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quarta-feira, 25 de março de 2020

A Consciência de Classe*

    Leôncio Basbaum**
   
   As classes médias não possuem uma consciência de classe. São classes de grande flutuação econômica e social, seus membros sonham em “ascender” econômica e socialmente, ficar ricos, possuir seu apartamento e um automóvel, mesmo modesto, tornar-se burgueses. O que não impede que frequentemente suceda o contrário, e tenham de proletarizar-se num emprego ou numa fábrica com modesto salário. A flutuação econômica repercute em sua consciência política e tanto podem aderir à extrema esquerda como a extrema direita. Mas a principal característica dessa ausência de uma consciência de classe aglutinadora é o personalismo, o culto da personalidade, a criação e adoração de mitos, das personalidades carismáticas. Nenhuma categoria ou camada social se aliena mais facilmente, em virtude de sua instabilidade econômica, social, psicológica. Incapazes de refletir, não possuindo uma ideologia própria, os membros destas classes aderem frequentemente a ideologias estranhas, fora de sua classe, ou camada social e entregam seu pensamento, sua consciência e sua vontade aos que, em determinado momento, lhes parece representarem a concretização de suas aspirações difusas. A classe operária consciente deseja o poder, a classe burguesa deseja conservar-se nele, mas as classes médias e seus membros não sabem o que desejam: desejam o que o líder, o herói carismático, deseja por eles. Pela ausência de uma consciência de classe se alienam a outras classes, aos líderes, aos mitos, aos belos discursos, aos homens fortes, que pensam por eles. O mesmo se pode dizer das classes, subclasses e camadas sociais das zonas rurais.
Leôncio Basbaum
   Mas com a burguesia sucede o inverso. É uma classe bem estratificada por um processo histórico de séculos, possui uma firme e densa consciência de classe, sabe o que quer, não se aliena aos mitos, despreza os heróis carismáticos, salvo quando pode utilizar-se deles para seus fins. Depois, quando deixam de ser úteis, jogam-nos fora. O burguês, o membro da classe burguesa, jamais votará num membro fora de sua classe, a não ser que possa servir-se dele. Por baixo de sua ação política, e revigorando-a, ela possui todo um acervo cultural, de Filosofia, Ciência, Arte, abarca todos os ramos do conhecimento humano, na medida em que sirvam aos seus interesses e, acima de tudo, possui o mais valioso instrumento de alienação de nossa época: o dinheiro.
   Há, todavia, frequentemente, vários partidos da classe burguesa. Isso não significa a falta de uma consciência social de classe. Significa, apenas, divergências no modo de resolver certos problemas, contradições próprias da classe burguesa, como também da classe operária. Mas a existência de vários partidos da classe burguesa, como na França, na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Brasil, não impede que nos momentos agudos de crise, quando se veem ameaçados por outras classes, se unam em torno de um projeto-comum: manter-se no poder, com concessões mutuas.
   Muitas vezes os partidos de classe da burguesia são apenas uma forma convencional para se adaptar às condições políticas ou constitucionais do país e funcionar nos períodos eleitorais. Por trás desses partidos convencionais funciona uma verdadeira cúpula dirigente que somente se reúne em partidos para levar às respectivas direções resoluções tomadas fora deles por determinados grupos econômicos ou militares que possuem a verdadeira força na mão, econômica ou política.

*  História e Consciência Social; Global Editora; 2ª edição, 1982.  
**Leôncio Basbaum (1907-1969)
   Médico, historiador, escritor, dirigente do PCB, fundador e primeiro secretário da União da Juventude Comunista em 1927.
    

Um comentário:

  1. Excelente texto, mas fica a observaçäo:

    Infelizmente não é só a classe média que adere a ideologias estranhas a sua classe, o operariado também embarca nesse antagonismo. Os trabalhadores também aderem aos mitos que nada mais são que os seus carrascos. A classe operária do século XXI é desorganizada e sem organização não há como almejar o poder.

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