Ivan Pinheiro
Camaradas,
Tomei conhecimento da nota “Sobre as críticas do camarada Ivan Pinheiro”, que se encontra no portal Em Defesa do Comunismo, cujo saldo é construtivo e respeitoso, apesar de algumas deturpações e ironias de mau gosto que me obrigam a comentá-las.
Não pretendo aqui me alongar nestas linhas porque lhes enviarei em seguida um resumo da minha segunda Tribuna de Debates ao Congresso que fundou o PCBR (“Sobre os fundamentos de um Partido Revolucionário”), de 17 de maio de 2024, onde opino com mais desenvoltura sobre polêmicas suscitadas em minha carta de afastamento do partido e na nota que aqui comento.
Começo lamentando a insinuação de que defendi naquele Congresso a criação de um “partido movimento”, expressão que coloquei entre aspas em minha carta exatamente para argumentar no sentido contrário. Recomendo a leitura do capítulo “Sobre o nome, a sigla do partido e a numeração do Congresso”, da minha citada tribuna, na qual, desde o título, proponho a criação de um partido denominado Partido Comunista Brasileiro (Reconstrução Revolucionária), com a sigla PCB-RR, opinião que defendi inclusive oralmente no então chamado XVII Congresso, realizado em 2023, valorizando a necessidade e as possibilidades de ampliação do partido com os comunistas que se entusiasmavam com nossas propostas e sugerindo um novo Congresso dois anos depois, em cujo balanço poderíamos concluir pela mudança do nome.
Outra tentativa de falsear minhas opiniões é a insinuação de que fui contra o registro do partido e sua participação em eleições, desmentida em outro capítulo da referida tribuna (”Sobre o registro do partido no TSE”), em que defendo a possibilidade do registro eleitoral, mas pondero as dificuldades jurídicas, orgânicas e políticas de iniciar essa complexa empreitada no curto prazo.
Por outro lado, a comparação da luta pelo registro eleitoral do PCBR - que ainda nem comemorou sequer seu primeiro aniversário de fundação! - com dois partidos com os quais publicamente me identifico, além de absurda, sugere uma provocação infantil!
O PCM (Partido Comunista do México) requereu seu registro eleitoral no início deste ano, mesmo sabendo das dificuldades que a legislação mexicana também cria, como no Brasil, para o sucesso da iniciativa. Mas o fez depois de completados 30 anos de sua refundação de fato e após o que também consideram a Reconstrução Revolucionária do partido. Orgulho-me de ter testemunhado presencialmente o desenvolvimento desse partido, que pratica o centralismo democrático como princípio, em dois de seus Congressos Nacionais e em uma Conferência Internacional de Partidos Comunistas.
Quanto ao KKE (Partido Comunista da Grécia), o fato de ser provavelmente o único partido membro do EIPCO (Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários) que desfruta, em um país consensualmente considerado capitalista, da condição de principal força política nos movimentos sindical, juvenil e de pequenos camponeses, dispensa mais esclarecimentos para justificar não apenas o seu registro oficial mas as razões que o levam a contar com 20 deputados no parlamento unicameral grego, composto por 300 cadeiras, sendo que o eleitor vota na legenda eleitoral e não no candidato e o partido é que decide hierarquicamente a ordem de seus próprios candidatos preferenciais, por seus próprios critérios.
No que se refere à insinuação de que me pronunciei contrariamente à participação do partido nas eleições municipais do ano passado, jamais defendi essa posição durante minha militância, exceção feita ao período da luta armada. Os comunistas analisamos e decidimos a respeito desse tema em cada eleição, incluindo desde candidaturas próprias, apoio a de partidos com alguma afinidade política e suas candidaturas e inclusive o voto nulo. Não critiquei o apoio a candidaturas identificadas com nosso ideário, com as quais poderíamos compartilhar algumas lutas. Coloquei-me radicalmente contra os apoios decididos pela CPN a candidaturas de partidos burgueses.
Já sobre minhas críticas à conciliação frente ao descumprimento do centralismo democrático, a nota do PCBR tergiversa e se complica em suas próprias contradições, chegando ao ponto de se aproximar lamentavelmente do cinismo, quando me “homenageia” na frase “o camarada demonstrou com qualidade o papel educador da polêmica pública, com a circulação que dedicou à carta”.
Todos os membros do CC do PCBR sabem que não interajo em qualquer das chamadas redes sociais e que minhas publicações são exclusivamente divulgadas em uma modesta lista em que conheço todos os contatos, que aceitam recebê-las. Se o alcance de minha carta de afastamento foi grande é porque falaram alto as críticas que nela expus, quebrando tabus.
Lembro que o Comitê Central, em nome do qual é feita essa ironia de mau gosto - e que parece valorizar mais a polêmica pública que a interna - ficou exatos 4 meses em silêncio em relação a uma carta reservada que mandei a seus componentes. Além do mais, como a minha carta que se tornou pública era de meu afastamento do partido, eu já não devia mais submissão ao centralismo democrático que marcou toda minha trajetória como militante comunista e não teria direito de publicá-la na agora anunciada Tribuna de Debates.
A nota do PCBR, ao defender a polêmica pública para além das fronteiras do partido, apela, como sempre, a muitas citações descontextualizadas de Lenin, usadas como autoridade. Vejamos duas dessas citações, anteriores à vitória da Revolução Russa:
“Só as polêmicas na imprensa podem estabelecer precisamente a linha divisória a que me refiro...” (grifo meu).
Pergunto: a imprensa a que se refere Lenin é a do partido ou das classes dominantes?
“A minoria terá o direito de discutir diante de todo o partido desacordos com o programa, táticas e organização em um material de discussão publicado especialmente para esse propósito.”
Pergunto: se a discussão dos desacordos é para ser realizada diante de todo o partido e organizada por ele, através de material de discussão publicado especialmente para esse propósito, como concluir que a polêmica se dará em meio público de comunicação, divulgada abertamente a qualquer pessoa ou instituição?
A prevalecer esse conceito liberal de centralismo democrático, o PCBR será o único ou provavelmente um dos raros Partidos Comunistas do mundo a exercê-lo desta forma. O que considero mais grave é que, como o conceito do que seja público nos tempos modernos é absolutamente ilimitado, há divergências inconciliáveis com posições coletivas sendo expostas no ambiente digital que violam a unidade de ação do partido, prejudicando a aplicação de resoluções congressuais, entre as quais a defesa da estratégia socialista, a construção de uma frente anticapitalista e antiimperialista em nosso país e a localização do partido no campo revolucionário do Movimento Comunista Internacional.
Ainda mais quando essas divergências públicas partem de militante que, na prática, não é propagandista do partido mas de suas opiniões pessoais e que, em seus meios de comunicação, se empenha no sentido da construção de frentes reformistas, tanto em nosso país como no Movimento Comunista Internacional, além de flertar com o trabalhismo e o etapismo nacional-libertador, na contramão da estratégia revolucionária aprovada em Congresso.
De resto, saúdo os aspectos autocríticos da nota do CC do PCBR, seu tom em geral respeitoso e o reconhecimento de que minha carta de afastamento deflagrou debates internos importantes que estavam represados, esperando que tenha contribuído modestamente para a superação de problemas que podem dificultar a construção do partido.
Saudações comunistas!
Ivan Pinheiro
Guapimirim (RJ), 3 de abril de 2026
Edição: Página 1917
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