Carlos Aquino G.*
07/2020
Não é novidade que na prática política haja quem constantemente esteja "refletindo por caminhos sinuosos" ou "pensando fora da caixa" - como dizia Marcos Mundstock a Daniel Rabinovich no genial "biólogo" de Les Luthiers sobre Terpsícore e o merengue -.
Como diz o velho ditado: "A ignorância é atrevida."
Seguramente uma das explicações poderia ser encontrada no chamado efeito Dunning-Kruger, que levanta o caso da superestimação sobre si mesmas que possuem pessoas não qualificadas ou com conhecimento limitado em certas áreas, que tendem a ter pontos de vista desequilibrados e demasiado favoráveis de suas habilidades, por isso eles “sofrem um duplo fardo: não só eles chegam a conclusões erradas e tomam decisões infelizes, mas sua incompetência os priva da capacidade de se dar conta disso.” [1]
Dessa forma, embora
alguns não tenham problemas em assumi-lo e aplicá-lo como tal, é fundamental
insistir que o marxismo-leninismo não é
um catecismo, não tem orações, ritos litúrgicos, pecados mortais, verdades
imutáveis, nem seres
imaculados. É uma superficialidade - compreensível
em alguns casos, mas sempre imperdoável - para alguém que se diz comunista,
simplesmente decorar frases para repeti-las mecanicamente, como se estivessem
recitando versos do Alcorão ou da Bíblia.
Há poucos meses, no
breve escrito “Corrigir
e fortalecer com avaliação autocrítica”,
ressaltava que “O nosso ‘perfil próprio’ se
demonstra na prática, não na quantidade de camisetas que temos do Che, nas
frases de Lenine que nós aprendemos, nem quanto nos proclamamos
marxistas-leninistas”.
É muito grave
conceber dogmaticamente [2] processos sociais e seus personagens destacados, ou
as organizações políticas e seus dirigentes. Daí o pouco peso, valor e
significado que têm os ataques espúrios que se fazem com citações pinçadas e descontextualizadas.
Como bem disse o
astrofísico e divulgador científico Carl Sagan, na série de documentários
televisivos "Cosmos: Uma jornada pessoal" (que completou 40 anos em
2020), devemos “ buscar a verdade, não importa aonde ela nos leve ”, e que “para encontrá-la é preciso imaginação e ceticismo”,
tendo o cuidado de “distinguir a
especulação dos fatos”.
E mais adiante
Sagan insistiria: “Existem muitas hipóteses
na ciência que estão equivocadas, isso é perfeitamente lógico; é a abertura
para encontrar o acerto. A ciência é um processo de autocorreção. […] As ideias novas devem passar por provas rigorosas
e testes de evidência. [...] Suprimir ideias inquietantes pode ser comum na religião ou na política, porém
não é o caminho do conhecimento, sendo
inaceitável para o
esforço científico”.
Ciência! [3] Este é
um termo chave para começar a entender o marxismo-leninismo como " a
ciência do conhecimento e da transformação do mundo, das leis do
desenvolvimento da sociedade, da natureza e do pensamento humano, das vias para
supressão revolucionária do regime de exploração e da construção do comunismo
[...] . Em todas as partes integrantes do
marxismo-leninismo são inerentes o
espírito crítico, atuante, revolucionário e um caráter criativo. […]”
[4]
Assim, pode-se compreender
melhor o que disse Marx (Quanto tinha apenas 27 anos) : “Todos os mistérios que desviam a
teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na prática humana e
na compreensão desta prática.” [5]
Ou seja, para desvendar a “solução racional” dos “mistérios”, não basta exclusivamente a prática, porque esta pode ser repetitiva e burocrática, se faz necessário um método que “elabora, sintetiza e sistematiza teoricamente os conhecimentos”, que “descobre, investiga e explica processos e fenômenos." Portanto, um método científico.
A defesa dos fundamentos do marxismo-leninismo é uma batalha
que vale muito a pena seguir lutando.
[1] Justin Kruger y David Dunning, «Unskilled and unaware of it: How
difficulties in recognizing one's own incompetence lead to inflated
self-assessments» [Não qualificados e ignorantes: Como as dificultades para reconhecer a
própria incompetência levam a autoavaliações infladas], Journal of Personality and Social
Psychology, Nº 77(6), 12/ 1999, American
Psychological Association.
[3] Ciência: [...] sistema de conhecimento sobre as leis do desenvolvimento da natureza e da sociedade. A ciência elabora, sintetiza e sistematiza teoricamente o conhecimento sobre a realidade e o mundo envolvente, descobre leis, investiga e explica os processos e fenômenos que constituem o seu objeto de estudo. […]( Breve diccionario político, Editorial Progreso, 1983).
[4] Comunismo científico. Dicionário, Editorial Progreso, 1985.
[5] Karl Marx, “Tesis sobre Feuerbach” (1845), C. Marx y F. Engels Obras escogidas en tres tomos, Editorial Progreso, 1976.
[6]
Experiência : Prática prolongada que proporciona
conhecimento ou habilidade para fazer algo. [ Dicionário da Língua Espanhola ,
Real Academia Española, 2014].
* Analista político, periodista, membro do Comitê Central do Partido Comunista da Venezuela (PCV).
Edição: Página 1917.
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