José Welmowicki*
10-04-2025
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José Welmowicki (1952-2025) |
O dia 7 de outubro ficará na história da luta pela libertação nacional na Palestina e no Oriente Médio. Foi o dia em que a resistência palestina conseguiu infligir uma derrota ao exército de ocupação e romper, por um período, o cerco ao qual os palestinos são submetidos diariamente por Israel há 16 anos. Uma incursão preparada e coordenada conseguiu romper a barreira que cerca Gaza em vários pontos – barreira essa que impede a saída de qualquer palestino. As câmeras e os dispositivos de vigilância não funcionaram porque os combatentes os inutilizaram. Até aquele dia, a fama acumulada por Israel em várias guerras contra seus vizinhos árabes e a guerra permanente contra os palestinos conferia-lhe um prestígio macabro, a ponto de sua tecnologia de vigilância, seus veículos blindados de repressão à população terem sido exportados para muitos países.
Foi um fiasco para o exército israelense. Em geral, os especialistas da área apontam, de forma central, uma falha do aparato de inteligência, como o Mossad. Em nossa opinião, esse não foi o único fracasso. A reação das tropas da brigada que vigia Gaza foi facilmente derrotada pelos militantes do Hamas. Segundo as informações divulgadas, muitos oficiais e até coronéis e generais foram encarcerados. A reação do restante do exército foi tardia e lenta. O que pode estar por trás dessa derrota são dois fatores: 1) toda ocupação colonial leva a um desgaste das tropas envolvidas e gera uma crescente incapacidade de combater – como ocorreu com as tropas francesas na Indochina e na Argélia, e com as norte-americanas no Vietnã, cuja atividade cotidiana se resume a reprimir, de forma perversa e covarde, uma população desarmada; 2) quando os oprimidos se rebelam e se enfrentam a essas tropas, estas perdem a confiança em suas forças e se assustam com a reação dos rebeldes oprimidos. No caso dos soldados sionistas em Gaza, os vídeos gravados mostram exatamente esse tipo de reação das tropas de guarnição encarregadas da repressão.
Mas o que nos dizem – e o que aparece de forma avassaladora nos meios de comunicação – é que tudo se tratou de um ataque terrorista do Hamas contra a população civil de Israel. Não há outra causa senão a “ferocidade assassina” desta organização.
E, como aconteceu na guerra do Iraque e em muitas outras no Oriente Médio, foram disseminadas uma série de notícias falsas. A falsa história da suposta decapitação de bebês chegou a ser divulgada pelo presidente dos EUA, Biden, que chegou a mentir dizendo ter visto essas fotos, quando se tratava apenas de uma invenção de um blogueiro ultradireitista israelense, sem qualquer comprovação. Isso acabou sendo desmentido, mas sem grande destaque. Vídeos divulgados como evidência de “ataques a civis” mostravam, na verdade, um ataque a uma base militar israelense na qual soldados surpreendidos tentaram se esconder de uma coluna do Hamas, que acabou invadindo-a e, posteriormente, aqueles mesmos soldados foram encontrados mortos. Em outras palavras, tratava-se de uma batalha militar. E as invasões de vilarejos e bairros nas cidades israelenses vizinhas a Gaza são apresentadas como ataques premeditados contra civis, quando, em uma guerra assimétrica como a travada entre o Estado de Israel e a Faixa de Gaza – cercada e sistematicamente bombardeada – os vilarejos e cidades próximas a Gaza fazem parte do dispositivo militar do ocupante, ou seja, de Israel, e, portanto, devem ser enfrentados quando este realiza uma incursão militar em resposta ao cerco, constituindo objetivos militares. Ao menos é assim que Israel tratou, durante décadas, tanto a própria Gaza quanto a Cisjordânia, que é fonte de toda a violência. Contudo, esses mesmos meios de comunicação não dizem uma palavra de condenação quando colonos e o exército sionista invadem vilarejos, destroem as casas da população e matam seus habitantes.
O surpreendente é que, para os meios de comunicação, bem como para os governos e partidos dos EUA e da UE, os bombardeios massivos sobre Gaza – que matam um número impressionante de civis – são vistos apenas como “uma retaliação” por parte de Israel! Portanto, segundo esses narradores, estão justificados. Em outras palavras, seguem o mesmo roteiro do ministro da Defesa israelense, que classificou os habitantes de Gaza como “animais humanos”. O máximo que fazem alguns é sugerir “contenção” aos genocidas.
Os meios de comunicação não mostram nada do sofrimento das crianças palestinas, nem antes nem depois dos ataques. Não dão importância a fatos como o dos nove funcionários da ONU em Gaza, que foram assassinados pelo exército israelense ao tentarem socorrer os feridos. Mas Israel declara que todos os seus alvos são militantes terroristas que “se escondem nas casas dos palestinos” e, portanto, qualquer alvo residencial ou mesmo instalações médicas e escolas em Gaza integram seus objetivos de guerra.
Assistimos, em tempo real, através dos meios de comunicação mundiais e das redes sociais, a cenas idênticas à Nakba de 1948. O governo israelense, não satisfeito com o deslocamento forçado de mais de um milhão de pessoas em poucas horas, declara que devem sair do território imediatamente para não serem alcançados por seus bombardeios. Chega até a ordenar o bombardeio de um comboio de palestinos que tentava sair do Norte para chegar ao Sul da Faixa. E o que dizem os meios? Faz parte da “contraofensiva” de Israel, que, em princípio, estaria justificada, não exibindo fotografias nem imagens das atrocidades e dos assassinatos de civis palestinos em Gaza.
Há outra omissão vergonhosa dos meios de comunicação mundiais: televisão e jornais estão inundados de declarações de entidades judaicas sionistas e vinculadas a Israel, todas defendendo os ataques do Estado racista de Israel (chegam até a afirmar que um Estado que nasceu de uma limpeza étnica, que mantém uma ocupação por décadas e que trata os palestinos como cidadãos de segunda classe ou prisioneiros em suas próprias cidades, é a única democracia no Oriente Médio!).
Mas não dão espaço à voz dos movimentos judaicos que se opõem à linha genocida de Israel. Alguns deles se manifestam com firmeza, como o Jewish Voices for Peace (Vozes Judaicas pela Paz) dos Estados Unidos, que conta com mais de 440 mil membros e simpatizantes. Movimentos como esse já vinham fazendo campanha contra o apartheid israelense e o racismo colonial. E, neste momento, mantiveram sua postura frente ao processo em Gaza. A seguir, reproduzimos um trecho do comunicado do Jewish Voices for Peace (JVP) de 7/10/2023:
“O governo israelense pode ter acabado de declarar guerra, mas sua guerra contra os palestinos começou há mais de 75 anos. O apartheid e a ocupação israelenses – e a cumplicidade dos Estados Unidos nessa opressão – são a fonte de toda essa violência. A realidade é montada conforme o relógio é acionado.
Durante o ano passado, o governo mais racista, fundamentalista e de extrema direita da história de Israel intensificou impiedosamente sua ocupação militar sobre os palestinos em nome da supremacia judaica, com expulsões violentas e demolições de casas, assassinatos em massa, ataques militares a campos de refugiados, cercos implacáveis e humilhações diárias. Nas últimas semanas, as forças israelenses atacaram repetidamente os lugares muçulmanos mais sagrados em Jerusalém. Durante 16 anos, o governo israelense sufocou os palestinos em Gaza sob um bloqueio militar draconiano – aéreo, marítimo e terrestre –, encarcerando e matando de fome dois milhões de pessoas e negando-lhes assistência médica. O governo israelense rotineiramente massacra palestinos em Gaza; crianças de dez anos que vivem em Gaza já estão traumatizadas por sete grandes campanhas de bombardeios em suas curtas vidas.”
Nos Estados Unidos, pesquisas recentes mostram que mais de 50% da juventude judaica do país não se sente identificada com Israel – dado que assusta os líderes sionistas locais e a Organização Sionista Mundial. Existem outros movimentos que reúnem esses setores com movimentos progressistas e comunidades de origem árabe ou muçulmana nos EUA, como demonstra a carta escrita pelo Comitê de Solidariedade com a Palestina de Graduados de Harvard, na qual os estudantes “responsabilizam integralmente o regime israelense por toda a violência em curso”, carta essa que foi assinada por 33 grupos estudantis. O fato de ter sido Harvard, a universidade de elite do país, surpreendeu sua cúpula. A reitoria se posicionou, diferenciando-se da carta, assim como vários ex-alunos – hoje executivos de grandes empresas ou ministros no governo norte-americano – também se manifestaram contrários. Ainda na Universidade de Nova York (NYU), os estudantes se manifestaram em uma declaração contra o genocídio de Israel.
Os meios também não dão cobertura às protestos dos judeus ultra religiosos que vivem em Jerusalém, no bairro Mea Shearim, que são antisionistas e colocaram uma bandeira palestina em seu templo para demonstrar repúdio ao massacre. Por isso, foram duramente reprimidos, espancados pela polícia israelense, e seu templo foi invadido para retirar a bandeira palestina.[1]
Somente existe uma verdade e um ponto de vista válido para os meios e para o establishment imperialista: o do governo genocida de Netanyahu e seu defensor incondicional – o imperialismo norte-americano, através do governo de Biden.
Qual é a situação dos palestinos na Cisjordânia?
Na Cisjordânia existem três “áreas”: uma destinada aos palestinos e outras para colonos judeus, que atualmente somam 750 mil. Estes têm total liberdade para entrar e sair tanto na Cisjordânia quanto em Israel. Jerusalém Oriental, que segundo a própria partição de 1948 deveria pertencer ao Estado palestino que se formaria, foi anexada em 1967 à Jerusalém judaica sob controle sionista. Para os palestinos, circular de uma área para outra só é possível através de inúmeros checkpoints (postos de controle), onde frequentemente passam horas submetendo-se a revistas humilhantes pelas tropas israelenses. Os colonos exibem comportamentos abertamente racistas e agressivos em relação aos palestinos, e são protegidos pelo exército. O mesmo ocorre com os palestinos que vivem na cidade de Jerusalém.
Um dos argumentos falaciosos defendidos por apoiadores de Israel nos meios de comunicação é que se trata de uma “guerra contra o Hamas”, e não contra todos os palestinos. Portanto, a questão estaria restrita a Gaza. Essa é outra mentira. A guerra contra os palestinos foca hoje em Gaza, mas, ao mesmo tempo, impõe à Cisjordânia um cerco semelhante e assassinatos de civis. Esse processo já vinha ocorrendo há muito tempo, mas agora se multiplicou de forma macabra desde o dia 7 de outubro. Segundo informações de agências de notícias, da Meia Lua Vermelha (Cruz Vermelha dos muçulmanos) e de organizações de direitos humanos, de 7 a 14 de outubro, 55 palestinos foram assassinados e 1.100 feridos na Cisjordânia por ataques de colonos sionistas, com a cumplicidade ou participação das Forças Armadas israelenses. Todos eram civis – famílias que se deslocavam de uma cidade para outra, trabalhadores ou pequenos comerciantes que tentavam abrir seus negócios. Até um cortejo fúnebre foi atacado a tiros, matando, no mínimo, quatro palestinos que participavam dele. Em nenhum desses ataques havia militantes do Hamas. Todos tinham em comum o fato de serem árabes palestinos. Essa é mais uma demonstração de que a política é de guerra e expulsão de todos os palestinos.
O Estado racista de Israel nasceu em 1948 com a Nakba – a limpeza étnica que expulsou 750 mil árabes de suas terras. Mas, por não ter conseguido se livrar completamente dos palestinos, continuou suas ações durante esses 75 anos. A partir de 1967, com a ocupação de Gaza e da Cisjordânia, manteve seus habitantes submetidos a um regime militar, que os tratava como prisioneiros e se beneficiava de seu trabalho escravo, sem lhes conceder sequer qualquer direito. Ao mesmo tempo, colonizava novas terras, expropriando os palestinos – seja em Jerusalém Oriental ou na Cisjordânia – com colonos judeus.
Devido à resistência permanente, às duas Intifadas (1987–1992 e 2000) e à persistente resistência, sua estratégia mudou. Agora, diante da resistência armada, essa estratégia se tornou explícita: a limpeza étnica de todo o território da Palestina. Para eles, ou os palestinos abandonam a Palestina ou morrem. Por isso, vê-se os colonos da Cisjordânia gritando: “Morte aos árabes” e agindo de acordo com suas palavras – ou seja, executando pogroms, tal como fizeram os antissemitas contra os judeus na Europa Oriental, como em Huwara e Turmus Ayya, na Cisjordânia.
Netanyahu apresentou um “novo mapa” da região na sessão da ONU realizada no passado mês de setembro. Nele, não existe mais a Palestina, nem mesmo territórios ocupados. Existe apenas Israel, que ocupa todo o território entre o Mar Mediterrâneo e o rio Jordão. (Foto do mapa apresentado por Netanyahu na ONU).
Uma analogia com a resistência judaica contra os nazistas: o Levante do Gueto de Varsóvia
Após a invasão nazista à Polônia em 1939, o ocupante alemão decidiu concentrar os judeus de todo o país em uma pequena região da capital, que passou a ser conhecida como “Gueto de Varsóvia”[2]. Os nazistas fizeram isso para poder controlá-los como se estivessem presos – havia muros e cercas ao redor do gueto, e somente aqueles que possuíam uma determinada carteira poderiam sair, com o intuito de utilizar seu trabalho de forma semelhante à escravidão. A comunidade judaica na Polônia era a maior dentre os países ocupados por Hitler.
Essa política nazista para com os judeus poloneses concentrados em Varsóvia durou até que decidiram buscar a “solução final” em 1942: construir campos de concentração com câmaras de gás para exterminar todos os judeus. A partir daí, capturaram os que ainda sobreviveram no gueto e os enviaram para a morte. Dos primeiros 380 mil residentes no início do gueto, cerca de 300 mil foram enviados para a morte entre 1942 e 1943.
Quando perceberam que esse seria o destino de todos, os judeus sobreviventes decidiram resistir armados, apesar de estarem em enorme inferioridade militar e logística. Formaram uma organização de resistência unida, a ZOB, e organizaram um levante em abril de 1943 que conseguiu enfrentar os soldados alemães por mais de 30 dias, causando baixas importantes às tropas nazistas. Eles sabiam que havia uma decisão iminente de levá-los e matá-los nas câmaras de gás dos campos de extermínio nazistas. Optaram, então, por resistir e morrer lutando. Os nazistas chamavam “terroristas” os combatentes judeus.
Como afirma Haidar Eid, professor da Universidade de Al Aqsa em Gaza, em seu artigo “Gaza 2023: Nosso momento semelhante ao Levante do Gueto de Varsóvia”[3], uma clareza sobre o destino que Israel impôs aos palestinos de Gaza – e também da Cisjordânia – os levou a adotar o mesmo tipo de decisão: “Em Gaza e em Jenin, recusamo-nos a marchar para as câmaras da morte de Israel. Em Gaza e em Jenin[4] – de fato, em toda a Palestina histórica – deixamos absolutamente claro que resistiremos ao regime dos colonos, ao regime colonial e de apartheid entre o rio Jordão e o Mar Mediterrâneo.”
É nesse contexto que se deve compreender a luta armada desencadeada pelos residentes palestinos.
Do lento genocídio ao extermínio
O que está ocorrendo hoje, diante da resistência armada palestina e do fracasso do intento sionista de escravizar o povo palestino e obrigá-lo a viver para sempre em condições infra-humanas, é a decisão de Netanyahu de arrasar toda Gaza, transformando o genocídio lento dos últimos 30 anos em genocídio direto por meio de bombardeios contra todos os habitantes e cortando definitivamente o fornecimento de água e energia.
O governo israelense fez um apelo cítrico a todos aqueles que queiram sobreviver para que abandonem a Faixa imediatamente, enquanto Israel bombardeia a passagem entre Gaza e o Egito, o único ponto de saída que permanece aberto. Como denunciaram os médicos da Cruz Vermelha, os funcionários da missão da ONU em Gaza, e a própria Organização Mundial da Saúde, vinculada à ONU, trata-se de uma ordem impossível de cumprir para uma população de mais de um milhão de pessoas, equivalendo a uma condenação à morte de doentes e feridos hospitalizados em Gaza. Em outras palavras, sob o pretexto de “tomar retaliações” contra os ataques do Hamas, Israel condenou à morte toda a população residente, justificando a destruição dos “terroristas”. De forma semelhante ao que Hitler fez contra os judeus a partir da “solução final” de 1942, que, diante da revolta, decidiu acabar com o Gueto de Varsóvia destruindo-o.
Com o apoio de governos ocidentais, da esmagadora maioria dos meios de comunicação e da cumplicidade de governos que se declaram “amigos dos palestinos”, como Lula no Brasil, Israel argumenta que tem “direito à autodefesa” para declarar a guerra e executar o massacre de todo um povo em Gaza e na Cisjordânia. O representante israelense na ONU se irritou quando alguns embaixadores sugeriram que ele tentasse salvar os civis palestinos em Gaza. Ele reafirmou que não era o momento de se preocupar com os “danos colaterais”, mas sim de eliminar o Hamas, mesmo que isso significasse demolir e destruir completamente a cidade. Ou seja, não lhes importam os mais de 2,2 milhões de habitantes, entre os quais, obviamente, se inclui uma grande maioria de civis – mais da metade são mulheres e crianças. E esse governo tem o cinismo de se fazer de vítima e chamar o Hamas de terrorista. Outra característica copiada do regime nazista: a propaganda mentirosa de Goebbels, cuja frase definidora era: “uma mentira repetida inúmeras vezes se torna verdade.”
Um governo que conta entre seus ministros com defensores de matar ou expulsar os árabes de todo o território palestino. Como Itamar Ben Gvir, que já foi processado como terrorista inclusive pelos tribunais israelenses, mas foi liberado e hoje é ministro da Segurança Nacional. Ele declarou publicamente que é preciso matar todos os árabes, de maneira tão explícita que até os liberais israelenses o classificam de “fascista”. Ou seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, que declarou abertamente que manterá um cerco total sobre Gaza e cortará todos os suprimentos de água, combustível e energia, pois assim destruirá o Hamas – e, obviamente, matará dezenas, senão centenas de milhares de civis, especialmente crianças. Isso constitui um crime de guerra perante o Tribunal Penal Internacional (TPI). A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch já classificaram o regime israelense como apartheid.
Netanyahu é um sucessor político de Vladimir Jabotinsky e Menachem Begin, que foram dirigentes da ala abertamente fascista do sionismo e mantinham seu próprio grupo terrorista, chamado Irgun Zvai Leumi, que atacava os árabes tratando-os como um povo inferior. Esse grupo foi responsável pelo massacre de Deir Yassin, na qual assassinaram todos os palestinos que puderam, a fim de criar um pânico que levasse os árabes a se retirarem da Palestina, como parte da Nakba[5].
Portanto, é de um cinismo abjeto que Netanyahu afirme estar vingando o assassinato em massa de judeus por parte do nazismo, enquanto pratica a mesma metodologia que Hitler, quando estes hoje representam o nazi-fascismo sionista. A diferença em relação ao nazismo original é que, desta vez, o alvo são os palestinos. Não surpreende o cinismo de Netanyahu, mas o maior cinismo provém do coro formado pelos dois partidos norte-americanos – Democrata e Republicano –, pelo governo de Macron na França, por Scholz na Alemanha, e por Sunak na Inglaterra, que se posicionam publicamente ao lado desse genocida, projetando a bandeira israelense em seus edifícios simbólicos, como a Torre Eiffel em Paris ou o Portão de Brandemburgo em Berlim. Assim como a União Europeia, alinham-se apoiando “o direito de Israel à autodefesa”. Ou seja, os fascistas sionistas querem licença total para liquidar o povo palestino – e estão conseguindo.
Solidariedade com a resistência palestina
O repúdio à ação genocida de Israel e a essa campanha para demonizar os palestinos, qualificando o Hamas de “terrorista” e classificando todos aqueles que apoiam a resistência como terroristas ou simpatizantes de terroristas, está gerando indignação e importantes manifestações.
Houve muitas manifestações em diversos países, sendo as maiores no Oriente Médio – como na Jordânia, Iêmen, Iraque e Egito. Na Jordânia, cantaram “somos Hamas, se o Hamas é terrorista, somos terroristas”. Também ocorreram mobilizações nos Estados Unidos, Inglaterra, França, em outros países asiáticos como a Coreia do Sul, e na Austrália e Indonésia. Apesar do apoio incondicional a Israel por parte de governos como o de Macron na França, Sunak na Grã-Bretanha, a resistência do movimento não se abateu e, mesmo reprimida, saiu às ruas contra o genocídio do povo palestino.
Em Paris, a polícia utilizou gás lacrimogêneo e canhões de água para dispersar uma manifestação em apoio aos palestinos, depois que o governo francês proibiu qualquer protesto deste tipo. Apesar da proibição, milhares de manifestantes se reuniram em Paris, Lille, Bordeaux e outras cidades na quinta-feira, 12 de outubro.
Na Inglaterra, a polícia britânica advertiu que qualquer pessoa que demonstrasse apoio ao Hamas – organização considerada “terrorista” pelo governo britânico –, ou que se desviasse da rota, poderia ser presa. Mesmo assim, milhares de pessoas saíram às ruas em Londres, Manchester, Liverpool, Bristol, Cambridge, Norwich, Coventry, Edimburgo (Escócia) e Swansea.
Na Alemanha, Scholz disse aos deputados do Bundestag (Parlamento alemão) que a segurança de Israel era uma política do Estado alemão. E proibiu manifestações pró-Palestina.
Agora, com a continuação da guerra genocida de Israel contra Gaza, abre-se um espaço para intervir com coragem nos organismos do movimento sindical democrático, propondo que se pronuncie contra o genocídio sionista em Gaza e convocando manifestações de apoio em todo o mundo. Apoiamo-nos no BDS, um amplo movimento de boicote a qualquer investimento e intercâmbio artístico e esportivo com Israel, até que termine o regime do apartheid – seguindo o exemplo do boicote internacional contra a África do Sul durante as décadas de 1970 e 1980.
E clamamos pelo apoio à resistência palestina, que é a forma direta de enfrentar o Estado racista de Israel e seu regime de apartheid. Como se demonstrou em mais de 20 anos dos acordos de Oslo, o caminho do “diálogo”, da “paz” e da não violência não resultou em nada concreto, exceto em desarmar a luta palestina e criar autoridades que não têm qualquer poder, exceto o de obedecer às ordens do colonizador – como sempre ocorreu com a OPA [Autoridade Palestina] de Mahmoud Abbas.
Qualquer alternativa que busque um caminho intermediário, do tipo “dois Estados”, somente paralisa o movimento. Chegou a se tornar completamente impossível, em virtude da colonização sionista em toda a Cisjordânia.
A saída é o fim do Estado racista de Israel e o surgimento de uma Palestina laica, democrática e não racista – uma Palestina livre, do rio ao mar –, como parte da luta socialista em todo o Oriente Médio.
Nossas diferenças com o Hamas
Apoiamos a resistência palestina porque é a forma direta e legítima de enfrentar e derrotar o apartheid sionista. E o Hamas esteve à frente daquele ato de resistência que abriu um caminho para o povo palestino. Nossas diferenças não se referem a se é justo empreender ações armadas contra o regime genocida sionista, como fizeram todas as revoluções coloniais contra seus opressores.
Mas consideramos que a proposta que o Hamas apresenta como saída – a de um Estado Islâmico – é equivocada e excludente, afastando os setores palestinos seculares, democráticos e socialistas de seu projeto. O Hamas também adota uma política repressiva em relação à luta das mulheres e da comunidade LGBTQI+, como se observa no Irã atual. Portanto, sua gestão em Gaza, fundamentada nessas premissas, teve um efeito negativo para a necessária unidade e democratização do movimento palestino.
Mas, hoje, é fundamental apoiar a resistência palestina neste combate entre Davi e Golias – que hoje é liderado pelo Hamas. E não caímos nas armadilhas do imperialismo nem daqueles setores que se declaram democráticos e de uma parte da esquerda, que, por essas questões, retiram seu apoio à resistência palestina, cedendo à pressão do imperialismo e do sionismo ao aceitarem o argumento de que os palestinos são retrógrados enquanto Israel é avançado, justificando isso, por exemplo, com leis como a do casamento LGBTQI+. Nenhuma dessas medidas pode nos fazer esquecer que, hoje, Israel tem o objetivo de exterminar todo o povo palestino e que devemos estar ao lado da resistência palestina contra essa tentativa genocida.
* José Welmowicki (1952-2025), o Zezóca, nasceu em Niterói (Estado do Rio) em 1952 de pais judeus seculares que haviam emigrado da Europa do Leste para o Brasil. Seu pai era polonês e militante do Partido Comunista, sua mãe nasceu no antigo território da Bessarábia (hoje Moldávia). Ambos perderam a maioria dos seus familiares nos campos de concentração nazistas.
Zezóca começou uma atividade política e cultural na década de 60 em organizações judaicas, mas logo rompeu com o sionismo de “esquerda”, permanecendo a partir daí como um decidido opositor do sionismo e do Estado de Israel, cujos crimes denuncia sistematicamente. Em seus artigos sempre faz questão de frisar que defende a causa palestina e, mesmo sendo judeu, defende o fim do Estado genocida de Israel.
Na década de 70, começou sua militância no movimento estudantil na Faculdade de Engenharia da UFF, onde foi presidente do Diretório Acadêmicos dos Estudantes. Essa foi a pior época da ditadura militar brasileira, quando diretórios estudantis foram fechados, inclusive o da Engenharia da UFF, vários de seus colegas foram presos e inclusive assassinados pela repressão.
Depois de se formar como engenheiro, Zezóca fez um mestrado em Ciências Sociais na Unicamp, onde também participou ativamente do movimento estudantil. Foi obrigado a interromper o mestrado, mas o retomou no começo dos anos 2000 e sua tese de mestrado foi transformada depois em seu livro Cidadania e classe.
Em 1976, aderiu a Liga Operária, a primeira organização trotskista brasileira ligada à Tendência Bolchevique da IV Internacional dirigida por Nahuel Moreno. Desde então sempre militou nas fileiras das organizações que representaram essa corrente internacionalmente (a LIT-QI) e nacionalmente no Brasil o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) a Convergência Socialista, o Alicerce da Juventude Socialista e finalmente, em 1994, o PSTU. Foi dirigente da Convergência Socialista desde 1977 e participou das equipes de direção dessa organização no Rio de Janeiro. São Paulo e ABC.
Como militante socialista contra a ditadura foi monitorado pelos órgãos de repressão, perseguido, preso durante 4 meses em 1978, indiciado na Lei de Segurança Nacional (LSN) e demitido de mais de uma empresa.
Em 2013 foi reconhecido como preso e perseguido político pela Comissão de Anistia, tanto por sua prisão como por sua participação na equipe de redação do jornal Versus, que foi forçado a encerrar suas atividades pelo estrangulamento econômico que sofreu de parte do regime militar. Foi anistiado, mas só em 2024 foi conquistada a sua reparação econômica.
Neste longo período de 5 décadas de militância, Zezóca se dedicou especialmente, por mais de 30 anos, à militância internacionalista como parte do Comitê Executivo Internacional da LIT, integrante do Conselho Editorial da revista Marxismo Vivo e um dos coordenadores do Centro de Formação Riazanov. Nesse período, viajou a vários países e participou ativamente das discussões dos Congressos da LIT, dos Seminários e ministrou cursos de formação.
Notas:
[1] “A polícia israelense queria retirar as bandeiras palestinas do bairro judeu. Os judeus não permitiram e se enfrentaram com a polícia. A polícia israelense invadiu o bairro de Mea Shearim, onde vivem os judeus em Jerusalém, e tentou retirar as bandeiras palestinas. Os judeus não permitiram essa ação, se opuseram à polícia sionista, e a polícia agrediu brutalmente os judeus”. Publicado por Torah Judaism (Judaísmo da Torá), 11/10/2023.
[2] Essa “prisão nazista a céu aberto” foi chamada de “gueto” em referência aos bairros onde, na Idade Média, os antigos reinos europeus obrigavam os judeus a se concentrar, a fim de controlá-los melhor e submetê-los a massacres (os pogroms) sempre que desejassem. Esses bairros eram denominados guetos.
[3] Publicado por Al Jazeera, 10/10/2023.
[4] Jenin é uma cidade da Cisjordânia que abriga um campo de refugiados, notório por sua forte resistência aos massacres sionistas.
[5] O Irgun chegou inclusive a explodir o Hotel King David em 1946, matando ingleses, árabes e até judeus durante o Mandato Britânico (para amedrontar os britânicos, visto que o Irgun era contra reservar qualquer parte da Palestina para os árabes).
Fonte: https://perspectivamarxista.com/
Edição: Página 1917
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