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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

RELATÓRIO SOBRE A REVISÃO DO PROGRAMA E A MUDANÇA DE NOME DO PARTIDO

Lenin

março-1918


Camaradas, como sabeis, desde Abril de 1917 desenvolveu-se no partido uma discussão bastante circunstanciada sobre a questão da mudança de nome do partido, e por isso no Comitê Central se conseguiu chegar imediatamente a uma decisão que não suscita, segundo parece, grandes discussões e, talvez, quase nenhuma, a saber: o Comitê Central propõe-vos que se mude o nome do nosso partido, chamando-o Partido Comunista da Rússia e, entre parêntesis, bolchevique. Todos nós consideramos necessário este acréscimo, porque a palavra «bolchevique» adquiriu direito de cidadania não só na vida política da Rússia mas também em toda a imprensa estrangeira, que segue em traços gerais o desenvolvimento dos acontecimentos na Rússia. Na nossa imprensa explicou-se já também que o nome «partido socialdemocrata» é cientificamente incorreto. Quando os operários criaram o seu próprio Estado, fizeram com que o velho conceito de democratismo — o democratismo burguês - se encontrasse superado no processo de desenvolvimento da nossa revolução. Chegamos a um tipo de democracia que não existiu na Europa Ocidental em parte alguma.* Teve o seu protótipo unicamente na Comuna de Paris, e acerca da Comuna de Paris Engels disse que a Comuna não era um Estado no sentido próprio da palavra¹. Numa palavra, na medida em que as próprias massas trabalhadoras tomam nas suas mãos a administração do Estado e a criação da força armada que apoia a ordem estatal dada, nessa medida desaparece o aparelho especial de administração, desaparece o aparelho especial de uma determinada violência estatal e, por conseguinte, não podemos ser pela democracia na sua velha forma.



Por outro lado, ao começarmos as transformações socialistas, devemos colocar claramente a nós próprios o objetivo que visam, no fim de contas, estas transformações, a saber: o objetivo da construção da sociedade comunista, que não se limita à expropriação das fábricas, da terra e dos meios de produção, que não se limita a um registo e a um controle rigorosos da produção e da distribuição dos produtos, mas que vai mais longe no sentido da realização do princípio: de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades. Eis porque o nome de partido comunista é o único cientificamente correto. No Comitê Central foi imediatamente rejeitada a objeção de que ele pode dar motivo a que nos confundam com os anarquistas, pois os anarquistas nunca se chamam a si próprios simplesmente comunistas, mas com determinados acréscimos. Neste sentido, existem muitas variedades de socialismo, contudo, elas não conduzem a que se confunda os sociais-democratas com os sociais-reformistas e com os socialistas-nacionais e outros partidos semelhantes.

Por outro lado, um argumento importantíssimo a favor da mudança do nome do partido é que, até agora, os velhos partidos socialistas oficiais de todos os países avançados da Europa não se afastaram da embriaguez do social-chauvinismo e do social-patriotismo, que conduziu durante a presente guerra à completa bancarrota do socialismo europeu oficial, de tal modo que até agora quase todos os partidos socialistas oficiais foram um verdadeiro travão para o movimento socialista operário revolucionário, um verdadeiro obstáculo para ele. E o nosso partido, que no atual momento goza, sem dúvida alguma, de simpatias extraordinariamente grandes entre as massas trabalhadoras de todos os países, o nosso partido tem o dever de fazer uma declaração o mais decidida, nítida, clara e inequívoca possível sobre o fato de que rompe as suas relações com este velho socialismo oficial, e para isto a mudança do nome do partido será o meio mais adequado para atingir o objetivo.

Em seguida, camaradas, uma questão muito mais difícil foi a questão da parte teórica do programa, da sua parte prática e política. No que se refere à parte teórica do programa, dispomos de alguns materiais, a saber: foram publicadas compilações, uma em Moscou e outra em Petersburgo, sobre a revisão do programa do partido; nos dois órgãos teóricos principais do nosso partido, a Prosvecktchénie, que se publica em Petersburgo, e a Spartak, que se publica em Moscou, foram publicados artigos que fundamentam uma ou outra orientação para a modificação da parte teórica do programa do nosso partido. A este respeito existe determinado material. Manifestaram-se dois pontos de vista principais, que, em minha opinião, não divergem, pelo menos radicalmente, quanto aos princípios; um ponto de vista, que eu defendi, consiste em que não há razões para excluir a velha parte teórica do nosso programa e que isso seria mesmo incorreto. É preciso apenas completá-la com uma caracterização do imperialismo como grau supremo do desenvolvimento do capitalismo e, além disso, com uma caracterização da era da revolução socialista, partindo de que esta era da revolução socialista começou. Quaisquer que sejam os destinos da nossa revolução, do nosso destacamento do exército proletário internacional, quaisquer que sejam as ulteriores peripécias da revolução, em todo o caso a situação objetiva dos países imperialistas, que se envolveram nesta guerra e levaram os países mais avançados à fome, à ruína e ao asselvajamento, é uma situação objetivamente sem saída. E aqui é preciso dizer o que dizia Friedrich Engels há trinta anos, em 1887, ao avaliar a provável perspectiva de uma guerra europeia. Ele dizia que as coroas rolariam às dúzias na Europa e que ninguém as quereria apanhar, falava da incrível ruína a que estavam destinados os países europeus e dizia que o resultado final dos horrores de uma guerra europeia só podia ser um — ele exprimiu-se assim: "ou a vitória da classe operária, ou a criação de condições que tornam esta vitória possível e necessária" A este respeito Engels exprimia-se com extraordinária precisão e prudência. Diferentemente daqueles que deturpam o marxismo, daqueles que oferecem as suas tardias filosofias acerca da impossibilidade do socialismo na base da ruína, Engels compreendia magnificamente que toda a guerra, mesmo em qualquer sociedade avançada, cria não só a ruína, o asselvajamento, sofrimentos e calamidades para as massas, as quais se afogarão em sangue, que não se pode garantir que isto conduza à vitória do socialismo; dizia que isso será «ou a vitória da classe operária, ou a criação de condições que tornam esta vitória possível e necessária», isto é, consequentemente, aqui é possível ainda uma série de duros graus de transição, com uma imensa destruição da cultura e dos meios de produção, mas o resultado só pode ser o avanço da vanguarda das massas trabalhadoras, da classe operária, e a passagem a uma situação em que ela tome nas suas mãos o poder para criar a sociedade socialista. Pois por muito grandes que sejam as destruições da cultura, é impossível riscá-la da vida histórica, será difícil restaurá-la, mas nenhuma destruição conduzirá nunca a que esta cultura desapareça por completo. Numa ou outra das suas partes, nuns ou noutros dos seus restos materiais esta cultura é indestrutível, as dificuldades consistirão unicamente na sua restauração. Assim, eis um dos pontos de vista, o de que devemos conservar o velho programa, acrescentando-lhe uma caracterização do imperialismo e do começo da revolução social.

Exprimi este ponto de vista no projeto de programa publicado por mim. O outro projeto foi publicado pelo camarada Sokólnikov na compilação moscovita. O outro ponto de vista foi expresso nas nossas conversações, especialmente pelo camarada Bukharin, e na imprensa pelo camarada V. Smirnov na compilação moscovita. Este ponto de vista consistia em que era necessário ou riscar completamente ou quase eliminar a velha parte teórica do programa e substituí-la por uma nova, que caracterize não a história do desenvolvimento da produção mercantil e do capitalismo, como fazia o nosso programa, mas o estádio atual do desenvolvimento supremo do capitalismo — o imperialismo — e a transição imediata para a era da revolução social. Não penso que estes dois pontos de vista divirjam radicalmente e quanto aos princípios, mas eu defenderei o meu ponto de vista. Parece-me que é teoricamente errado riscar o velho programa, que caracteriza o desenvolvimento desde a produção mercantil até ao capitalismo. Nele nada há de falso. Assim se desenvolveram as coisas e assim se desenvolvem, pois a produção mercantil engendrou o capitalismo e este conduziu ao imperialismo. Esta é a perspectiva geral histórico-universal, e não devem esquecer-se as bases do socialismo. Quaisquer que sejam as ulteriores peripécias da luta, por muitos que sejam os ziguezagues parciais que tenhamos de superar (e serão muitíssimos — vemos na experiência as gigantescas viragens que faz a história da revolução, por agora só no nosso país; mas quando a revolução se transformar em europeia, as coisas serão mais complicadas e mais rápidas, o ritmo de desenvolvimento será mais vertiginoso e as viragens serão mais complexas), para não se extraviar nesses ziguezagues e viragens da história e conservar a perspectiva geral, para ver o fio condutor que liga todo o desenvolvimento do capitalismo e todo o caminho para o socialismo e que a nós, naturalmente, se apresenta reto, e devemos apresentá-lo como reto, para ver o começo, a continuação e o fim — na vida ele nunca será reto, será incrivelmente complicado —, para não nos extraviarmos nessas viragens, para nos períodos de passos atrás, de recuos, de derrotas temporárias ou quando a história ou o adversário nos obrigarem a retroceder não nos extraviarmos, é importante, em minha opinião, e a única coisa acertada do ponto de vista teórico, não excluir o nosso velho programa fundamental. Pois entre nós, na Rússia, encontramo-nos agora apenas no primeiro grau de transição do capitalismo para o socialismo. A história não nos deu a situação de paz que imaginávamos teoricamente para certo tempo e que é desejável para nós, que teria permitido percorrer com rapidez estes graus de transição. Vemos imediatamente como a guerra civil criou muitas dificuldades na Rússia e como esta guerra civil se entrelaça com toda uma série de guerras. Os marxistas nunca se esqueceram de que a violência acompanhará inevitavelmente a bancarrota do capitalismo em toda a sua amplitude e o nascimento da sociedade socialista. E esta violência constituirá um período histórico-universal, toda uma era de guerras com o carácter mais diverso — guerras imperialistas, guerras civis dentro dos países, entrelaçamento de umas e outras, guerras nacionais, de libertação das nacionalidades esmagadas pelos imperialistas e por diferentes combinações das potências imperialistas que participam inelutavelmente nestas ou naquelas alianças na época dos enormes trustes e consórcios capitalistas de Estado e militares. Esta época — época de gigantescas bancarrotas, de violentas soluções bélicas em massa, de crises — começou, vemo-la com clareza, é apenas o começo. Por isso não temos fundamento para excluir tudo o que se refere à caracterização da produção mercantil em geral, do capitalismo em geral. Demos apenas os primeiros passos para demolir o capitalismo por completo e iniciar a transição para o socialismo. Não sabemos nem podemos saber quantas etapas de transição para o socialismo haverá ainda. Isso depende de quando começará com verdadeira amplitude a revolução socialista europeia, da facilidade, rapidez ou lentidão com que se livre dos seus inimigos e entre no caminho aberto do desenvolvimento socialista. Não sabemos isso, mas o programa de um partido marxista deve partir de fatos estabelecidos com absoluta precisão. Apenas nisto reside a força do nosso programa, que se viu confirmado através de todas as peripécias da revolução. Só nessa base podem construir os marxistas o seu programa. Devemos partir de fatos estabelecidos com absoluta precisão, que consistem em que o desenvolvimento da troca e da produção mercantil em todo o mundo se tornou o fenômeno histórico predominante, conduziu ao capitalismo e o capitalismo transformou-se em imperialismo — este é um fato absolutamente indiscutível, é preciso incluí-lo em primeiro lugar no programa. Também é um fato evidente para nós, e dele devemos falar com clareza, que este imperialismo começa a era da revolução social. Constatando isso no nosso programa, erguemos à vista de todo o mundo o facho da revolução social não só no sentido do discurso de agitação, erguemos como um novo programa, dizendo a todos os povos da Europa Ocidental: «Eis o que tiramos, juntamente convosco, da experiência do desenvolvimento capitalista. Eis o que era o capitalismo, eis como ele chegou ao imperialismo, e eis a era da revolução social, que começa e na qual nos coube a nós no tempo o primeiro papel.» Apareceremos perante todos os países civilizados com este manifesto, que não será apenas um caloroso apelo, que estará fundamentado com absoluta precisão, que se deduzirá de fatos reconhecidos por todos os partidos socialistas. Tanto mais clara será a contradição entre a tática destes partidos, que traíram agora o socialismo, e as premissas teóricas compartilhadas por todos nós, que se converteram na carne e no sangue de cada operário consciente: o desenvolvimento do capitalismo e a sua passagem ao imperialismo. Em vésperas das guerras imperialistas, os congressos em Chemnitz e em Basileia fizeram nas resoluções uma caracterização do imperialismo, e há uma contradição flagrante entre ela e a tática atual dos sociais-traidores. Devemos, por isso, repetir o que é fundamental para mostrar com maior clareza às massas trabalhadoras da Europa Ocidental aquilo de que se acusa os seus dirigentes.


Eis o fundamental, pelo qual eu considero tal estrutura do programa como a única teoricamente correta. Do caráter histórico daquilo que acontece não decorre que devamos excluir como trastes velhos a caracterização da produção mercantil e do capitalismo, pois não fomos mais além dos primeiros graus da transição do capitalismo para o socialismo, e a nossa transição complica-se na Rússia com particularidades que não existem na maioria dos países civilizados. Por conseguinte, é não só possível mas inevitável que estes estágios de transição sejam diferentes na Europa; e por isso será teoricamente errado fixar toda a atenção nesses graus de transição especificamente nacionais, que para nós são necessários mas que na Europa podem não ser necessários. Devemos começar pela base geral do desenvolvimento da produção mercantil, da passagem ao capitalismo e da transformação do capitalismo em imperialismo. Com isso ocuparemos e reforçaremos teoricamente uma posição da qual não poderá desalojar-nos ninguém que não tenha traído o socialismo. Disto decorre uma conclusão igualmente inevitável: a era da revolução social começa.

Fazemos isto permanecendo no terreno dos fatos estabelecidos incontestavelmente.

A seguir a nossa tarefa consiste numa caracterização do tipo soviético de Estado. No que se refere a esta questão, tentei expor concepções teóricas no livro O Estado e a Revolução. Parece-me que a concepção marxista do Estado foi deturpada ao mais alto grau pelo socialismo oficial dominante na Europa Ocidental, o que foi confirmado com notável evidência pela experiência da revolução soviética e da criação dos Sovietes na Rússia. Nos nossos Sovietes existe ainda uma massa de coisas grosseiras e inacabadas, isto não levanta dúvidas, isto é claro para todos os que analisem o seu trabalho, mas neles o que é importante, o que tem valor histórico, o que representa um passo em frente no desenvolvimento mundial do socialismo é que aqui foi criado um novo tipo de Estado. Na Comuna de Paris isto aconteceu durante algumas semanas, numa única cidade, sem consciência do que se fazia. Não compreenderam a Comuna os que a criaram, criaram-na com a genial intuição das massas despertas, e nem uma só fração dos socialistas franceses tinha consciência do que fazia. Nós encontramo-nos numas condições em que, graças ao fato de nos apoiarmos nos ombros da Comuna de Paris e nos longos anos de desenvolvimento da socialdemocracia alemã, podemos ver com clareza o que fazemos ao criar o Poder Soviético. Apesar de tudo o que existe de grosseiro e não disciplinado nos Sovietes, o que é uma sobrevivência do carácter pequeno-burguês do nosso país, apesar de tudo isto, as massas populares criaram um novo tipo de Estado. Ele existe não há semanas, mas há meses, não numa cidade, mas num país imenso, em várias nações. Este tipo de Poder Soviético já deu provas, ao estender-se a um país tão diferente em todos os aspectos como a Finlândia, onde não existem os Sovietes, mas onde o tipo de poder é também novo, proletário. Isto é uma demonstração do que é teoricamente indiscutível, de que o Poder Soviético é um novo tipo de Estado sem burocracia, sem polícia, sem exército permanente, em que o democratismo burguês é substituído por uma nova democracia - uma democracia que avança para primeiro plano a vanguarda das massas trabalhadoras, fazendo delas tanto o legislador como o executor e o protetor militar, e cria o aparelho que pode reeducar as massas.

Na Rússia apenas se iniciou essa obra, e iniciou-se mal. Se temos a consciência do que é mal no que iniciámos, superá-lo-emos, se a história nos der possibilidade de trabalhar este Poder Soviético durante um período mais ou menos considerável. Parece-me, por isso, que a caracterização do novo tipo de Estado deve ocupar um destacado lugar no nosso programa. Infelizmente, tivemos de trabalhar agora o programa simultaneamente com o trabalho de governo, com uma pressa tão incrível que não pudemos sequer reunir a nossa comissão, elaborar um projeto oficial de programa. Ao que se distribuiu aos camaradas delegados chamamos apenas um rascunho, e todos o verão claramente. Nele se dedicou um espaço bastante grande à questão do Poder Soviético, e parece-me que aqui deve manifestar-se a importância internacional do nosso programa. Parece-me que seria extremamente errado se limitássemos a importância internacional da nossa revolução a exortações, palavras de ordem, manifestações, apelos, etc. Isto é pouco. Devemos mostrar de uma maneira concreta aos operários europeus o que empreendemos, como empreendemos e como devem compreendê-lo, pois isto os levará de modo concreto à questão de como se pode alcançar o socialismo. Aqui eles devem ver: os russos empreendem uma boa obra, e se a empreendem mal, nós a faremos melhor. Para isto é preciso dar-lhes a maior quantidade possível de material concreto e dizer o que tentamos criar de novo. No Poder Soviético temos um novo tipo de Estado; esforçamo-nos por traçar as suas tarefas, a sua estrutura, esforçamo-nos por explicar por que razão é um novo tipo de democracia, no qual há tanto de caótico e de absurdo, qual é a sua alma viva — a passagem do poder para os trabalhadores, a abolição da exploração, do aparelho de repressão. O Estado é um aparelho de repressão. É preciso reprimir os exploradores, mas não se pode reprimi-los com a polícia, só pode reprimi-los a própria massa, o aparelho deve estar ligado às massas, deve representá-las como os Sovietes. Eles estão muito mais perto das massas, eles dão a possibilidade de estar mais perto delas, dão maiores possibilidades de educar esta massa. Sabemos perfeitamente que o camponês russo aspira a aprender, mas queremos que ele aprenda não dos livros, mas da sua própria experiência. O Poder Soviético é um aparelho, um aparelho destinado a que a massa comece imediatamente a aprender a administrar o Estado e a organizar a produção à escala de todo o país. Esta tarefa é de uma dificuldade gigantesca. Mas o que é historicamente importante é empreendermos o seu cumprimento, e cumprimento não só do ponto de vista apenas do nosso país, mas também apelando para o auxílio dos operários europeus. Devemos dar uma explicação concreta do nosso programa precisamente deste ponto de vista geral. Eis porque consideramos que ele é a continuação do caminho da Comuna de Paris. Eis porque estamos convencidos de que, empreendendo este caminho, os operários europeus poderão ajudar-nos. Farão melhor aquilo que nós fazemos, e além disso o centro de gravidade do ponto de vista formal transferir-se-á para as condições concretas. Se no passado era especialmente importante uma reivindicação como a garantia do direito de reunião, o nosso ponto de vista sobre o direito de reunião consiste em que ninguém pode agora impedir as reuniões, e o Poder Soviético deve assegurar apenas salas para reuniões. Para a burguesia, o importante são proclamações gerais de princípios altissonantes: «Todos os cidadãos têm o direito de se reunirem, mas de se reunirem ao ar livre — não vos daremos locais.» Mas nós dizemos: «Menos frases e mais substância.» É preciso tomarmos os palácios — e não só o de Táurida, mas também muitos outros —, mas nada dizemos do direito de reunião. E é preciso estender isto a todos os os outros pontos do programa democrático. Devemos ser nós próprios a julgar. Os cidadãos devem participar sem exceções na justiça e na administração do país. E para nós é importante chamar à administração do Estado todos os trabalhadores sem exceção. Esta tarefa é de uma dificuldade gigantesca. Mas o socialismo não pode ser implantado por uma minoria - o partido. Poderão implantá-lo dezenas de milhões de pessoas quando aprenderem a fazê-lo elas próprias. O nosso mérito vemo-lo em que nos esforçamos por ajudar a massa a empreender isto ela própria imediatamente, em vez de o aprender através de livros, de conferências. Eis porque, se expusermos estas nossas tarefas de uma maneira concreta e clara, incitamos todas as massas europeias a discutir esta questão e a colocá-la de modo prático. Talvez façamos mal o que é necessário fazer, mas incitamos as massas àquilo que elas devem fazer. Se o que a nossa revolução faz não é uma casualidade - e disto estamos profundamente convictos -, não é produto de uma decisão do nosso partido, mas produto inevitável de toda a revolução que Marx chamava popular, isto é, uma revolução criada pelas próprias massas populares com as suas próprias palavras de ordem, as suas próprias aspirações, e não com a repetição do programa da velha república burguesa — se colocarmos assim a questão, atingiremos o mais essencial. E chegamos aqui à questão de se convém anular as diferenças entre os programas máximo e mínimo. Sim e não. Eu não temo esta anulação porque o ponto de vista que existia ainda no Verão agora não deve ter lugar. Eu dizia «é cedo», quando ainda não tínhamos tomado o poder; agora, quando tomamos este poder e o experimentámos, não é cedo. Devemos agora, em vez do velho programa, escrever um novo programa do Poder Soviético, sem renunciar de modo nenhum ao aproveitamento do parlamentarismo burguês. Pensar que não nos podem obrigar a retroceder é uma utopia.

Do ponto de vista histórico é impossível negar que a Rússia criou a República Soviética. Dizemos que em caso de qualquer retrocesso, sem renunciar ao aproveitamento do parlamentarismo burguês — se as forças de classe inimigas nos fizerem regressar a essa velha posição —, avançaremos para o conquistado pela experiência, para o Poder Soviético, para o tipo soviético de Estado, para um Estado do tipo da Comuna de Paris. É preciso exprimir isto no programa. Em vez de programa mínimo introduziremos o programa do Poder Soviético. A caracterização do novo tipo de Estado deve ocupar um destacado lugar no nosso programa.

E claro que não podemos elaborar agora um programa. Devemos elaborar os seus postulados fundamentais e entregá-los a uma comissão ou ao Comitê Central para que elaborem as teses fundamentais. Mesmo mais facilmente: a elaboração é possível na base da resolução sobre a conferência de Brest-Litovsk, que já continha teses. Na base da experiência da revolução russa deve fazer-se uma tal caracterização do Poder Soviético e depois a proposta de transformações práticas. Aqui, parece-me, na parte histórica é preciso indicar que começou a expropriação da terra e da indústria. Colocaremos aqui a tarefa concreta da organização do consumo, da universalização dos bancos, da sua transformação numa rede de instituições estatais que abranjam todo o país e nos deem a contabilidade social, o registo e o controle efetuados pela própria população, que estão na base dos ulteriores passos do socialismo. Penso que esta parte, a mais difícil, deve ser formulada sob a forma de exigências concretas do nosso Poder Soviético - que queremos fazer agora mesmo, que reformas tencionamos efetuar no campo da política bancária, na organização da produção, na organização da troca, do registo e do controle, na introdução do trabalho obrigatório, etc. Quando conseguirmos, acrescentaremos que passos, passinhos e meios passinhos demos a este respeito. Aqui deve ser determinado de modo perfeitamente preciso e claro aquilo que começámos, aquilo que não acabamos. Todos sabemos perfeitamente que não está acabada uma parte imensa do que começamos. No programa devemos, sem qualquer exagero, de um modo perfeitamente objetivo, sem nos afastarmos dos fatos, falar do que existe e do que nos propomos fazer. Mostraremos esta verdade ao proletariado europeu e diremos: «É preciso fazer isto», para que ele diga: «Os russos fazem mal isto ou aquilo, mas nós faremos melhor.» E quando esta aspiração arrastar as massas a revolução socialista será invencível. Realiza-se à vista de todos uma guerra imperialista, de rapina até à medula. Quando à vista de todos a guerra imperialista se puser a nu, se transformar numa guerra de todos os imperialistas contra o Poder Soviético, contra o socialismo, isso dará um novo impulso ao proletariado do Ocidente. É preciso por isso a nu, descrever a guerra como uma união dos imperialistas contra o movimento socialista. Tais são as considerações gerais que considero necessário compartilhar convosco e na base das quais faço a proposta prática de efetuar agora uma troca dos pontos de vista fundamentais sobre esta questão e depois elaborar, talvez, algumas teses fundamentais aqui mesmo, e agora, se se considerar que isso é agora difícil, renunciamos a isto e entregamos a questão do programa ao Comitê Central ou a uma comissão especial encarregada de, na base dos materiais de que se dispõe e na base dos relatórios taquigráficos ou relatórios pormenorizados dos secretários do congresso, redigir o programa do partido, que deve mudar o seu nome agora mesmo. Parece-me que podemos realizar isto no momento atual, e penso que todos estareis de acordo em que, dada a insuficiente preparação do nosso programa no aspecto de redação, em que os acontecimentos nos surpreenderam, não é agora possível fazer outra coisa. Estou convencido de que o poderemos fazer em algumas semanas. Em todas as correntes do nosso partido temos forças teóricas suficientes para preparar um programa em algumas semanas. Nele, naturalmente, pode haver muito de errado, sem falar já das imprecisões de redação e de estilo, porque não dispomos de meses para efetuar esse trabalho com a tranquilidade necessária para um trabalho de redação.


Todos estes erros os corrigiremos no processo do nosso trabalho, na plena convicção de que daremos ao Poder Soviético a possibilidade de realizar este programa. Se, pelo menos, formularmos com precisão, sem nos afastarmos da realidade, que o Poder Soviético é um novo tipo de Estado, uma forma de ditadura do proletariado, que colocamos outras tarefas à democracia, que traduzimos as tarefas do socialismo da fórmula abstrata geral «expropriação dos expropriadores» para fórmulas concretas como a nacionalização dos bancos e da terra — isto será a parte essencial do programa.


A questão agrária deverá ser transformada no sentido de que vemos aqui os primeiros passos demonstrativos de que o pequeno campesinato, que quer estar ao lado do proletariado, que quer ajudá-lo na revolução socialista, com todos os seus preconceitos, com todas as suas velhas maneiras de ver, colocou a si próprio a tarefa prática da passagem ao socialismo. Não impomos isto aos outros países, mas isto é um fato. O campesinato mostrou, não com palavras, mas com fatos, que quer ajudar e ajuda o proletariado, que conquistou o poder, a realizar o socialismo. Em vão nos imputam que queremos implantar o socialismo pela violência. Repartiremos a terra de modo justo do ponto de vista, primordialmente, da pequena propriedade. Ao mesmo tempo, damos preferência às comunas e aos grandes cartéis de trabalho. Apoiamos a monopolização do comércio dos cereais. Apoiamos - assim disse o campesinato — a expropriação dos bancos e das fábricas. Estamos dispostos a ajudar os operários na realização do socialismo. Penso que deve publicar-se em todas as línguas a lei fundamental da socialização da terra. Esta publicação efetuar-se-á se não se efetuou já. No programa exporemos concretamente esta ideia - é preciso exprimi-la teoricamente, sem nos afastarmos nem um passo dos fatos concretamente constatados. No Ocidente isto far-se-á de outra maneira. Talvez cometamos erros, mas temos a esperança de que o proletariado do Ocidente os corrigirá. E dirigimo-nos ao proletariado europeu pedindo-lhe que nos ajude no nosso trabalho.


Deste modo, podemos elaborar o nosso programa em algumas semanas, e os erros que cometamos a vida os corrigirá, os corrigiremos nós próprios. Serão leves como uma pena em comparação com os resultados positivos que serão alcançados.


*Grifos do editor.

Edição: Página 1917



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