Índice de Seções

quarta-feira, 3 de março de 2021

Sobre a Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado *

Lenin

Em tal estado de coisas, a ditadura do proletariado é não só inteiramente legítima como meio de derrubar os exploradores e reprimir a sua resistência, mas também absolutamente necessária para toda a massa dos trabalhadores como única defesa contra a ditadura da burguesia, que conduziu à guerra e prepara novas guerras.



A coisa principal que os socialistas não compreendem, e que constitui a sua miopia teórica que os torna prisioneiros dos preconceitos burgueses, que constitui a sua traição política em relação ao proletariado, é que na sociedade capitalista, quando há uma agudização algo séria da luta de classes que está na sua base, não pode haver meio termo, nada que não seja a ditadura da burguesia ou a ditadura do proletariado. Qualquer sonho com uma terceira via é uma lamentação reacionária de pequeno burguês. Testemunham-no tanto a experiência de mais de cem anos de desenvolvimento da democracia burguesa e do movimento operário em todos os países avançados como, particularmente, a experiência dos últimos cinco anos. Diz também toda a ciência da economia política, todo o conteúdo do marxismo, que explica a inevitabilidade econômica em qualquer economia mercantil da ditadura da burguesia, que só pode ser substituída pela classe desenvolvida, multiplicada, unida e fortalecida pelo próprio desenvolvimento do capitalismo, isto é, a classe dos proletários.

Outro erro teórico e político dos socialistas consiste na incompreensão de que as formas da democracia se modificaram inevitavelmente ao longo dos séculos, a partir dos seus germes na antiguidade, à medida que uma classe dominante ia sendo substituída por outra. Nas antigas repúblicas da Grécia, nas cidades da Idade Média, nos países capitalistas avançados, a democracia tem diferentes formas e um diferente grau de aplicação. Seria o maior absurdo pensar que a revolução mais profunda da história da humanidade, a passagem pela primeira vez no mundo do poder da minoria dos exploradores para a maioria dos explorados, possa verificar-se dentro dos velhos limites da velha democracia burguesa, parlamentar, possa verificar-se sem as mudanças mais radicais, sem a criação de novas formas de democracia, de novas instituições que encarnem as novas condições da sua aplicação, etc.

O que há de semelhante entre a ditadura do proletariado e a ditadura das outras classes é que ela é provocada, como qualquer outra ditadura, pela necessidade de reprimir pela força a resistência da classe que perde a dominação política. A diferença fundamental entre a ditadura do proletariado e a ditadura das outras classes — a ditadura dos latifundiários na Idade Média, a ditadura da burguesia em todos os países capitalistas civilizados — consiste em que a ditadura dos latifundiários e da burguesia foi a repressão pela violência da resistência da imensa maioria da população, isto é, os trabalhadores. A ditadura do proletariado, pelo contrário, é a repressão violenta da resistência dos exploradores, isto é, uma ínfima minoria da população, os latifundiários e os capitalistas.

Daqui decorre, por sua vez, que a ditadura do proletariado deve inevitavelmente trazer consigo não só a modificação das formas e das instituições da democracia, falando em geral, mas precisamente uma sua modificação que possibilite um alargamento nunca visto no mundo da utilização efetiva da democracia por parte dos oprimidos pelo capitalismo, por parte das classes trabalhadoras.

E, com efeito, essa forma da ditadura do proletariado, que foi já elaborada de facto, isto é, o Poder Soviético na Rússia, o Räte-System¹ na Alemanha, os Shop Stewards Committees² e outras instituições soviéticas análogas noutros países, todas elas significam e realizam precisamente para as classes trabalhadoras, isto é, para a imensa maioria da população, uma possibilidade efetiva de gozar os direitos e as liberdades democráticas como nunca existiu, nem mesmo aproximadamente, nas melhores e mais democráticas repúblicas burguesas.

A essência do Poder Soviético consiste em que a base permanente e única de todo o poder de Estado, de todo o aparelho do Estado, é a organização maciça precisamente das classes que eram oprimidas pelo capitalismo, isto é, dos operários e dos semiproletários (camponeses que não exploram trabalho alheio e que recorrem permanentemente à venda, ainda que apenas em parte, da sua força de trabalho). Precisamente as massas que, mesmo nas repúblicas burguesas mais democráticas, sendo iguais em direitos perante a lei, eram de fato afastadas, por mil processos e subterfúgios, da participação na vida política e do gozo dos direitos e liberdades democráticas, são hoje chamadas à participação permanente e necessária, e além disso decisiva, na direção democrática do Estado.

A igualdade dos cidadãos independentemente do sexo, religião, raça, nacionalidade, que a democracia burguesa prometeu em toda a parte e sempre, mas que não realizou em parte alguma nem podia realizar devido à dominação do capitalismo, realiza-a imediata e plenamente o Poder Soviético, ou ditadura do proletariado, pois só está em condições de o fazer o poder dos operários, que não estão interessados na propriedade privada dos meios de produção nem na luta para os repartir uma e outra vez.

A velha democracia, isto é, a democracia burguesa, e o parlamentarismo foram organizados de modo a afastar, mais que ninguém, precisamente as massas dos trabalhadores do aparelho de administração. O Poder Soviético, isto é, a ditadura do proletariado, está organizado, pelo contrário, de modo a aproximar as massas dos trabalhadores do aparelho de administração. Tal é igualmente o objetivo da união dos poderes legislativo e executivo na organização soviética do Estado e da substituição dos círculos eleitorais territoriais pelas unidades de produção, como as fábricas.

O exército não foi um aparelho de repressão apenas nas monarquias. Continua a sê-lo também em todas as repúblicas burguesas, mesmo nas mais democráticas. Só o Poder Soviético, como organização estatal permanente precisamente das classes que eram oprimidas pelo capitalismo, está em condições de destruir a subordinação do exército ao comando burguês e de fundir efetivamente o proletariado com o exército, de realizar efetivamente o armamento do proletariado e o desarmamento da burguesia, sem o que é impossível a vitória do socialismo.

* Trecho das Teses e Relatório Sobre a Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado (I Congresso da Internacional Comunista, 2-6 de Março de 1919)

¹Sistema de Conselhos Operários

²Comités de Delegados de Fábrica que existiram na Grã-Bretanha.

Edição: Página 1917

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caro leitor, ajude a divulgar o Página 1917, compartilhe nossas publicações nas suas redes sociais.

Comentários ofensivos e falsidades não serão publicados.