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segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Foram os erros que colocaram a perder a Revolução Russa?

Francisco Martins Rodrigues*
Janeiro/Fevereiro de 1992

Gorbachev, o último coveiro da Revolução Soviética.


Nem só revisões e renegações produz o eclipse do movimento comunista. Surgem também, ainda que raramente, tentativas de interpretação e superação da crise, na linha do marxismo. Tom Thomas, militante da corrente M-L francesa, editou há alguns meses em volume as suas reflexões, a que deu o título: “A propósito das revoluções do século XX, ou o desvio irlandês”.(1)

O “desvio irlandês” é uma ideia sugestiva que o autor foi buscar numa carta de Marx, de 1869:

Pensei durante muito tempo que o regime irlandês seria derrubado pelo ascenso da classe operária da Inglaterra. Hoje estou convencido do contrário: os operários ingleses não farão nada enquanto não se desembaraçarem da Irlanda. É na Irlanda que se deve fazer alavanca”.

Regresso ao ponto de partida

Marx intuía pois a tendência que veio a manifestar-se: a revolução, bloqueada nos países onde as condições econômico-sociais estão maduras para o socialismo, abriu caminho onde as condições não estão maduras, nos países atrasados. O nosso século — conclui Thomas — foi preenchido justamente com o “desvio irlandês” do processo revolucionário mundial: as grandes revoluções na Rússia e na China, arrastando uma torrente de revoluções nacionais anti-imperialistas, em Cuba, Vietnam, Argélia, etc.

É verdade que, entretanto, aconteceu o imprevisível: as revoluções, depois de ter degenerado em miseráveis caricaturas sob a égide do capitalismo nacional de bandeira socialista, são reabsorvidas pelo mercado imperialista mundial. Seja como for, conclui Thomas, “o caminho está agora livre porque o capitalismo realizou a sua obra de estabelecer sobre toda a superfície do globo as mesmas relações sociais, pôr as mesmas classes nas mesmas situações e perante os mesmos inimigos. O ‘desvio irlandês’ cumpriu a sua tarefa. Chega a época das revoluções proletárias, embora com algum atraso sobre as previsões. É para ela que nos devemos preparar, voltando-nos para o futuro e deixando que os mortos enterrem os seus mortos”.

É estimulante esta capacidade para encarar o processo histórico no seu movimento global, sem cair nas habituais dúvidas existenciais sobre se a revolução é mesmo inevitável e a ditadura do proletariado é mesmo legítima. Resta, contudo, a questão: porque é que esse gigantesco ciclo revolucionário nos países atrasados fracassou de maneira tão generalizada e foi incapaz de detonar revoluções proletárias socialistas nas metrópoles do capital, como seria a suposição de Marx e, mais tarde, de Lenin, Mao, etc.? Porque terminou nesta obscura agonia e não num salto para uma etapa mais avançada da revolução?

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Após a queda de Assad, uma verdadeira linha de resistência deve ser construída

Kemal Okuyan

Secretário Geral do Partido Comunista da Turquia (TKP) 

Kemal Okuyan


Discutir se é uma guerra civil ou uma intervenção estrangeira na Síria é um esforço fútil. O país tem sido uma zona de conflito onde é completamente ambíguo quem é “doméstico” e quem é “estrangeiro”.

É obviamente difícil, nessas circunstâncias, determinar a força motriz dos últimos acontecimentos que, em última análise, desencadearam a queda de Assad. É claro, no entanto, que a propaganda de que “o povo derrubou um ditador” dos países da OTAN, principalmente entre eles os EUA e o Reino Unido, e a Turquia (que é um membro da OTAN, mas também atua com ambições neo-otomanas) é apenas uma retórica falsa.

O governo na Síria foi enfraquecido por intervenções estrangeiras, guerra prolongada, sanções econômicas, práticas que falharam em unificar o povo, corrupção, políticas econômicas liberais, conflitos entre países que deveriam ser aliados de Assad, que apenas impuseram à Síria políticas para seus próprios interesses. Isso causou o fim daquele governo, quer ele caísse ou fosse derrubado.

Essas causas profundas de fraqueza tornaram o colapso inevitável diante da agressão israelense, das intervenções abertas dos EUA, da intervenção secreta do Reino Unido, da presença militar que a Turquia tentou legitimar invocando o direito de lutar contra o “separatismo curdo” e da recente operação realizada por todas essas potências de forma coordenada.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Intervenção e conflito imperialista na Síria

Aleppo, cidade devastada pela guerra.


O Gabinete de Imprensa do Comitê Central do Partido Comunista da Grécia (KKE), na sua declaração sobre os acontecimentos na Síria, destaca o seguinte:

“A intervenção na Síria e a predominância dos jihadistas é outro “elo da cadeia” de acontecimentos perigosos para os povos lançados pelas potências imperialistas dos EUA, da UE, da OTAN da Turquia e de Israel na região a partir do Oriente Médio. Surgem como continuação do massacre em curso contra o povo da Palestina, dos ataques contra o povo do Líbano, dos ataques contra o Irã.

O KKE tem-se posicionado de forma consistente e firme sobre os acontecimentos na Síria desde o início de 2011, expondo as mudanças perigosas contra o povo que ocorreram após a chamada Primavera Árabe. Hoje, as mesmas forças reacionárias, “reformadas” pela Turquia, membro da OTAN, autodenominam-se “rebeldes” e são apresentadas pelos meios de comunicação burgueses supostamente como “libertadores” do povo sírio. Repete-se a mesma propaganda “sobre a restauração da democracia” que foi o pretexto usado pelos imperialistas para as guerras no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, etc., fazendo hoje do Oriente Médio uma região em chamas.

O KKE deixou claro que apesar das diferenças ideológicas e políticas com o regime burguês sírio, apesar das críticas que exerce às suas políticas, denuncia os planos dos EUA, Israel e Turquia que envolvem interferência nos assuntos internos de um país soberano.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Apontamentos sobre Trotsky — O mito e a realidade

Miguel Urbano Rodrigues*



Transcorridas quase duas décadas sobre a desagregação da União Soviética, pouco se escreve e fala sobre Gorbatchov. A grande mídia internacional quase esqueceu o político e o homem que guindaram a herói da humanidade quando contribuía decisivamente, através da perestroika, para a reimplantação do capitalismo na Rússia.

Paradoxalmente, Trotsky continua a ser um tema que fascina muitos intelectuais da burguesia, alguns progressistas, e dezenas de organizações trotskistas na Europa e sobretudo na América Latina.

Sobre o homem e a obra não foram nas últimas décadas publicados livros importantes que acrescentem algo de significante aos produzidos pelos seus biógrafos, nomeadamente a trilogia do Historiador polaco Isaac Deutscher.

Nem um só dos partidos e movimentos trotskistas conseguiu afirmar-se como força política com influência real no rumo de qualquer país.

Porque então a tenaz sobrevivência, não direi do trotskismo, mas do nome e de algumas teses do seu criador no debate de ideias contemporâneo? Isso não obstante ser hoje pouco frequente a reedição dos seus livros.

A contradição encaminha para uma conclusão: uma percentagem ponderável dos modernos trotskistas desconhece a obra teórica e a trajetória política de Trotsky.

Cabe chamar a atenção para o fato de a maioria dos intelectuais burgueses das grandes universidades do Ocidente que assumem a defesa e a apologia da intervenção de Trotsky na História serem anticomunistas. O seu objetivo precípuo é combater a URSS e o que a herança da Revolução de Outubro significa para a humanidade. Trotsky e Stalin são utilizados por esse tipo de "sovietólogos" como instrumentos na tarefa de combater e desacreditar o comunismo.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Burguesia e bolsonarismo

Ney Nunes 

03-12-24

A cúpula neofascista.


Desde a invasão dos palácios em Brasília, promovida pela extrema direita no dia 08 de janeiro de 2023, o bloco burguês no poder vem tentando domesticar o bolsonarismo (versão brasileira do neofascismo), contendo os seus excessos. Para alcançar esse objetivo, atua em duas frentes, a primeira pela via policial-jurídica: investigando e punindo a matilha enfurecida que executou o quebra-quebra em Brasília, estendendo agora essa iniciativa à liderança político-militar representada principalmente pelo ex-presidente Bolsonaro, generais Braga Netto e Augusto Heleno. A segunda frente é de natureza política, cooptando e protegendo políticos e militares bolsonaristas. Exemplo maior disso é o tratamento amistoso dispensado pelo oligopólio midiático ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ex-ministro do governo Bolsonaro e ardoroso defensor do ex-presidente.

Sabedores do lastro eleitoral bolsonarista, que segue fortalecido após as últimas eleições municipais apesar de todas as barbaridades cometidas pelo ex-presidente e sua camarilha, culminadas no plano terrorista dos facínoras, que incluía até mesmo o assassinato do atual presidente, do seu vice e de um ministro do STF. O bloco burguês hegemônico prepara a decapitação da cúpula, mas ao mesmo tempo, sabe que não pode prescindir do grosso da tropa bolsonarista, dentro e fora dos quartéis.

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

O Pacote Fiscal do Teto de Gastos de Lula: mais um ataque da burguesia contra os trabalhadores

Coletivo Cem Flores

02-11-2024

Na quarta-feira, dia 27 de novembro, Lula tirou o dele da reta e mandou Haddad anunciar o novo pacote fiscal do governo em cadeia nacional. Haddad encheu a boca para anunciar, sorridente, vários cortes bilionários de despesas públicas com programas sociais para fazer cumprir o teto de gastos de Lula.


Governo burguês conspira contra o povo trabalhador.


Como se numa competição para ver quem agrada mais à burguesia e sua ofensiva de classe contra a massa trabalhadora, o ministro-chefe da casa civil, Rui Costa, afirmou orgulhoso que

O que está sendo colocado aqui é um absoluto compromisso do governo do presidente Lula com o equilíbrio fiscal, a responsabilidade fiscal e o arcabouço fiscal. Esse conjunto de medidas foi construído conjuntamente, por todos os ministros e muitos foram ouvidos. Aqui todos nós temos responsabilidade com esse país. O que está se fazendo hoje é garantindo que esse desequilíbrio de longo prazo não ocorrerá. É reafirmar, através de medidas firmes, como o realinhamento do reajuste do salário mínimo e, com ele, todas as despesas a ele indexadas, trazendo esse crescimento para o crescimento do arcabouço fiscal”.

Desde o início, já estava claro que esse novo teto de gastos, aprovado em 2023, era incompatível com as regras existentes de vários desses programas e políticas – como denunciamos no nosso documento sobre a política econômica do governo burguês de Lula. Isso inclui os pisos constitucionais de saúde e educação, a política de aumento do salário mínimo, os pisos de benefícios vinculados a ele, como aposentadorias, benefícios de prestação continuada (BPC), seguro desemprego, entre outros. Programas e políticas que atendem milhões de famílias trabalhadoras, especialmente as mais pobres.

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