Coletivo Cem Flores
09/10/2022
A partir dos resultados do primeiro turno, buscaremos retirar lições e perspectivas para a luta proletária e comunista no país hoje. Como interpretar os dados de um ponto de vista de classe? Eles modificam a linha a ser adotada pelos/as revolucionários/as na atual conjuntura?
Os números do primeiro
turno
No primeiro turno, dos 156 milhões de
eleitores registrados, houve 118 milhões de votos válidos (votos em algum candidato),
equivalente a 76%, percentual acima do ocorrido em 2018 (73%), sobretudo pela
diminuição pela metade dos votos brancos e nulos. Ou seja, foi uma eleição mais
participativa que a anterior. Possivelmente o motivo está na disputa acirrada
para a presidência.
Mesmo assim, os números de abstenção,
votos brancos e nulos continuam expressivos. No Rio de Janeiro, por exemplo, a
abstenção foi de 23%, já os votos brancos e nulos, 12%. Somando esses
percentuais, quase se chega ao número de votos recebidos pelo governador
reeleito em primeiro turno, o bolsonarista Cláudio Castro.
Para a câmara dos deputados, a maior
bancada ficou com o partido de Bolsonaro, o PL, que elegeu 99 deputados, ou 19%
das cadeiras. Somados aos outros partidos do mesmo campo (PP, Republicanos,
Patriota), forma-se o maior bloco da câmara, com 192 deputados, ou 37%,
deixando o caminho mais fácil para a reeleição de seu atual presidente, Arthur
Lira (PL). O centrão saiu com tamanho similar ao do bloco bolsonarista.
Somados, o campo bolsonarista e o centrão representam 75% dos deputados
federais. Já a “esquerda” ficou com 125 deputados, ou 24%, sendo mais da metade
do PT, que elegeu a segunda maior bancada.
A eleição para o senado também representou
uma vitória para o bolsonarismo. O PL elegeu 8 das 27 cadeiras em disputa,
passando a ser, em 2023, a maior bancada também no senado (14 senadores, 17%).
O campo bolsonarista somará 23 senadores (28%). O centrão permanecerá
dominante, ocupando mais da metade das cadeiras. A “esquerda” foi a de pior
desempenho e continua com um bloco pequeno. Somados, o número de senadores do
PT, PSB e PDT tem o mesmo tamanho do PL.
Na eleição para governadores, enquanto o
petismo e seus satélites venceram apenas no Nordeste e possuem poucas chances
fora da região, bolsonaristas se elegeram no Rio de Janeiro, Paraná, Mato
Grosso, Distrito Federal, Tocantins, Acre, Roraima e são considerados favoritos
em São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Fora os governadores da
“nova” direita (Minas Gerais) e da “velha direita (Goiás), próximos a
Bolsonaro. O bolsonarismo pode vir a governar estados com mais da metade da
população e os principais centros econômicos do país.
Quanto à presidência, Lula-Alckmin
obtiveram 57 milhões de votos, ou 48% dos votos válidos (37% do total),
faltando menos de 1,9 milhão de votos para a vitória no primeiro turno. E pelas
pesquisas mais recentes, continuam como favoritos para o segundo turno. Mas o
bolsonarismo mostrou desempenho maior que o esperado. Bolsonaro teve 51 milhões
de votos, 43% dos votos válidos (33% do total), mostrando avanço de votos
significativo nos últimos dias e horas da votação.
A consolidação do
bolsonarismo e a falência do eleitoralismo petista para combatê-lo
Os números do primeiro turno mostram que,
apesar da relevante abstenção e quantidade de votos brancos e nulos, a pressão
para participar do processo eleitoral sobre as massas trabalhadoras é bastante
forte. E se elevou nessas eleições, possivelmente por conta do embate das duas
forças políticas burguesas principais hoje no país: o bolsonarismo, a
extrema-direita, fascista; e o petismo, a “esquerda” reformista, oportunista e
eleitoreira. Ambos chantageiam e pressionam as massas para supostamente
combaterem, nas urnas, seu respectivo adversário.
Diferentemente do que afirmam as
ideologias do bolsonarismo e do petismo, nenhuma das duas pode resolver as
reais demandas das massas exploradas. Estão lá para iludir e servir aos
patrões, cada uma a sua maneira. Por isso mesmo, como em outros momentos, a
decisão majoritária da massa pode oscilar, potencialmente elevando o descrédito
e a descrença com o processo eleitoral, que não resolve os problemas
fundamentais das massas exploradas. Avanços nesses dois pontos dependerão
também do trabalho dos/as revolucionários/as, cujo processo político central
deve ser a reorganização, o estímulo e a participação nas lutas concretas das
massas, denunciando as ilusões com as instituições.
Os números também mostram que o primeiro turno de 2022 foi mais um passo na consolidação do bolsonarismo enquanto força política e principal representante da direita hoje no país.
O segundo turno pode ainda consumar
derrotas eleitorais para o bolsonarismo, sobretudo a não reeleição de seu líder
maior. No entanto, seu bloco na câmara e no senado, a presença já garantida em
vários governos estaduais e a expressiva votação em líderes importantes (4 dos
5 deputados mais votados para a câmara são bolsonaristas) demonstram que a
extrema-direita, fascista, do bolsonarismo continuará como presença fundamental
nos rumos da gestão do estado capitalista nos próximos anos. Somado à sua força
de ruas e de redes, já está dado que sua pauta reacionária continuará em vigor
no nível estadual e no congresso: mais “reformas” (sic!), repressão, ataques à
educação, conservadorismo, fundamentalismo religioso etc.
O Brasil segue sendo, assim, um caso
exemplar, mas longe de ser o único, de ressurgimento e reforço da
extrema-direita, fascista, no mundo. Trump parabenizou o desempenho de
Bolsonaro, continuando a apoiá-lo abertamente. Demais movimentos, partidos e
governos de extrema-direita pelo mundo, apoiadores do bolsonarismo, agora
voltam seus olhos para o segundo turno no Brasil.
A constatação de que o bolsonarismo se
consolidou, com capacidade eleitoral e apoio de massa, foi um balde de água
fria na “esquerda” reformista e eleitoreira. A largada na frente no primeiro
turno teve gosto de derrota. Vários da militância petista estavam confiantes
numa vitória já nesse turno, e num desempenho muito melhor em estados centrais,
como São Paulo. Contavam para isso com os resultados das pesquisas de intenções
de voto, com sua costumeira subserviência para agradar as classes dominantes e
a mídia e com seu caráter pacífico e conciliador (com os poderosos). Erraram
redondamente, pois seu adversário político, em ofensiva política nas redes e
nas ruas, incluindo aí as grandes manifestações de rua de 7 de setembro,
mostrou força eleitoral a ganhar mais votos úteis na reta final.
Com mais essa eleição, fica ainda mais
nítida a falência do eleitoralismo da “esquerda” para derrotar a
extrema-direita, o fascismo, o bolsonarismo. Mesmo que vença a presidência, o
PT e seus satélites partirão para um governo no qual a força política na
ofensiva será o bolsonarismo. Tal força política, que possui seu lado
institucional, mas também seu caráter “anti-sistêmico”, só será derrotada pela
luta das classes dominadas. As mesmas lutas que o PT e seus aliados se esforçam
para desmobilizar há muito tempo. A campanha regada a imobilismo do PT pode até
vencer, mas cobrará seu custo em “governabilidade” mais na frente – ou seja,
nos recuados acordões petistas com a burguesia –, e não gera a contraposição
necessária à radicalidade do bolsonarismo que não parará por si só.
A continuidade da crise
política e da ofensiva burguesa
Mesmo considerando as indefinições do
segundo turno, há uma forte tendência para a continuidade da crise política que
se arrasta no país há quase uma década. Eis uma perspectiva importante para a
luta de classes no Brasil hoje. Essa crise tem acirrado a disputa entre as
forças políticas burguesas e setores do estado, ampliado o descontentamento
popular contra as instituições e instaurado um quadro de instabilidade quase
crônico no sistema político.
Um dos motores fundamentais dessa crise, e
que se alimenta da mesma, é o próprio bolsonarismo, que, mesmo amargando uma
eventual derrota para a presidência, permanecerá enquanto força política
fundamental. Enganam-se os que piedosamente imaginam o fim das ameaças
golpistas e autoritárias, dos riscos de anarquia militar, a dissolução de
grupos paramilitares etc. apenas com a possível saída de Bolsonaro da
presidência. A campanha eleitoral e o primeiro turno já consolidaram, para o
próximo período, uma retaguarda institucional sólida não só para o avanço de
suas pautas reacionárias no congresso e estados, como também indicou a
existência de um núcleo militante com significativa influência de massa e
disposição de luta.
Os ataques às urnas e a desconfiança com
pesquisas e resultados, como se sabe, foi recorrente entre os bolsonaristas, e
seria uma imensa ingenuidade achar que uma derrota seria aceita sem alguma
resistência política de seu campo. Seu movimento irmão, o trumpismo, está aí
como exemplo vivo. A crise política continuará, com ou sem Bolsonaro no
Planalto.
Há um ano, já alertávamos
que:
“ao contrário daqueles
que esperam que as eleições subitamente acabem com a crise política, retornando
à ‘normalidade’, a chamada ‘polarização’, a existência de uma extrema-direita e
de uma direita organizadas e com base social, deve permanecer ainda por muito
tempo.”
Essa crise pode também se agravar e ganhar
novos contornos diante da piora do quadro econômico nacional. As atuais
projeções para o próximo ano preveem retorno à estagnação econômica no Brasil e
desaceleração na economia mundial. As lutas dos/as trabalhadores/as têm vivido
uma pequena elevação, sobretudo pela redução da pandemia, diminuição do
desemprego e volta da carestia de vida, e podem também se intensificar no
próximo período, elevando o descontentamento popular.
A postura do campo petista, como sempre,
aponta para ainda mais recuos e subserviência ao patronato e seus intentos cada
vez mais autoritários, não indicando em nada uma perspectiva de luta e combate
de fato com o bolsonarismo. Afinal, o foco de seus governos é apenas um: servir
da melhor forma possível os patrões.
Nesse sentido, outra perspectiva para a
luta de classes no Brasil é a continuidade da ofensiva burguesa, consolidando
ou aperfeiçoando as “reformas” a favor dos patrões feitas até aqui, ou mesmo
avançando para novos ataques. Petismo e bolsonarismo, cada um a seu modo,
servirá esse propósito, assim como os governadores e a atual configuração do
congresso. Caso não intensifiquemos nossas resistências e lutas, é certo que os
ataques dos patrões continuarão, que nossas conquistas arrancadas não serão
reconquistadas, independente do presidente eleito.
Os encontros com os patrões deverão
continuar na campanha para o segundo turno, para ambas as chapas presidenciais.
A disputa será de quem serve mais e melhor ao capital na atual conjuntura. E,
para isso, a tendência é que Lula-Alckmin caminhem ainda mais à direita,
vendendo-se ainda mais (se é que isso é possível!). Como se não bastasse toda
subserviência e sinais para o mercado e os patrões ao longo da campanha do
primeiro turno, a começar pelo vice conservador Alckmin, o capital exige mais!
Cobram um programa ainda mais “explícito” para apoiar a dupla PT/“PSDB”,
acompanhando o apoio de Simone Tebet. Uma nova “carta” de Lula, agora ao
agronegócio, já se encontraria em fase final, segundo a Folha de São Paulo. E
isso porque a campanha para segundo turno mal começou.
Manter firme a posição de
independência de classe no segundo turno
É um erro, em tal conjuntura, ceder ao
canto de sereia do oportunismo e se colocar a serviço de Lula-Alckmin. Essa
posição reformista tem sido adotada, como esperado, pelo PCB, PSTU e outros
movimentos populares e sindicais, que nos intervalos das eleições prometem ser
oposição ao PT (após darem de tudo para elegê-lo!). Esses setores, após anos de
reboquismo ao PT, se tornaram rapidamente “Lula lá” depois do primeiro turno. O
PCB, por exemplo, nem esperou a apuração terminar, tamanha a pressa em entrar
de cabeça na campanha com Lula, Alckmin, Meirelles e cia.
As justificativas para o já esperado apoio
são um show à parte de hipocrisia, enganação e oportunismo. O PSTU afirma que,
nos governos do PT, “o aprofundamento dos problemas sociais aliado ao
retrocesso na consciência de classe foram combustíveis para o surgimento do
bolsonarismo”, e assim mesmo, conclui pelo apoio a Lula-Alckmin. Já o PCB
diz que “a profundidade da crise que estamos vivendo não pode ser resolvida
buscando-se conciliar os interesses da burguesia com os dos trabalhadores, como
propõe a candidatura petista”. Logo… votará no petista e seu companheiro
tucano. A dependência às instituições burguesas e ao petismo, no caso do PCB,
chega ao absurdo de indicar que “encerrado o primeiro turno das eleições,
cessa também a possibilidade de apresentação de um programa proletário
independente” (!); “nós precisamos eleger Lula para continuar nossa luta”
(!!!). Depois, ainda reclamam quando as massas não os diferenciam dos petistas
e demais partidos burgueses.
O Coletivo Cem Flores segue firme
denunciando o engodo eleitoral e o papel nefasto do petismo e seus satélites. E
nessa posição se soma a vários grupos e organizações comunistas, pequenos em
seu tamanho e influência, mas que apontam para o caminho da revolução. Como diz
o Coletivo Veredas, em sua análise do primeiro turno, “a única alternativa
real, politicamente viável de derrotar o conservadorismo é a alternativa
revolucionária”. E não será possível construí-la se a postergarmos
indefinidamente, a cada rodada do jogo eleitoral burguês.
Aqueles/as que realmente querem combater o
bolsonarismo e sua influência nas massas não podem confiar nem referendar uma
candidatura como a de Lula-Alckmin. Ela já provou, no primeiro turno mesmo, sua
incapacidade de fazer barrar a ofensiva fascista. Além do mais, se não
bastassem os 14 anos de governos petistas a serviço do capital, seu programa é
um programa das classes dominantes, que em nada serve aos trabalhadores. Cair
nesse engodo é nos afastarmos ainda mais da necessária retomada das lutas dos
dominados para pôr um basta ao avanço da fascistização e da ofensiva burguesa
do Brasil.
Para sair dessa grave conjuntura, só há um
caminho, o da luta de classes do proletariado, o da reorganização da posição
proletária e avanço da resistência concreta. As tarefas dos/as comunistas
continuam as mesmas, apenas a urgência e a necessidade delas são reforçadas
diante a consolidação do bolsonarismo: levantar a bandeira do
marxismo-leninismo, aprofundar nossa inserção nas massas, reconstruir o
verdadeiro partido de luta do proletariado, o Partido Comunista, e apontar o caminho
da revolução proletária e da construção do socialismo, única solução à podridão
capitalista em que vivemos.
Edição: Página 1917
Fonte: https://cemflores.org/
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