Carlos Marighella
Todos os partidos do proletariado que foram adiante e obtiveram vitórias — inclusive chegando ao poder — passaram por um processo mais ou menos agudo de luta interna. Isto aconteceu na URSS, na China, em Cuba e outros países.
A experiência histórica brasileira mostra —
por sua vez — que todos os passos para a frente em questões de orientação ou de
correção da erros, na vanguarda do proletariado, sempre foram acompanhados de
intensa luta interna.Mariguella após deixar a prisão, em 31 julho de 1964.
Foi o que se deu em 1942-1945 (período do
Estado Novo) e em 1956-1958 (período da discussão do culto à personalidade). É
o que se dá agora, no período da derrota imposta ao nosso povo pelo golpe
militar-fascista de 1º de abril de 1964.
Que é a luta interna, como e
por que ocorre no partido marxista do proletariado?
A luta interna é o choque que sobrevém no
seio do partido, quando se confrontam ideias contrárias, relacionadas com a
prática na atividade dos militantes.
A dialética marxista incumbe-se de explicar
o mecanismo da luta interna e sua natureza intrínseca, isto é, sua natureza
própria, peculiar.
A dialética marxista mostra que, no mundo,
tudo é inter-relacionado, tudo se desenvolve, quer se trate da natureza, da
sociedade humana ou do pensamento. A vanguarda do proletariado brasileiro, que
é um organismo social vivo, representando interesses políticos e ideológicos de
uma determinada classe, não foge aos princípios da dialética marxista. O que se
passa na vanguarda de nosso proletariado obedece às leis fundamentais da
dialética marxista. A ideologia do partido é uma ideologia determinada, é a
ideologia do proletariado. Sobre ela, porém, exerce uma enorme influência a
ideologia burguesa, vinda do exterior.
O choque é inevitável, sobretudo nos momentos
de derrota do proletariado, quando a ideologia burguesa aproveita as brechas
ocorridas no seio da vanguarda e penetra mais fundo.
A derrota do partido marxista do
proletariado é — via de regra — consequência de erros que se localizam na
incompleta acumulação ideológica no seio da vanguarda ou na influência
demasiado acentuada da ideologia burguesa. Outras causas de erros podem
subsistir. Mas o fundamental consiste em causas ideológicas.
Devido, pois, ao papel ativo das ideias na
sociedade e no partido marxista do proletariado, a luta interna deve
obrigatoriamente ser tratada como luta ideológica, não podendo ser levada a
efeito, com resultados positivos, se não obedecer às leis da dialética
materialista, aos princípios da filosofia marxista.
Sob o ponto-de-vista dos princípios, o
primeiro cuidado na luta interna é não tratá-la como luta entre inimigos.
O partido em seu conjunto luta contra os
inimigos de classe. Sua finalidade é assegurar a direção da luta de classes dos
trabalhadores — e como consequência a direção da luta de todo o povo pela sua
libertação, a paz, o progresso, o socialismo.
A luta interna é chamada luta interna, no
partido marxista do proletariado, exatamente para diferençá-la da luta que ele
— o partido marxista — trava e dirige em nome dos interesses políticos e
ideológicos do proletariado e de todo o povo, contra os inimigos da classe
operária e da nação brasileira, contra o imperialismo, contra o latifúndio,
contra as classes exploradoras, contra tudo o que freia o progresso, a marcha
para a frente.
A luta interna não é um reflexo da luta de
classes nem a própria luta de classes no interior do partido.
No interior do partido não há tal, porque o
partido não é uma organização composta de classes opostas.
Os membros do partido lutam pelos objetivos
de classe do proletariado e esforçam-se por [para] que sua consciência seja uma
só — a consciência do proletariado.
Os conflitos que surgem no partido não
provêm de choques de classes diferentes, atuando internamente, mas de
influências ideológicas das classes que exteriormente são hostis ao
desenvolvimento da consciência de classe do proletariado e de seu partido.
Os que discordam no interior do partido não
são inimigos de classe. As discordâncias são uma contingência dialética do
desenvolvimento da consciência e derem ser toleradas e admitidas normalmente.
Na luta interna não se trata de liquidar
quadros. Não se trata de aplicar medidas de coação.
Quando a luta interna é encarada como luta
de classes no interior do partido, estamos em face de um desvio, de um
desvirtuamento do marxismo e sua filosofia.
Ter a luta interna na conta de luta de
classes (ou de uma forma de luta de classes) é um procedimento que estimula a
prepotência, favorece o clima do culto à personalidade, fomenta o poderio
individual ou a luta de grupos.
É igualmente errôneo considerar a luta
interna como luta desordenada, visando a desrespeitar o centralismo
democrático, principio diretor da estrutura e funcionamento do partido, onde a
unidade e a disciplina permanecem necessária e obrigatoriamente como
fundamentos partidários.
Difundir a intolerância, exercer qualquer
tipo da coação, liquidar quadros, fracionar, abalar a unidade e a disciplina,
são métodos condenáveis e condenados na luta interna.
Não sendo uma luta entre inimigos, a luta
interna tem que obedecer necessariamente a um método capaz de fazer avançar o
partido marxista do proletariado, sem destruí-lo internamente e sem debilitar a
sua unidade ou enfraquecê-lo perante o inimigo de classe.
Dentro do partido não se pode evitar a luta
interna. Os que pensam impedir ou deter a luta interna (ou diante dela se
omitem) desconhecem a inexorabilidade das leis que presidem ao desenvolvimento
social.
A luta Interna, como qualquer outra luta que
diz respeito a relações entre os homens, não é desencadeada por forças cegas,
espontâneas. Ao contrário, a luta interna, assim como qualquer outra lei objetiva
do desenvolvimento social, manifesta-se através da ação dos indivíduos. Estes,
a princípio, podem ser surpreendidos com a manifestação das leis objetivas. Ou
podem ser levados a exageros e excessos ao interpretá-las, ou à omissão.
Todas as leis objetivas, porém, são
cognoscíveis, podem vir a ser conhecidas, e os homens podem utilizá-las ou vir
a utilizá-las corretamente em sua atividade prática.
Assim, uma vez surgida, é através da ação
dos homens, é através da atividade a da consciência dos membros da vanguarda
que a luta interna será realizada. Os homens são seres conscientes, que propõem
determinados objetivas e se esforçam por alcançá-los.
O marxismo é o que pode haver de mais oposto
e contrário ao espontaneísmo e à renúncia ao domínio das leis sociais.
Em vez de deixar que as leis objetivas se
manifestem sem dominá-las, o materialismo histórico procura conhecê-las e
utilizá-las como guia em favor da ação do proletariado.
Daí por que só há um método correto a ser
aplicado na luta interna, um único método capaz de fazer avançar o partido no
curso de tal luta, e este é o método dialético-materialista.
Segundo tal ponto-de-vista, a luta interna
constitui a um só tempo uma luta ideológica e teórica.
A teoria por si só não pode modificar a
realidade, não tem condições para fazê-lo. Mas sem a teoria é impossível
conhecer e dominar as leis objetivas, uma vez que o conhecimento não é mais do
que a atividade teórica do homem.
Como luta teórico-ideológica, a luta interna
exige que se saiba generalizar a experiência da realidade brasileira, a
experiência concreta de nossa revolução e de nosso partido. E isto não se
consegue sem o manejo da teoria.
O objetivo da lula interna — no seu aspecto
teórico-ideológica — ou como luta teórico-ideológica — é conseguir chegar a
mudanças na cabeça dos homens, na consciência dos militantes da vanguarda.
Assim se podem obter transformações internas
(do ponto-de-vista ideológico), transformações que facilitem melhor traçado e
execução da linha política. Tudo está em obter um avanço na acumulação
ideológica, em melhorar a condição ideológica do partido em favor das
concepções proletárias.
A luta ideológica, aliás, ou a luta
teórica-ideológica, não é uma luta abstrata. Ela só tem valor quando
inler-relacionada com a luta política, levando-se em conta que, se as coisas
não forem vistas sob o ângulo da ideologia de classe do proletariado, nada se
conseguirá no terreno da política.
Por exemplo, sob o governo Goulart a linha
política foi levada a uma derrota (a de 1º de abril) em consequência da falta
das condições ideológicas. Ou seja — de nossa parte — a existência da profundas
ilusões de classe na burguesia, ao lado de uma flagrante submissão à política
do governo, então empenhado na luta pelas reformas de base.
Todos os Partidos e homens (teóricos ou
práticos) que avançaram no caminho da revolução marxista, só o fizeram
reformando sua ideologia no curso de lutas internas. Mesmo Marx e Engels —
fundadores do socialismo científico — antes de se transformarem em marxistas,
eram hegelianos de esquerda, e, em dado momento, feuerbachianos, como
confessaram. Não teriam superado suas posições de democratas radicais, se não
se colocassem sob o ângulo de visão do proletariado e não tivessem mudado de
ideologia.
O caso de Cuba é outro exemplo. Ali,
reformas ideológicas foram efetivadas no curso da luta interna, e à medida que
se foi dando, na prática, o emprego da crítica e da autocrítica.
É por isso que a crítica e a autocrítica
fazem parte obrigatória e indispensável do método aplicado na condução da luta
interna. É necessário não esquecer — nesse caso — que o emprego da crítica e
autocrítica exige como ponto-de-partida fixar uma posição de classe (a posição
de classe do proletariado), para o exame dos erros cometidos. Examinados esses
erros — sob tal ponto-de-vista — não é difícil chegar à conclusão de que o
fundamental na luta interna e no método de encaminhá-la é chegar a uma reforma
da ideologia.
Como tal entende-se renunciar às posições
ideológicas falsas e chegar às posições ideológicas inerentes à classe
operária.
Quais são as posições
falsas, quais as que correspondem aos interesses do proletariado?
A luta interna poda responder a estas
questões — no caso brasileiro — quando se defrontam as ideias em torno da
hegemonia da revolução da questão agrária, da aliança operário-camponesa, do
problema do poder, da constituição da frente única, dos caminhos da revolução
(pacifico ou armado), da tática eleitoral, das formas de luta, do papel do
partido, de sua independência de classe ou do reboquismo ante a burguesia, e
várias outras questões.
Edição: Página 1917.
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