Henri Lefebvre*
É necessário remontar aos princípios do cristianismo ou ao tempo das guerras de religião — embora o marxismo nada tenha de comum com uma nova religião — para encontrar na história uma doutrina tão atacada, tão caluniada e tão perseguida como é hoje a de Karl Marx.
Henri Lefebvre |
Tem-se desenvolvido uma violenta luta “ideológica”
em torno deste grande pensador. Esta luta “ideológica” não é mais que uma
manifestação e um aspecto de lutas de classes e de lutas políticas muito
vastas, à escala de todo o mundo moderno. As “paixões” (isto é, os interesses)
econômicas e políticas explicam a violência desta luta e o seu caráter pérfido
e brutal.
É sabido que, nos seus primórdios, a “ciência
da natureza” suscitou a inquietação e a hostilidade dos poderes estabelecidos.
A condenação de Galileu, ao afirmar que a terra gira, continua viva em todas as
memórias. Esta condenação não passou, aliás, de um episódio, o mais conhecido,
de uma longa, tenaz e dramática luta dos sábios pela liberdade da razão e pelo
conhecimento científico. Censurava-se lhes, naquele tempo, a “impiedade” da
ciência, pelo único fato de não explicarem todas as coisas pela “vontade de
Deus” e pela “Providência”. Também neste caso a luta ideológica servia de capa
a uma luta política. Quem paralisava a ciência nascente da natureza? Quem se
opunha aos seus progressos? Os poderes estabelecidos originários da Idade
Média, os mesmos que viriam a ser vencidos na Grade Revolução de 1789-1793,
pelos princípios da Razão e da Liberdade.
No entanto, muito raramente a reação contra
os primeiros físicos ou químicos foi tão violenta como a ação empreendida nos
tempos modernos contra os marxistas, como por exemplo na Alemanha hitleriana.
Por que? Porque a ligação entre os objetivos da luta política e os da nova
ciência era, então, menos clara e menos imediata que hoje. O Marxismo pretende
ser essencialmente — e é — “ciência da sociedade e da história”. Ora, esse conhecimento
científico da sociedade opõe-se direta e expressamente a certos “poderes
estabelecidos” — os que representam a burguesia e o capitalismo —; mostra que o
seu domínio perde toda a razão de ser e que será substituído por uma
organização nova, mais racional e mais livre, da sociedade. Daí o ódio que
suscita e que a hábil propaganda desses “poderes estabelecidos” espalha contra
uma doutrina que, em si, se apresenta como exclusiva e simplesmente “científica”,
com argumentos e provas “racionais”, e que apenas recorre a razão para se fazer
compreender. (...)
*Henri Lefebvre (Hagetmau,
16 de junho de 1901 — Navarrenx, 29 de junho de 1991) filósofo marxista e
sociólogo francês.
Edição: Página 1917
Fonte: Para Compreender o
Pensamento de Karl Marx; Henri Lefebvre; Edições 70; 1981; Portugal.
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