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segunda-feira, 24 de junho de 2019

VICTOR ALLEN BARRON: HEROICO COMUNISTA NORTEAMERICANO ASSASSINADO PELA POLÍCIA DE FILINTO MÜLLER EM 1936

VICTOR ALLEN BARRON em 1935.

Anita Leocadia Prestes

     O jovem comunista norte-americano Victor Allen Barron (16/3/1910 – 5/3/1936) chegou ao Rio de Janeiro em 1935 em missão da Internacional Comunista (IC), atendendo a solicitação da direção do Partido Comunista Brasileiro (PCB), para colaborar com o movimento antifascista então em curso no Brasil, que ganhava força e importância a partir da fundação da Aliança Nacional Libertadora (ANL).(1) Dada sua competência na área de radiocomunicações, sua tarefa consistia em instalar uma estação radiofônica para comunicação direta entre a o Bureau Sul-Americano da IC, localizado no Rio de Janeiro, e o Secretariado Sul-Americano dessa entidade, sediado em Moscou, o que, após uma série de dificuldades, foi alcançado poucos dias antes dos levantes antifascistas de novembro de 1935.(2) Com o fracasso dos levantes e a violenta repressão desencadeada pelo governo de Getúlio Vargas, sucederam-se as prisões de militantes da ANL e de dirigentes comunistas, incluindo os membros do Bureau Sul-Americano da IC. Rodolpho Ghioldi, dirigente do Partido Comunista da Argentina e do Bureau Sul-Americano da IC, preso no Rio de Janeiro em 22 de janeiro de 1936, não resistindo às ameaças policiais, delatou diversos camaradas, inclusive Victor Barron, reconhecendo sua foto e fornecendo o endereço onde ele residia, fatos hoje comprovados pela abertura dos arquivos do Tribunal de Segurança Nacional e da Polícia Política do Rio de Janeiro.(3)

      A consulta a tais documentos é reveladora das informações transmitidas à polícia por Ghioldi, que não foi submetido à tortura, enquanto Barron, torturado barbaramente, recusou-se a prestar qualquer tipo de declaração. Em todos os arquivos referentes àquele período, inexiste qualquer depoimento de Barron, inclusive em seu prontuário, que hoje se encontra no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Barron era a única pessoa que conhecia o esconderijo de Prestes, pois ele o conduzira em seu carro à Rua Honório 279, no bairro carioca do Méier, enquanto Ghioldi soubera pelo próprio Prestes que ele iria para esse bairro, sem ter conhecimento, entretanto, do endereço exato. Após a prisão de Ghioldi, a polícia dirigida por Filinto Müller, percorreu o Méier durante 40 dias até localizar o esconderijo de Prestes na madrugada do dia 5 de março de 1936.

     Se Barron tivesse falado, isso não teria sido necessário. Poucas horas após a prisão de Prestes e Olga, Barron foi jogado de uma janela do prédio da Polícia Política na Rua da Relação, acusado de suicídio. Ao mesmo tempo, Filinto Müller, o famigerado chefe policial, anunciava à imprensa a prisão do líder comunista, que teria sido possível graças às informações prestadas por Barron. Era posta em curso uma farsa destinada a encobrir e proteger Rodolpho Ghioldi em recompensa por sua valiosa colaboração com as autoridades.(4)

     A imprensa da época registrou amplamente esses acontecimentos, repetindo a versão mentirosa divulgada por Filinto Müller. Conforme noticiou O Globo, no próprio dia 5 de março:

"Preso há algum tempo já pela polícia carioca, o extremista Victor Allen Barron, nas declarações sucessivas que prestou, acabou por denunciar a estadia de Luiz Carlos Prestes no Rio. Entrando em diligências a polícia terminou por localizar o ponto onde se encontrava o chefe da revolução comunista, levando a efeito, hoje, numa diligência aparatosa, a sua prisão. Luiz Carlos Prestes foi capturado pela manhã, à rua Honório n. 279, sendo conduzido para a Polícia. O denunciante, ao ter a notícia da prisão, suicidou-se, ao que fomos informados, saltando do 2º andar do palácio da rua da Relação ao pátio interno."(5)

     Da mesma maneira, o Diário da Noite escrevia que Barron, “recolhido à Delegação de Ordem Pública e Social, informou às autoridades que o capitão Luiz Carlos Prestes se encontrava de novo nesta capital, asilado em uma casa da rua Honório, com o n. 279, em Todos os Santos”.(6). A Gazeta de Notícias divulgava que Victor Allen Barron denunciara à polícia o esconderijo de Prestes.(7)

     A imprensa burguesa do exterior também repetiria a mesma versão. Na França, Le Temps informou a seus leitores que Barron teria se suicidado, movido por remorsos de ter delatado Luiz Carlos Prestes. (8)
     Por outro lado a imprensa mundial comunista e de esquerda denunciou o assassinato de Barron pela polícia brasileira. O jornal Labor Defender, publicado nos EUA, divulgou artigo do pai de Victor Allen, o jornalista e dirigente do Partido Comunista dos EUA Harrison George, denunciando a morte trágica do filho(9), assim como o Daily Worker, órgão impresso do Partido Comunista dos EUA, também o fez.(10).
     Como a documentação dos arquivos citados só começou a ser aberta aos pesquisadores nos anos 1980, a versão policial difundida por Filinto Müller adquiriu foro de verdade e passou a ser repetida por historiadores do período e jornalistas que escreveram sobre o tema, como John W. F. Dulles, no primeiro caso, e William Waack, no segundo.(11)

     Dispondo hoje de documentos comprobatórios do verdadeiro comportamento de Victor Allen Barron frente à brutal repressão movida pela polícia sob o comando de Filinto Müller, é nosso dever contribuir para que as novas gerações de brasileiros tomem conhecimento da história de exemplar resistência e de admirável heroísmo do jovem comunista norte-americano de apenas 26 anos, que não vacilou em dedicar sua curta existência à nobre causa do socialismo e do comunismo e morrer preservando sua dignidade humana, sem trair os companheiros.

VICTOR ALLEN BARRON, PRESENTE!

Rio de Janeiro, maio de 2019.

1 Ver Anita Leocadia Prestes, Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora: os caminhos da luta antifascista no Brasil (1934/35) (São Paulo, Brasiliense, 2008).

2 Informações concedidas à autora por Luiz Carlos Prestes.

3 Ver Anita Leocadia Prestes, Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro (São Paulo, Boitempo, 2015), cap. VII.

4 Ver trecho extraído do Relatório acerca das atividades de Rodolpho Ghioldi apresentado ao major Filinto Müller pelo delegado especial Batista Teixeira, em 8 set. 1941, prontuário n. 5.878 de Rodolpho Ghioldi da Polícia Política do Rio de Janeiro (Aperj), p. 42-43, in ibidem, p. 188-89

5 O Globo, Rio de Janeiro, 5 mar. 1936.

6 Diário da Noite, Rio de Janeiro, 5 mar. 1936.

7 Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 6 mar. 1936.

8 Le Temps, Paris, 22 abr. 1936; 24 abr. 1936.

9 Labor Defender, New York, abr. 1936.

10 Daily Worker, New York, mar. e abr. 1936.

11 Ver John W.F. Dulles, O comunismo no Brasil, 1935 – 1945 (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985), p. 31; William Waack, Camaradas nos arquivos de Moscou; a história secreta da revolução brasileira de 1935 (São Paulo, Companhia das Letras, 1993), p.300.





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