Francisco Martins Rodrigues* (maio/2002)
Há quem monte vigilância para não deixar entrar o fascismo pela porta e não o veja entrar pela janela…
O imperialismo e a burguesia promovem a fascistização. |
Áustria, Itália, França, Dinamarca,
Holanda… No meio de interrogações e protestos, a extrema direita europeia vai
abrindo caminho como uma força política que já não pode ser ignorada. Os
adeptos da teoria de que a normal rodagem do sistema democrático é o melhor
modo de afastar o perigo fascista ficam embaraçados perante o apoio popular
crescente aos Le Pen e Haider. Tem que se pôr a pergunta: corre a Europa o
risco de ver os neofascistas no poder?
Há quem alegue que esta nova extrema
direita inserida nas instituições nada tem de comum com o fascismo clássico, e
é de fato difícil ver ditadores em potência nos Le Pen ou Haider. Mas também é
ingenuidade demasiada esperar que eles digam agora tudo o que pretendem. Para
já, precisam conquistar força eleitoral afastando receios. O seu verdadeiro
rosto e os seus verdadeiros líderes só noutras condições surgirão.
Asseguram outros que não há razões para
alarme porque o voto nessas forças seria apenas um voto de protesto, sinal de
saudável inconformismo de certas franjas da população. Mas isto é esquecer que
o descontentamento desses eleitores tem um sinal muito especial: eles querem um
Estado forte e uma polícia “musculada” que meta na ordem a juventude dissidente
e feche os imigrantes em guetos ou os expulse. Uma boa parte do eleitorado
europeu defende uma política reacionária.
Naturalmente, esses votantes na extrema
direita são pessoas comuns. São pequenos comerciantes e artesãos enraivecidos
contra os regulamentos de Bruxelas e contra os “vadios” que vivem à custa do
rendimento mínimo; camponeses em desespero devido à concorrência demolidora das
multinacionais; aposentados, sensíveis à intoxicação sobre a insegurança;
jovens totalmente despolitizados, que julgam assim exprimir a sua rebeldia
contra o trabalho precário; assalariados, saturados das trampolinices dos
partidos do sistema, operários de regiões industriais sinistradas, triturados
pela engrenagem das “reestruturações” e pelos despedimentos em massa, que
chegaram ao ponto de ver uma última esperança em demagogos reles. Por duro que
pareça, quem recolheu mais votos operários nas últimas eleições presidenciais
francesas foi Le Pen.
E assim como os antigos fascistas
cresceram ao canalizar as frustrações dos setores populares desorientados para
um alvo preciso (a “conspiração judaico-plutocrática-bolchevista”), também o
fascismo atual cresce apoiado no novo bode expiatório – os imigrantes africanos
e árabes, que “trazem consigo a miséria, a insegurança e, quem sabe, os
atentados terroristas”… A divisão da classe operária entre nacionais e
imigrantes, concorrendo entre si e ignorando-se mutuamente, é hoje, sem dúvida,
um imenso fator de risco que a campanha “antiterrorista” veio acentuar.
Não tenhamos dúvida de que começam a reunir-se na Europa os ingredientes propícios para um ascenso fascista. Na sua esmagadora maioria os votantes nos Fortuyn, Haider, Le Pen e Cia. não são adeptos conscientes do regime fascista. Tal como não o eram os milhões que há 70 anos elegeram Hitler. Aspiram a um Estado que os proteja da crise e lhes dê ordem e sossego – e isso conduz ao fascismo.
Mas isto não quer dizer que o perigo fascista
se esteja a materializar pela sua face mais visível, pelos Le Pen e Cia. Ele
tem outra face menos espalhafatosa, mas muito mais poderosa. Como acaba de se
ver em França: em “defesa” contra o fascismo, eleger políticos “democratas”
cada vez mais reacionários, que em nome do “Estado de direito” vão
tranquilamente tomando as mesmas medidas propostas pelos fascistas. Para Aznar,
Chirac, Schroder, a extrema direita é útil porque cria o ambiente de pânico
securitário e de desorientação propício às medidas que eles próprios têm que
adotar. Como dizia há dois anos o fascista austríaco Haider: “Comparem o meu
programa com o de Tony Blair e vejam como são semelhantes”. Os neofascistas
abrem caminho, os “democratas” levam à prática.
Porque a realidade é que as classes
políticas dirigentes europeias, hoje, seja qual for a sua tendência ou o seu
emblema — liberais, socialistas, cristãos, verdes, ecologistas, “comunistas” —,
sempre que passam pelo governo, cumprem o programa fascizante que lhes cabe
como comissários da grande Europa do Capital: poder irrestrito das
multinacionais, corte nos gastos sociais, desorganização do movimento operário,
repressão dos imigrantes, montagem de um monstruoso sistema de vigilância,
bombardeamento midiático, criminalização dos movimentos dissidentes,
participação em expedições imperialistas.
Nesta época de agonia do sistema, a
democracia burguesa também agoniza, o fascismo brota por todos os poros do
regime político. A burguesia não pode dispensar uma sociedade sem entraves à caça
ao lucro, “bem ordenada”, de pensamento único, embrutecida pela alienação e
pelo medo – e isto é fascismo. Um fascismo diferente do antigo, claro, com
armas nucleares, vigilância electrónica, uma máquina mediática avassaladora, a
corrupção universal – e que por isso mesmo precisa ser administrado por
aparelhos altamente profissionais.
A grande desvantagem dos Le Pen, Haider,
Bossi, Fortuyn, etc., em comparação com os seus antecessores é pois essa: os
homens do grande capital não estão ainda a apostar neles como forças de governo
porque confiam as tarefas essenciais da fascistização da sociedade aos partidos
e aos meios “democráticos”. Aos fascistas é atribuído o papel auxiliar de
catalisadores de correntes reacionárias. Por isso mesmo não recebem meios financeiros
e apoio policial e midiático para criar milícias armadas e partidos de massa.
Mas não haja dúvida. Se amanhã, em
situação de crise e de convulsão, os grupos financeiros que governam a Europa
resolverem apostar em governos “fortes”, os tarados folclóricos de cabeça
rapada e braço estendido voltarão a ser uma ameaça mortal. A burguesia chamará
ao ativo as suas forças políticas de reserva. Os partidos fascistas de combate
surgirão. O terrorismo na Itália dos anos 70 foi uma boa indicação a esse respeito.
Os apelos à frente comum com os grandes
partidos do sistema para “barrar o caminho ao fascismo” levam-nos diretamente
para a boca do lobo. Entre os grandes partidos “democráticos” e os neofascistas
há uma corrente contínua. A luta direta contra os neofascistas tem que ser
inscrita como parte da luta geral contra a “democracia” fascistizante do grande
capital, pela expropriação da burguesia, pela democracia dos trabalhadores.
Fonte: https://anabarradas.com/
** Militante revolucionário de longa data, Francisco Martins Rodrigues foi membro do CC do Partido Comunista Português e viria a romper com o seu reformismo por altura da polêmica sino-soviética, fundando a FAP e o CMLP, a primeira organização marxista-leninista portuguesa. Foi o primeiro a introduzir em Portugal de uma forma organizada as lições da revolução chinesa e o exemplo de Mao Tsétung. Preso várias vezes e barbaramente torturado pela PIDE, manteve-se ao longo de toda a sua vida do lado da Revolução e empenhado na organização de uma corrente comunista revolucionária. O 25 de Abril de 1974 apanhou o camarada "Chico" na prisão e os militares "democratas" do MFA tentaram mantê-lo preso. Só a forte vontade popular e grandes manifestações à porta da prisão o conseguiram libertar. A partir de 1985 e até morrer em 2008 foi diretor da revista "Política Operária", que também fundou. É em nome da prioridade do papel do operariado que, em 1984, abandona o PCP (R) e a UDP, acusando os outros dirigentes de cedências à pequena burguesia. Escreve então o livro "Anti-Dimitrov. 1935-1985 meio-século de derrotas da Revolução" (1985), onde sistematiza a sua crítica ao dimitrovismo, ao estalinismo e ao maoismo. Funda a "Política Operária", a sua última revista, que manteve praticamente até à morte.
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