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domingo, 6 de abril de 2025

CONSIDERAÇÕES À NOTA DO PCBR SOBRE MINHA CARTA DE AFASTAMENTO

Ivan Pinheiro



Camaradas,

Tomei conhecimento da nota “Sobre as críticas do camarada Ivan Pinheiro”, que se encontra no portal Em Defesa do Comunismo, cujo saldo é construtivo e respeitoso, apesar de algumas deturpações e ironias de mau gosto que me obrigam a comentá-las. 

Não pretendo aqui me alongar nestas linhas porque lhes enviarei em seguida um resumo da minha segunda Tribuna de Debates ao Congresso que fundou o PCBR (“Sobre os fundamentos de um Partido Revolucionário”), de 17 de maio de 2024, onde opino com mais desenvoltura sobre polêmicas suscitadas em minha carta de afastamento do partido e na nota que aqui comento.

Começo lamentando a insinuação de que defendi naquele Congresso a criação de um “partido movimento”, expressão que coloquei entre aspas em minha carta exatamente para argumentar no sentido contrário. Recomendo a leitura do capítulo “Sobre o nome, a sigla do partido e a numeração do Congresso”, da minha citada tribuna, na qual, desde o título, proponho a criação de um partido denominado Partido Comunista Brasileiro (Reconstrução Revolucionária), com a sigla PCB-RR, opinião que defendi inclusive oralmente no então chamado XVII Congresso, realizado em 2023, valorizando a necessidade e as possibilidades de ampliação do partido com os comunistas que se entusiasmavam com nossas propostas e sugerindo um novo Congresso dois anos depois, em cujo balanço poderíamos concluir pela mudança do nome.

Outra tentativa de falsear minhas opiniões é a insinuação de que fui contra o registro do partido e sua participação em eleições, desmentida em outro capítulo da referida tribuna (”Sobre o registro do partido no TSE”), em que defendo a possibilidade do registro eleitoral, mas pondero as dificuldades jurídicas, orgânicas e políticas de iniciar essa complexa empreitada no curto prazo.

Por outro lado, a comparação da luta pelo registro eleitoral do PCBR - que ainda nem comemorou sequer seu primeiro aniversário de fundação! - com dois partidos com os quais publicamente me identifico, além de absurda, sugere uma provocação infantil!

O PCM (Partido Comunista do México) requereu seu registro eleitoral no início deste ano, mesmo sabendo das dificuldades que a legislação mexicana também cria, como no Brasil, para o sucesso da iniciativa. Mas o fez depois de completados 30 anos de sua refundação de fato e após o que também consideram a Reconstrução Revolucionária do partido. Orgulho-me de ter testemunhado presencialmente o desenvolvimento desse partido, que pratica o centralismo democrático como princípio, em dois de seus Congressos Nacionais e em uma Conferência Internacional de Partidos Comunistas.

Quanto ao KKE (Partido Comunista da Grécia), o fato de ser provavelmente o único partido membro do EIPCO (Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários) que desfruta, em um país consensualmente considerado capitalista, da condição de principal força política nos movimentos sindical, juvenil e de pequenos camponeses, dispensa mais esclarecimentos para justificar não apenas o seu registro oficial mas as razões que o levam a contar com 20 deputados no parlamento unicameral grego, composto por 300 cadeiras, sendo que o eleitor vota na legenda eleitoral e não no candidato e o partido é que decide hierarquicamente a ordem de seus próprios candidatos preferenciais, por seus próprios critérios.

No que se refere à insinuação de que me pronunciei contrariamente à participação do partido nas eleições municipais do ano passado, jamais defendi essa posição durante minha militância, exceção feita ao período da luta armada. Os comunistas analisamos e decidimos a respeito desse tema em cada eleição, incluindo desde candidaturas próprias, apoio a de partidos com alguma afinidade política e suas candidaturas e inclusive o voto nulo. Não critiquei o apoio a candidaturas identificadas com nosso ideário, com as quais poderíamos compartilhar algumas lutas. Coloquei-me radicalmente contra os apoios decididos pela CPN a candidaturas de partidos burgueses. 

Já sobre minhas críticas à conciliação frente ao descumprimento do centralismo democrático, a nota do PCBR tergiversa e se complica em suas próprias contradições, chegando ao ponto de se aproximar lamentavelmente do cinismo, quando me “homenageia” na frase “o camarada demonstrou com qualidade o papel educador da polêmica pública, com a circulação que dedicou à carta”.

Todos os membros do CC do PCBR sabem que não interajo em qualquer das chamadas redes sociais e que minhas publicações são exclusivamente divulgadas em uma modesta lista em que conheço todos os contatos, que aceitam recebê-las. Se o alcance de minha carta de afastamento foi grande é porque falaram alto as críticas que nela expus, quebrando tabus.

Lembro que o Comitê Central, em nome do qual é feita essa ironia de mau gosto - e que parece valorizar mais a polêmica pública que a interna - ficou exatos 4 meses em silêncio em relação a uma carta reservada que mandei a seus componentes. Além do mais, como a minha carta que se tornou pública era de meu afastamento do partido, eu já não devia mais submissão ao centralismo democrático que marcou toda minha trajetória como militante comunista e não teria direito de publicá-la na agora anunciada Tribuna de Debates.

A nota do PCBR, ao defender a polêmica pública para além das fronteiras do partido, apela, como sempre, a muitas citações descontextualizadas de Lenin, usadas como autoridade. Vejamos duas dessas citações, anteriores à vitória da Revolução Russa:

“Só as polêmicas na imprensa podem estabelecer precisamente a linha divisória a que me refiro...” (grifo meu).

Pergunto: a imprensa a que se refere Lenin é a do partido ou das classes dominantes?

“A minoria terá o direito de discutir diante de todo o partido desacordos com o programa, táticas e organização em um material de discussão publicado especialmente para esse propósito.”

Pergunto: se a discussão dos desacordos é para ser realizada diante de todo o partido e organizada por ele, através de material de discussão publicado especialmente para esse propósito, como concluir que a polêmica se dará em meio público de comunicação, divulgada abertamente a qualquer pessoa ou instituição?

A prevalecer esse conceito liberal de centralismo democrático, o PCBR será o único ou provavelmente um dos raros Partidos Comunistas do mundo a exercê-lo desta forma. O que considero mais grave é que, como o conceito do que seja público nos tempos modernos é absolutamente ilimitado, há divergências inconciliáveis com posições coletivas sendo expostas no ambiente digital que violam a unidade de ação do partido, prejudicando a aplicação de resoluções congressuais, entre as quais a defesa da estratégia socialista, a construção de uma frente anticapitalista e antiimperialista em nosso país e a localização do partido no campo revolucionário do Movimento Comunista Internacional.

Ainda mais quando essas divergências públicas partem de militante que, na prática, não é propagandista do partido mas de suas opiniões pessoais e que, em seus meios de comunicação, se empenha no sentido da construção de frentes reformistas, tanto em nosso país como no Movimento Comunista Internacional, além de flertar com o trabalhismo e o etapismo nacional-libertador, na contramão da estratégia revolucionária aprovada em Congresso.

De resto, saúdo os aspectos autocríticos da nota do CC do PCBR, seu tom em geral respeitoso e o reconhecimento de que minha carta de afastamento deflagrou debates internos importantes que estavam represados, esperando que tenha contribuído modestamente para a superação de problemas que podem dificultar a construção do partido.

Saudações comunistas!

Ivan Pinheiro

Guapimirim (RJ), 3 de abril de 2026 

Edição: Página 1917


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