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terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

O ataque mundial aos trabalhadores

 


– Proposição da “supply-side economics”:   “Os ricos trabalham melhor se lhes pagarem mais, enquanto os pobres trabalham melhor se lhes pagarem menos”.

Prabhat Patnaik [*]

Sob o capitalismo tardio, há um ataque ao povo trabalhador que faz lembrar o capitalismo inicial e este ataque é mundial, não só no terceiro mundo como também nos países capitalistas avançados. O ataque ocorre em três níveis:   econômico, político e ideológico.

O assalto a nível econômico tem sido muito falado e é o resultado tanto do aumento da inflação como do grande aumento do desemprego que atualmente afligem o mundo capitalista. A inflação mais elevada foi iniciada por um aumento espontâneo das margens de lucro administrado pelo grande capital, em particular nos Estados Unidos, que depois se espalhou por todo o mundo capitalista (o mecanismo desta propagação não será discutido aqui, mas num artigo posterior); e o aumento do desemprego é o resultado conjunto tanto da crise capitalista mundial como das tentativas oficiais de conter a inflação em todo o lado à custa da classe trabalhadora, reduzindo deliberadamente o emprego. A esperança oficial é que a força negocial dos trabalhadores seja suficientemente reduzida pelo aumento do desemprego, de modo a que não possam negociar salários monetários mais elevados para compensar a subida dos preços, o que acabaria por fazer com que a inflação se atenuasse.

O capitalismo nos primeiros anos da Revolução Industrial na Grã-Bretanha, já salientado por historiadores como Eric Hobsbawm, caracterizou-se por um aumento da pobreza; do mesmo modo, o capitalismo tardio também está a assistir hoje a um aumento do nível de privação absoluta para os trabalhadores. Joseph Stiglitz argumentou que o salário médio real de um trabalhador americano do sexo masculino em 2011 era ligeiramente inferior ao de 1968; com a atual inflação, os salários reais de hoje seriam ainda mais baixos do que em 2011 e, portanto, também em comparação com 1968. Se acrescentarmos a isto o maior desemprego atual nos EUA em comparação com 1968 (a taxa de desemprego oficial camufla este fato, uma vez que não tem em conta a redução da taxa de participação dos trabalhadores devido ao “efeito do trabalhador desencorajado” que funciona num período de desemprego elevado), não restam muitas dúvidas quanto ao aumento do empobrecimento entre os trabalhadores americanos. O mesmo se pode dizer dos trabalhadores de outros países capitalistas avançados. Em países como a Índia e o resto do Terceiro Mundo, há provas claras de um declínio do nível nutricional da população, medido pelo declínio da absorção per capita de cereais alimentares (considerando a soma dos cereais diretamente consumidos, utilizados como alimento para produtos animais e transformados em produtos alimentares) no período desde a década de 1980. Daqui se pode inferir um aumento inequívoco do nível absoluto de pobreza entre os trabalhadores. Por conseguinte, não se pode duvidar do ataque econômico aos trabalhadores do mundo capitalista, sobretudo aos trabalhadores pobres.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

A armadilha da lógica capitalista na China

Renildo Souza



A armadilha na China, como a defino, consiste em um conjunto de relações em que a busca e a conquista do desejado e imprescindível desenvolvimento produtivo e tecnológico implicou uma forma específica de curso econômico e social capitalista. Assim, a aceleração do crescimento da economia dependeu predominantemente da regulação através da leio do valor, a despeito da planificação e significativa presença de empresas estatais. (28) Predominaram as transações de mercado, a grande propriedade privada capitalista dos meios de produção, inclusive monopólios e oligopólios, e a integração ao capitalismo global. Constituiu-se o capitalismo monopolista, com poder econômico real da grande propriedade privada e estatal sobre as decisões de investimento, produção e mercado. Isso é diferente do que, em outro contexto, Che Guevara chamou de cavalo de Troia, ao se referir à razão da Nova Política Econômica (NEP) leninista. (29)

[...] Nessa armadilha, o ativismo do Estado Chinês, através de suas acentuadas funções econômicas, se tornou parte automática, necessária, compensatória da vida do capital. O capital se reproduz e, ao mesmo tempo, transforma a sociedade  à sua imagem e semelhança, apesar das particularidades chinesas. Como diria Postone*, desenvolve-se a dialética de transformação e reconstituição, sem lógica trans-histórica, evolutiva e linear. Instalou-se a interdependência, sem prejuízo de conflitos crescentes, entre, por um lado, as contínuas, crescentes e cumulativas expansão, ramificação e poder do capital na estrutura econômica e social do país e, por outro, a dinâmica de políticas, regulamentações e sucessivas concessões governamentais. Desequilíbrios e crises desdobram-se em novas gerações de reformas, com estímulos e liberalizações, os quais são apresentados como sábio aperfeiçoamento institucional. Na verdade, como a legitimidade do regime está ancorada aos limites do nacional-desenvolvimentismo, a política econômica e o planejamento têm de se adaptar à dinâmica contraditória capitalista.

A ação econômica do Estado chinês faz parte da compulsão muda do poder do capital, como a entendo, porque auxilia, em vez de bloquear, a naturalização do automatismo da reprodução capitalista na China. Não é uma compulsão econômica sem o Estado. Ela é mediada pelo próprio Estado chinês.

Tais são os elementos constituintes da armadilha da lógica capitalista nas condições da China.


* Moishe Postone (1942-2018), professor de história na Universidade de Chicago. Teórico pioneiro da chamada vertente marxista da “crítica do valor”. O interesse de suas pesquisas inclui a moderna história intelectual europeia; teoria social, especialmente teorias críticas da modernidade; Alemanha do século XX; antissemitismo; e transformações globais contemporâneas. Moishe Postone propõe uma reinterpretação radical da teoria crítica de Karl Marx, principalmente de O Capital e dos Grundrisse.

Notas

(28) "[...] a lei do valor é a lei fundamental exatamente da produção de mercadoria, portanto, também da forma suprema dela, da produção capitalista. Ela se impõe na atual sociedade do mesmo modo singular como conseguem se impor as leis econômicas numa sociedade de produtores privados: como lei natural inerente às coisas e relações, que atua chega e independentemente da vontade e da inciativa do produtor" (Engels, 2015, p.455)

 (29) O que eu chamo de armadilha na China hoje, Che Guevara chamou de cavalo de Troia, ao se referir à difusão da pequena propriedade privada na União Soviética em razão da NEP leninista. Ver artigo de Helen Yaffe (2007), em que Che é citado: "A NEP não se instalou contra a pequena produção de mercadorias, afirmou Guevara, mas por demanda dela. A pequena produção de mercadoras contém as sementes do desenvolvimento capitalista. Ele tinha certeza de que Lenin teria revertido a NEP se tivesse vivido mais. No entanto, os seguidores de Lenin: 'não viram o perigo e mantiveram o grande cavalo de Tróia no socialismo, o interesse material direto como alavanca econômica.' Essa superestrutura capitalista se arraigava, influenciando as relações de produção e criando um sistema híbrido de socialismo com elementos capitalistas que inevitavelmente provocavam conflitos e contradições cada vez mais resolvidos em favor da superestrutura - o capitalismo voltava ao bloco soviético".

Fonte: A China de Mao e Xi Jinping, pag. 193-198, Renildo Souza, EDUFBA, 2023.

Edição: Página 1917



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

A luta dos comunistas contra a UE, a sua economia de guerra e as guerras imperialistas

Contribuição do Partido Comunista da Grécia (KKE) para a teleconferência da Ação Comunista Europeia.


Caros camaradas,

A competição implacável dos monopólios e dos Estados capitalistas para promover suas ambições estratégicas está se desenvolvendo em todas as regiões do mundo. A natureza bárbara do sistema explorador é revelada pelas guerras imperialistas na Ucrânia e no Oriente Médio, os 50 ou mais focos de guerra ao redor do mundo, a intensidade da ofensiva contra a classe trabalhadora e os povos, os milhões de desenraizados, refugiados e migrantes. O capitalismo ultrapassou seus limites históricos e está se tornando cada vez mais perigoso.


Capitalismo: guerras e barbárie.


A classe trabalhadora e os povos enfrentam grandes tarefas. A raiva e a indignação devem ser direcionadas para eliminar a fonte do mal, para intensificar a luta para derrubar o poder dos monopólios, para abrir caminho para a nova sociedade socialista-comunista, para que o povo trabalhador viva em paz, sem exploração, como donos da riqueza que produzem para satisfazer suas necessidades.

A questão crucial é a principal luta ideológica, política e de massas dos comunistas, em constante conflito com a burguesia em todos os países, as alianças imperialistas, os partidos do capital, o oportunismo e todos os tipos de apologistas do capitalismo.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

A limpeza étnica da Cisjordânia: milhares de deslocados no ataque brutal de Israel

 Por Fayha Shalash* – Ramallah


Famílias palestinas estão sendo forçadas a deixar suas casas na Cisjordânia ocupada. (Foto: QNN)


As contínuas invasões militares de Israel nos campos de refugiados da Cisjordânia deslocaram milhares de pessoas, deixando-as em condições terríveis em meio a um inverno rigoroso.

Adel Salim foi forçado a deixar sua casa no campo de refugiados de Jenin com sua família de oito pessoas nos primeiros dias da invasão israelense, que já dura mais de 20 dias.

Esse deslocamento doloroso afetou mais de 90% dos moradores do campo, de acordo com fontes oficiais palestinas, deixando os deslocados enfrentando terríveis condições humanitárias.

A atual agressão israelense nos campos do norte da Cisjordânia ocorre após declarações oficiais israelenses sobre supostos ataques a redutos da resistência e reforço do controle de segurança. 

No entanto, os palestinos acreditam que o verdadeiro objetivo é deslocá-los à força e acelerar a anexação da Cisjordânia.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Elon Musk e a ditadura do capital

Nikos Mottas
27 de janeiro de 2025 

"O fascismo só pode ser combatido como capitalismo, como a forma mais nua, mais desavergonhada, mais opressiva e mais traiçoeira de capitalismo. Aqueles que são contra o fascismo sem serem contra o capitalismo, que lamentam a barbárie que sai da barbárie, são como pessoas que desejam comer sua vitela sem abater o bezerro. Eles estão dispostos a comer o bezerro, mas não gostam de ver sangue."



As palavras acima, escritas por Bertolt Brecht em 1935, servem como um lembrete atemporal do vínculo inextricável entre capitalismo e fascismo. Na década de 1930, o monstro do fascismo e do nazismo, que levou a humanidade a um derramamento de sangue sem precedentes, nasceu das entranhas do próprio sistema capitalista (por exemplo, vários gigantes monopolistas europeus e americanos, incluindo General Motors, IBM, Ford Company, IT & T, Standard Oil, etc., são conhecidos por fornecer apoio financeiro à Alemanha nazi antes e mesmo durante a Segunda Guerra Mundial).

O monstro certamente não emergiu de fora do mundo capitalista nem ameaçou a sua existência. Pelo contrário, o fascismo e o nazismo têm sido expressões da ditadura do Capital, sendo utilizados como ponta de lança contra a ascensão do movimento operário organizado e a "ameaça comunista". Hoje, 80 anos após a Grande Vitória Antifascista dos Povos na Segunda Guerra Mundial, a nossa era é mais uma vez marcada pela ascensão de forças políticas de extrema-direita e fascistas: dos países bálticos aos Estados Unidos e da Alemanha à Ucrânia, o ovo da serpente está a crescer novamente, assumindo várias formas.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Dois anos do governo burguês de Lula-Alckmin

Boletim Que Fazer – Fevereiro de 2025

O governo Lula-Alckmin está consolidando a ofensiva burguesa em curso no país nos últimos anos, além de avançá-la em vários pontos. Não é um governo a ser “disputado”, e sim combatido pelas massas trabalhadoras.





A continuidade dos ataques aos trabalhadores

2024 e o primeiro mês de 2025 só reforçaram o caráter burguês do governo de Lula-Alckmin, seu objetivo de consolidar a ofensiva de classe burguesa, inclusive enrolando os trabalhadores, e também sua incapacidade de combater a força política da extrema-direita, fascista, no país. Por isso a posição comunista, aquela própria e independente do proletariado na luta de classes, deve continuar sendo: nenhuma ilusão com tal governo, lutar com independência contra nossos inimigos de classe.

Para tentar garantir o novo teto de gastos de Lula, no final do ano passado, o governo propôs um pacote de corte de gastos (o tal “ajuste fiscal”) que tira mais de R$ 100 bilhões de trabalhadores e aposentados que ganham o salário mínimo, R$ 18 bi do abono, R$ 17 bi do Bolsa Família, R$ 12 bi do BPC e mais R$ 15 bi por conta da “biometria”, além de cortar mais de R$ 40 bi do Fundeb. Foi aprovado com algumas alterações pelo congresso, e Haddad já informou mais de uma vez que esse foi apenas um dos pacotes de cortes que pretendem fazer para se manter dentro do teto de gastos nos próximos anos. Aumentar os impostos dos ricos para isentar quem recebe até R$ 5 mil foi só para enganar trouxas.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Desejo e realidade

Renildo Souza*




Hoje, a liderança chinesa, Xi Jinping à frente, quer - por convicções, palavras e intenções - afirmar o socialismo. Um tanto diferente dos seus antecessores, eles reiteram estridentemente a centralidade do Partido Comunista na direção política do país. Mantêm ostensivamente a referência doutrinária a Marx, Lenin e Mao, inclusive com cursos de marxismo nas universidades e as publicações sistemáticas de obras clássicas. Proclamam abertamente a China como socialista. Tudo isso é muito significativo no contexto da avassaladora hegemonia burguesa no mundo neste início do século XXI, com tenebrosos sofrimentos das massas. Hoje, por toda parte, bilionários tripudiam sobre as dores do povo. Depois da queda da URSS, os aparelhos ideológicos insistem na propaganda da inevitabilidade do capitalismo, sem competidor, sem rival. O comunismo morreu, não funciona, é inevitável, rufam os tambores da mídia, das universidades, dos partidos políticos e dos governos, em cantilena ensurdecedora em todo o planeta, o tempo todo.

Na China, contudo, a bandeira vermelha do comunismo permanece hasteada, garante o PCCh. Na verdade, há uma contradição entre, de um lado, as convicções, desejos e vontade da retórica dos líderes chineses e, de outro, a realidade, os fatos, a vida concreta de massiva, dominante e crescente estruturação econômica  e social do capitalismo dentro da China. A grande tragédia, por trás dos véus da autoilusão e da propaganda, é que a China se agarrou ao capitalismo, nutrindo-o, no seu momento ontológico de desgraças, crueldades e violências contra a verdade, a liberdade, a paz e o bem-estar individual e social.

Ao que parece, instalou-se algo parecido com um involuntário pacto faustiano em que o avanço econômico alcançado - necessário, indispensável e brilhante - teve como contrapartida a dominação do capital. A China tornou-se refém de um tipo específico de processo de modernização econômica que é atrelado e dependente da acumulação capitalista.

Houve um processo de instalação ou ponto de partida da formação capitalista contemporânea na China, o que corresponderia ao pecado original na teologia, diria Marx (2013). Subjugação dos trabalhadores, despojados da vitaliciedade dos empregos e da garantia de serviços sociais, privatizações de empresas, descoletivização da terra e privatização do seu uso e fartos recursos e instrumentos do Estado cumpriram esse papel da assim chamada acumulação primitiva. Um belo resultado foi alcançado: constituíram-se as novas classes sociais de burgueses e proletários na China. Mas como se mantém e se reproduz o que foi inaugurado? Em uma palavra, com mais-valor para acumular mais-valor, sem fim. Mas quem impõe a permanência dessa reprodução do capital? Em uma palavra, a naturalização da dependência dos trabalhadores perante o capital. A necessidade de sobrevivência acorrenta a classe trabalhadora à compulsória venda da força de trabalho ao capital chinês.

No evolver da produção capitalista desenvolve-se uma classe de trabalhadores que, por educação, tradição e hábito, reconhece as exigências desse modo de produção como leis naturais e evidentes por si mesmas [...] a coerção muda exercida pelas relações econômicas sela o domínio do capitalista sobre o trabalhador. A violência extraeconômica, direta, continua, é claro, a ser empregada, mas apenas excepcionalmente. (Marx, O Capital: crítica da Economia Política, Livro I, Boitempo, 2013, p.808-809, grifo nosso)

A julgar pelas intenções socialistas dos discursos dos líderes chineses, o país colheu um resultado não intencional. Mas, dado o conteúdo das reformas, deflagradas por esses próprios dirigentes, o desfecho lógico, previsível, esperado era... capitalismo. Plantou-se capitalismo, colheu-se o que tinha de ser colhido. [...]


Fonte: A China de Mao a Xi Jinping, transformação e limites; Renildo de Souza; pag. 190-192; EDUFBA; 2023.

*Renildo Souza, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFBA. 

Edição: Página 1917



 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

O espetáculo deprimente do oportunismo

Ney Nunes

03-02-2025






Nas recentes eleições para renovação das mesas diretoras dos legislativos, assistimos, mais uma vez, ao espetáculo deprimente do oportunismo dos partidos com representação parlamentar da chamada "esquerda". Em troca de carguinhos nas mesas diretoras, esses partidos (PT, PSOL, PC do B e etc.) apoiaram chapas burguesas da direita até a extrema-direita.

As desculpas esfarrapadas são lançadas ao vento nas redes sociais, reproduzindo as velhacarias de sempre ou renovando o repertório das velhas falácias, até chegarem ao ponto em que estamos hoje: de se juntarem com a extrema-direita, pasmem, com o "argumento" que estão a combater a extrema direita!

O mais incrível é que ainda existam pessoas de boa fé, que lutam, ou alguma vez durante suas vidas lutaram por transformações sociais favoráveis ao povo trabalhador em nosso país, investindo seu tempo para divulgar ou tecer justificativas para tamanhas traições.

Infelizmente o ritual se repete e os crentes dizem amém.


Edição: Página 1917

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