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domingo, 14 de março de 2021

Contra a "Catequização" do Marxismo

Carlos Aquino G.*

07/2020

    Não é novidade que na prática política haja quem constantemente esteja        "refletindo por caminhos sinuosos" ou "pensando fora da caixa" - como dizia Marcos Mundstock a Daniel Rabinovich no genial "biólogo" de Les Luthiers sobre Terpsícore e o merengue -.

Como diz o velho ditado: "A ignorância é atrevida."



   Seguramente uma das explicações poderia ser encontrada no chamado efeito Dunning-Kruger, que levanta o caso da superestimação sobre si mesmas que possuem pessoas não qualificadas ou com conhecimento limitado em certas áreas, que tendem a ter pontos de vista desequilibrados e demasiado favoráveis ​​de suas habilidades, por isso eles “sofrem um duplo fardo: não só eles chegam a conclusões erradas e tomam decisões infelizes, mas sua incompetência os priva da capacidade de se dar conta disso.” [1]

   Dessa forma, embora alguns não tenham problemas em assumi-lo e aplicá-lo como tal, é fundamental insistir que o marxismo-leninismo não é um catecismo, não tem orações, ritos litúrgicos, pecados mortais, verdades imutáveis, nem seres imaculados. É uma superficialidade - compreensível em alguns casos, mas sempre imperdoável - para alguém que se diz comunista, simplesmente decorar frases para repeti-las mecanicamente, como se estivessem recitando versos do Alcorão ou da Bíblia.

   Há poucos meses, no breve escrito “Corrigir e fortalecer com avaliação autocrítica”, ressaltava que “O nosso ‘perfil próprio’ se demonstra na prática, não na quantidade de camisetas que temos do Che, nas frases de Lenine que nós aprendemos, nem quanto nos proclamamos marxistas-leninistas”.

   É muito grave conceber dogmaticamente [2] processos sociais e seus personagens destacados, ou as organizações políticas e seus dirigentes. Daí o pouco peso, valor e significado que têm os ataques espúrios que se fazem com citações pinçadas e descontextualizadas.

   Como bem disse o astrofísico e divulgador científico Carl Sagan, na série de documentários televisivos "Cosmos: Uma jornada pessoal" (que completou 40 anos em 2020), devemos “ buscar a verdade, não importa aonde ela nos leve ”, e que “para encontrá-la é preciso imaginação e ceticismo”, tendo o cuidado de “distinguir a especulação dos fatos”.

   E mais adiante Sagan insistiria: “Existem muitas hipóteses na ciência que estão equivocadas, isso é perfeitamente lógico; é a abertura para encontrar o acerto. A ciência é um processo de autocorreção. […] As ideias novas devem passar por provas rigorosas e testes de evidência. [...] Suprimir ideias inquietantes pode ser comum na religião ou na política, porém não é o caminho do conhecimento, sendo inaceitável ​​para o esforço científico”.

   Ciência! [3] Este é um termo chave para começar a entender o marxismo-leninismo como " a ciência do conhecimento e da transformação do mundo, das leis do desenvolvimento da sociedade, da natureza e do pensamento humano, das vias para supressão revolucionária do regime de exploração e da construção do comunismo [...] . Em todas as partes integrantes do marxismo-leninismo são inerentes o espírito crítico, atuante, revolucionário e um caráter criativo. […]” [4]

   Assim, pode-se compreender melhor o que disse Marx (Quanto tinha apenas 27 anos) : “Todos os mistérios que desviam a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na prática humana e na compreensão desta prática.” [5]

   Ou seja, para desvendar a “solução racional” dos “mistérios”, não basta exclusivamente a prática, porque esta pode ser repetitiva e burocrática, se faz necessário um método que “elabora, sintetiza e sistematiza teoricamente os conhecimentos”, que “descobre, investiga e explica processos e fenômenos." Portanto, um método científico.

 A “ experiência ” [6] não se dá pelo mero fato de executar uma atividade por muitos anos, mas requer uma análise integral (crítica e autocrítica) de sua aplicação e resultados, pois essa concatenação de fatores é que produz uma aprendizagem consciente do que foi vivenciado, para seu maior desenvolvimento e melhor aproveitamento (próprio e alheio) em oportunidades posteriores.

A defesa dos fundamentos do marxismo-leninismo é uma batalha que vale muito a pena seguir lutando.

[1] Justin Kruger y David Dunning, «Unskilled and unaware of it: How difficulties in recognizing one's own incompetence lead to inflated self-assessments» [Não qualificados e ignorantes: Como as dificultades para reconhecer a própria incompetência levam a autoavaliações infladas],  Journal of Personality and Social Psychology, Nº 77(6), 12/ 1999, American Psychological Association.

 [2] Dogmatismo : Enfoque imutável que ignora as condições concretas de lugar e tempo em face de tais ou quais problemas. Valer-se de dogmas: as teses abstratas desvinculadas da vida são chamadas de dogmas, que são adotadas como verdades inquestionáveis ​​e são consideradas base suficiente para condenar e refutar diretamente as teses que se opõem a elas. Uma característica do dogmatismo é a fé cega nas autoridades, a defesa de teses obsoletas [...] ou não comprovadas. [...]. (Diccionario filosófico marxista, Ediciones Armadillo,1975).

[3] Ciência: [...] sistema de conhecimento sobre as leis do desenvolvimento da natureza e da sociedade. A ciência elabora, sintetiza e sistematiza teoricamente o conhecimento sobre a realidade e o mundo envolvente, descobre leis, investiga e explica os processos e fenômenos que constituem o seu objeto de estudo. […]( Breve diccionario político, Editorial Progreso, 1983). 

[4] Comunismo científico. Dicionário, Editorial Progreso, 1985. 

 [5] Karl Marx, “Tesis sobre Feuerbach” (1845), C. Marx y F. Engels Obras escogidas en tres tomos, Editorial Progreso, 1976. 

[6] Experiência : Prática prolongada que  proporciona conhecimento ou habilidade para fazer algo. [ Dicionário da Língua Espanhola , Real Academia Española, 2014].

* Analista político, periodista, membro do Comitê Central do Partido Comunista da Venezuela (PCV).

Edição: Página 1917.

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