esta táctica de modo a elevar e não baixar o nível da consciência geral do proletariado, o seu espírito revolucionário, a sua capacidade de lutar e de vencer”.

O que Dimitrov fez foi quebrar a unidade leninista entre táctica e estratégia. A um lado ficou, empalhada, a fidelidade aos princípios, a outro lado, a política do possível em tempos de fascismo. Somos revolucionários, mas enquanto não há condições para a revolução, vamos sendo reformistas...

A vida iria comprovar o fracasso desta política. Ao rebaixar a intervenção política do proletariado ao nível aceitável para a pequena burguesia, no âmbito da frente popular, os partidos comunistas aprisionaram o movimento operário, e com ele todo o movimento popular, nos limites do democratismo burguês, castraram-no, impediram-no de se voltar a levantar. Quando a política de frente popular foi levada às suas últimas consequências, descobriu-se que o proletariado perdera pelo caminho o seu bem mais precioso, a consciência dos seus interesses próprios, a independência política.

E assim, a política de Dimitrov não só bloqueou a passagem à luta revolucionária, que prometera para depois da queda do fascismo, como inclusive comprometeu por toda a parte esse próprio movimento antifascista que tanto ansiava por reforçar.

 Fonte: https://www.marxists.org/portugues/rodrigues/1985/anti-dimitrov/01.htm

* Grifos do editor: Página 1917.




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