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quinta-feira, 13 de maio de 2021

O Socialismo Científico*

 Friedrich Engels

     [...] Se as crises revelaram a incapacidade da burguesia para continuar gerindo as forças produtivas modernas, a transformação dos grandes organismos de produção e comunicação em sociedades por ações e em propriedades estatais revela que a burguesia não é necessária para o exercício da gestão.

Friedrich Engels


   Todas as funções sociais do capitalismo são agora asseguradas por empregados remunerados. O capitalista não tem outra atividade social que a de embolsar os rendimentos, juntar ações e jogar na Bolsa onde os diversos capitalistas se espoliam mutuamente. O modo de produção capitalista, que começou por reduzir o número de operários, reduz agora também o dos capitalistas, lançando-os, não no exército industrial de reserva, mas na condição de população supérflua. Mas nem a transformação em sociedades por ações, nem a transformação em propriedades do Estado anulam a qualidade de capital das forças produtivas. No que se refere às sociedades por ações, isso é evidente; por sua vez, o Estado moderno não é mais do que a organização que a sociedade burguesa criou para manter as condições exteriores gerais do modo de produção capitalista, quer contra os ataques dos operários, quer contra os ataques de capitalistas individuais. O Estado moderno, qualquer que seja a sua forma, é uma máquina essencialmente capitalista: é o Estado dos capitalistas, é o capitalista coletivo ideal. Quanto mais se apropria das forças produtivas e quanto mais se torna um capitalista coletivo de fato, tanto mais explora os cidadãos. Os operários continuam a ser assalariados, proletários; o domínio capitalista não é abolido – é elevado ao máximo. Mas, chegando a esse máximo, desequilibra-se: a propriedade do Estado sobre as forças produtivas não soluciona o problema, mas encerra em si o processo formal dessa solução. Ela só pode consistir em que a natureza social das forças produtivas modernas seja efetivamente reconhecida, e que, portanto, o modo de produção, de apropriação e de troca seja harmonizado com aquela natureza social. Isto só pode verificar-se quando a sociedade se apoderar, abertamente e sem desvios, das forças produtivas que se agigantaram demais, a ponto de não poderem ser geridas por outra entidade que não o conjunto da sociedade. É dessa maneira que os produtores farão prevalecer, conscientemente, o caráter social dos meios de produção e dos produtos, que hoje se voltam contra os próprios produtores, desequilibrando periodicamente a produção e a troca, impondo-se através da violência e da destruição, como se fora uma cega lei da natureza. Assim, esse caráter social transformar-se-á, de causa de perturbações e ruínas cíclicas, em possante alavanca do processo de produção.

     Na verdade, as forças socialmente ativas agem como forças da natureza: são cegas, violentas, destruidoras – enquanto não as conhecemos e dominamos. Uma vez identificadas, uma vez compreendida a sua essência, depende apenas de nós controla-las à nossa vontade, utilizá-las para os nossos objetivos. Isto é particularmente correto com relação às enormes forças produtivas atuais. Enquanto nos recusarmos a compreender a sua natureza e o seu caráter - e é a esta compreensão que se opõem o modo de produção capitalista e os seus defensores -, elas atuam, apesar dos nossos esforços, contra nós, dominando-nos. Porém, compreendidas na sua essência, elas podem, nas mãos dos produtores associados, deixar de ser demônios dominadores para serem servos dóceis. É esta a diferença que existe entre a força destruidora da eletricidade contida no raio e a eletricidade dominada no telégrafo e no arco elétrico, a diferença entre o incêndio e o fogo que trabalha para o homem. Conhecida a natureza das forças produtivas atuais, veremos a anarquia social da produção ser substituída por uma regulamentação socialmente planejada da produção, segundo as necessidades tanto da comunidade como de cada indivíduo. Assim, o modo de apropriação capitalista, no qual o produto domina primeiro o produtor e depois o apropriador, será substituído por uma forma de apropriação fundada sobre a natureza dos meios de produção: de um lado, apropriação social direta como meio de conservar e desenvolver a produção; doutro, apropriação individual direta, como meio de subsistência e felicidade. Transformando massas cada vez maiores da população em proletários, o modo de produção capitalista cria o poder que, sob pena de sucumbir, vê-se obrigado a realizar essa revolução. Pressionando cada vez mais no sentido de que os grandes meios de produção passem para as mãos do Estado, ele mostra a via para a realização desta revolução. O proletariado apropria-se do poder do Estado e transfora os meios de produção em propriedade de Estado. Dessa forma, suprimindo-se como proletariado, suprime todas as diferenças e oposições de classe, bem como o Estado enquanto Estado. A sociedade anterior, que se movia no quadro dos antagonismos de classe, necessitava do Estado, isto é, de uma organização da classe exploradora, para poder manter as condições exteriores da produção, mas, principalmente, para dominar pela força a classe explorada nas condições de opressão criadas pelo modo de produção existente (escravatura, servidão, salariado). O Estado era o representante oficial de toda a sociedade, a sua síntese em um corpo social visível, mas apenas na medida em que era o Estado de todos, o que nunca aconteceu: na Antiguidade, o Estado representava os proprietários de escravos; na Idade Média, a nobreza feudal; na nossa época, a burguesia. Quando o Estado, enfim, tornar-se o representante de toda a sociedade, tornar-se-á imediatamente supérfluo. E isso porque já não haverá mais classe social que seja necessário manter na opressão; porque, sendo eliminado o domínio de classes e a luta pela existência individual resultante da anterior anarquia na produção, eliminam-se igualmente os conflitos e os excessos daí derivados. Nada mais há a reprimir, e torna-se desnecessário um poder repressivo, isto é, o Estado. O primeiro ato em que o Estado aparece realmente como o representante de toda a sociedade – é, simultaneamente, o seu último ato enquanto Estado. A intervenção de um poder de Estado nas relações sociais torna-se supérflua num campo após outro, e ele entra naturalmente na inatividade. O governo dos homens cede seu lugar à administração das coisas e à direção das operações de produção. O Estado não é “abolido”: extingue-se. É isto o que torna vazia de sentido a expressão “Estado popular livre”, tanto do ponto de vista da sua legitimação temporária como palavra-de-ordem quanto do ponto de vista da sua influência teórica como ideia científica, esvaziando, ainda, a reivindicação dos chamados anarquistas para os quais o Estado deve ser abolido de uma hora para outra.

[...]Com efeito, a abolição das classes sociais supõe um grau de desenvolvimento histórico em que a existência não apenas de determinada classe dominante, mas da classe dominante em geral e, consequentemente, da própria diferenciação de classes se tornou um anacronismo, uma velharia. Supõe um elevado grau de desenvolvimento da produção, no qual a apropriação dos meios de produção e dos produtos, por conseguinte, o domínio político, o monopólio da cultura e da direção intelectual por uma classe particular, se tornou não apenas supérflua, mas algo que, do ponto de vista econômico, político e intelectual, constitui um obstáculo ao progresso.

[...]  Com a apropriação dos meios de produção pela sociedade, a produção de mercadorias é eliminada e, com ela, elimina-se o domínio do produto sobre o produtor. A anarquia no interior da produção social é substituída pela organização planificada consciente. A luta pela existência individual chega ao fim. Assim pela primeira vez, o homem separa-se, em certo sentido, definitivamente, do reino animal: passa de condições animais de existência para condições verdadeiramente humanas. O conjunto de condições de vida, no qual o homem se insere e que até aqui, o dominava, passa agora a estar sob o seu domínio e controle: pela primeira vez, os homens se tornam senhores reais e conscientes da natureza, enquanto senhores da sua própria vida social. As leis da sua prática social que, até aqui, se lhes apresentavam como leis naturais, são, a partir de agora, manipuladas conscientemente pelos homens, controladas por eles. A vida em sociedade, própria dos homens e que, até aqui, se lhes aparecia como resultante da natureza e da História, surge agora como um ato autêntico e livre. As forças estranhas e objetivas que até agora dominavam a História passam a estar sob o domínio do homem.  Apenas a partir de então os homens podem fazer conscientemente a História; só a partir desse momento as causas sociais postas em movimento por eles terão, de modo preponderante e numa medida cada vez maior, os efeitos por eles pretendidos. Será o salto da humanidade do reino da necessidade para o reino da liberdade.


*Fonte: Friedrich Engels; Org. José Paulo Netto; Editora Ática; 1981.

Edição: Página 1917.




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