István Mészáros*
2003
Palestina: genocídio e destruição confirmam o avanço da barbárie. |
[...] A produção militarista, hoje em dia primariamente personificada no "complexo militar-industrial", não é uma entidade independente, regulada por forças militaristas autônomas que são também responsáveis pelas guerras. Rosa Luxemburgo foi a primeira a colocar estas relações na sua perspectiva correta, já em 1913, na sua obra clássica "A Acumulação do Capital", publicada em inglês cinquenta anos mais tarde, e na qual a autora sublinhava profeticamente, há noventa anos, a crescente importância da produção militarista, sublinhando que:
“Em última análise, o próprio capital controla este movimento automático e rítmico de produção militarista através da ação legislativa e de uma imprensa cuja função consiste em moldar a chamada “opinião pública”. É por isso que este domínio particular da acumulação capitalista parece capaz de expansão ilimitada.”
Estamos, por conseguinte, preocupados com um conjunto de indeterminações que devem ser encaradas como partes de um sistema orgânico. Se queremos lutar contra a guerra enquanto mecanismo de governo mundial, como o devemos fazer, a fim de salvaguardar a nossa própria existência, temos de situar as mudanças históricas que tiveram lugar nas últimas décadas no seu quadro causal próprio. A concepção de um Estado nacional superpoderoso, que controlaria todos os outros, seguindo os imperativos imanentes da lógica do capital, só pode conduzir ao suicídio da Humanidade. Ao mesmo tempo, deve também reconhecer-se que a contradição aparentemente insolúvel entre aspirações nacionais — que explodem ciclicamente em antagonismos devastadores — e internacionalismo só pode ser resolvida se for regulada numa base totalmente equitativa, o que é completamente inconcebível na ordem hierarquicamente estruturada do capital.
Assim sendo, a fim de conceber uma resposta historicamente viável aos desafios colocados pela atual fase do imperialismo hegemônico mundial, devemos combater a necessidade sistêmica do capital de subjugação do trabalho a nível global por meio de qualquer agência social específica que possa assumir o papel que lhe é atribuído nessas circunstâncias. Naturalmente isto só é viável através de uma alternativa — radicalmente diferente — ao caminho do capital para a globalização monopolista/imperialista, no espírito do projeto socialista, incorporada num movimento de massas que desabroche progressivamente. Pois só quando essa “patria es humanidad"— para utilizar as belas palavras de José Martí — se tornar uma realidade irreversível, é que a contradição destrutiva entre desenvolvimento material e relações políticas humanamente compensadoras será definitivamente relegada para o passado.
Permitam-me concluir citando o que escrevi há três anos e meio atrás sobre a chamada "terceira via", tão cara aos propagandistas do governo "neo-trabalhista” britânico e outros quejandos. Foi assim que vi a solução e é assim que continuo a vê-lo agora:
"Aqueles que falam de 'uma terceira via' como solução para o nosso dilema de Socialismo ou Barbárie , afirmando que não pode haver lugar para o renascimento de um movimento de massas radical, ou querem desiludir-nos chamando cinicamente à sua aceitação escravagista da ordem dominante 'a terceira via', ou não conseguem entender a gravidade da situação, colocando a sua fé num resultado que desejam positivo e não conflitual, que vem sendo prometido há quase um século, mas que nunca esteve próximo, nem sequer de mais uma polegada. A inquietante verdade desta questão é que, se não há futuro para um movimento de massas radical na nossa época, tal como alguns dizem, também não pode haver futuro para a própria Humanidade."
Se eu tivesse de alterar as dramáticas palavras de Rosa Luxemburgo, relativamente aos perigos que enfrentamos hoje, acrescentaria a "socialismo ou barbárie": "barbárie, se tivermos sorte" — no sentido de que o extermínio da Humanidade é a última via de desenvolvimento destrutiva do capital. E o mundo dessa terceira possibilidade, para além das alternativas de "socialismo ou barbárie", apenas serviria para as baratas, que se diz serem capazes de aguentar elevados níveis mortais de radiações nucleares. É este o único significado racional de terceira via do capital.
A terceira fase atualmente operacional e potencialmente mortífera do imperialismo hegemônico mundial, correspondente à profunda crise estrutural do sistema capitalista como um todo no plano político e militar, não nos permite tranquilidade nem nos dá segurança. Pelo contrário, lança a sombra mais escura possível sobre o futuro, se o movimento socialista não for capaz de resolver com êxito os desafios históricos que enfrenta, no espaço de tempo que temos ao nosso alcance. É por este motivo que o próximo século terá de ser o século do 'socialismo ou barbárie'."
*István Mészáros (1930-2017) nasceu em Budapeste, na Hungria. Graduou-se em filosofia na Universidade de Budapeste, onde foi assistente de György Lukács no Instituto de Estética. Deixou o país após o levante de outubro de 1956 e exilou-se na Itália, onde trabalhou na Universidade de Turim. Posteriormente, ministrou aulas em diferentes universidades do mundo. É reconhecido como um dos principais intelectuais marxistas contemporâneos e recebeu, entre outras distinções, o Deutscher Memorial Prize, em 1970, por A teoria da alienação em Marx. Pela Boitempo, publicou Para além do capital (2002), O século XXI (2003), O poder da ideologia (2004), A educação para além do capital (2005), O desafio e o fardo do tempo histórico (2007), Filosofia, ideologia e ciência social (2008), A crise estrutural do capital (2009), Estrutura social e formas de consciência, v. I e II (2009 e 2011), Atualidade histórica da ofensiva socialista (2010), A obra de Sartre (2012), O conceito de dialética em Lukács (2013), A montanha que devemos conquistar (2015), A teoria da alienação em Marx (2016), A revolta dos intelectuais na Hungria (2018) e Para além do Leviatã (2021).
Edição: Página 1917.
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