Ana Barradas
10-01-2025
Como era de prever, ambas as partes – Frelimo e toda a oposição – tiveram de se entender às pressas para conter ao caos social e econômico e conciliar o irreconciliável tanto quanto possível.
Assim, vamos ter agora o “herói” Venâncio de cabeça baixa, debaixo da traição do chefe do seu partido, a participar no parlamento de Moçambique sem ter atingido o seu objetivo de vir a ser o grande líder do governo.
Esse sonho era desde o começo em si mesmo idealista porque, mesmo com o forte apoio popular que conseguiu concitar – no início inclusive de largos setores da burguesia, que depois se retraiu diante da sublevação da arraia miúda nas ruas – nunca teria a aprovação não só da Frelimo como da chamada comunidade internacional para subverter de pernas para o ar os resultados das eleições, ainda que problemáticos.
A verdade é que quase nada do que se passou dos últimos dois ou três meses foi alheio aos conselhos e acompanhamento da comunidade internacional ao governo Frelimo e às próprias lideranças dos partidos da oposição.
Só que desta vez nem uns nem outros foram capazes de prever que Venâncio Mondlane seria o político providencial e messiânico com capacidade para, através das suas mensagens e discursos pela internet, levantar toda uma insatisfação há muito contida que finalmente pôde espraiar-se.
Mas afinal quem é Venâncio Mondlane? É um antigo quadro formado na escola política da Renamo, partido que moveu uma guerra civil de mais de vinte anos ao governo Frelimo, apoiado, armado e financiado pelo imperialismo ocidental e contudo absolutamente incapaz de substituir politicamente a capacidade governativa da Frelimo, já de si baixíssima e por demais desastrosa.
Em conflito com a Renamo por divergências sobre quem deveria ocupar a liderança após a morte do seu líder Dlakhama, Venâncio Mondlane acabou por formar um pequeno partido dissidente, o Podemos, em associação com outros insatisfeitos. Pensou ele que poderia cooptar a liderança, mas enganou-se porque o secretária-geral Forquilha acabou por entender-se, à sua revelia, com a Frelimo. De modo que regressa agora ao país para ocupar o seu modesto lugar no parlamento moçambicano, defraudando assim todas as insensatas esperanças populares no seu suposto salvador.
O que é que tornou possível toda esta sublevação? Em primeiro lugar, o fato de nem o partido dominante nem a comunidade internacional terem tido noção de até que ponto o povo moçambicano estava desesperadamente farto daquilo que lhes tinham prometido e nunca alcançado: o desemprego é endêmico, a maior parte dos jovens não tem nem escolaridade satisfatória, ou saídas profissionais dignas, condições decentes de habitação, trabalho e sobrevivência. Uma percentagem muito grande desses jovens entrega-se à mendicância, marginalidade, banditismo, ociosidade e, em Cabo Delgado, adere aos rebeldes islâmicos, sem quaisquer outros recursos para sobreviver. Essa massa semiproletária e lumpenizada foi quem se levantou com entusiasmo e fervor a apoiar o político que surgia como salvador, aquele que iria dar saída aos seus problemas. Eles é que constituíram basicamente os piquetes de fechamento de estradas, paralisação do trânsito, greve civil, organização de atos de ação direta contra tropas da polícia, queima de instalações bancárias, de sedes da Frelimo e outras instituições representativas da autoridade, eles é que sublevaram os bairros e a população pobre em geral para cumprirem as instruções dadas via internet por Venâncio. Eles é que se convenceram de que os slogans “O país é nosso”, “Povo ao poder” “Já basta” e outros similares seriam materializados para contemplarem as suas necessidades.
Diante deste panorama dramático, triste, vulnerável e volátil, o que vem a seguir só pode ser a continuação de uma crise que não foi resolvida mas apenas adiada.
Tudo tem a ver com a total dependência econômica de Moçambique dos interesses imperialistas instalados no país, que giram todos basicamente à volta da exploração do petróleo, do gás natural, do carvão e de todas as restantes matérias-primas da região. As potências partilham entre si o espólio donde extraem elevadíssimas mais-valias. São elas que estão por trás de todo o jogo nacional que aparece claramente à luz do dia. Venâncio Mondlane é um simples peão.
Homem de direita, diz que o período Samora Machel foi comunista e causa de toda a desgraça, diz que se governasse seria segundo o ideário direitoso da IL – Iniciativa Liberal e quando foi a Portugal, no início deste processo, foi recebido com grandes honras pelos dirigentes do Chega de extrema direita. Tudo isto já dá uma ideia dos parceiros internacionais que escolheu para o apoiar (ou o escolheram a ele, melhor dizendo). Antigo jornalista, engenheiro de profissão, pastor evangélico – inicia todos os discursos com uma oração pedindo os favores divinos – tem todos os traços genéticos de uma opção reacionária e anticomunista que de resto está expressa nos seus primeiros discursos programáticos. Neles exaltou os comerciantes e capitalistas moçambicanos, pedindo-lhes que continuem na sua perseverança para sobreviver no ambiente caótico que a Frelimo fomenta e ele mesmo agrava. Propõe para os jovens não o trabalho, não a formação profissional, não uma educação decente, mas a criação de empresas de iniciativa privada. Não se lembra sequer de referir os camponeses e as camponesas, que são a maioria da população moçambicana, e muito menos atores vulneráveis como as mulheres, as crianças, os despedidos, os desempregados e os sem-abrigo, ou qualquer outro setor que precise de ver reconhecidos os seus direitos.
É um quadro político absolutamente claro que só anuncia mais desgraças do que aquelas que já se têm manifestado. O futuro imediato em Moçambique é muito sombrio para as grandes massas exploradas e postas à margem do sistema e é muito problemático para a direção da Frelimo, que dá todos os sinais de esgotamento e que provavelmente em algum tempo terá de ser substituída, na ótica dos doadores internacionais, por uma direção rejuvenescida, menos corrupta e mais preocupada com a justiça social. Esta nova liderança provavelmente será encabeçada no futuro por Venâncio Mondlane ou por qualquer outro chefe da oposição que entretanto surja a servir os interesses imperialistas. Mas de certeza tem os dias contados como partido governante que é, agora sem disfarce: envelhecida, obesa, desgastada e desinteressada do bem comum.
Entretanto os negócios seguem o seu curso: o petróleo moçambicano é uma fonte de riqueza para as companhias internacionais que o exploram. As comissões que a classe dirigente recebe são migalhas do bolo global que não se repercutem sobre uma população miserável e destituída de todos os direitos, sem condições de sobrevivência decente.
Não existem forças revolucionárias organizadas no espectro político moçambicano e não existirão nos tempos mais próximos setores de trabalhadores em condições de se unirem no sentido se constituírem como força de influência popular capaz de afirmar o seu lugar de contestação ao regime e de defender um programa anticapitalista em condições de reverter o estado das coisas.
Sendo mínimo o desenvolvimento da indústria moçambicana, é evidente que não surgem condições objetivas para se constituir uma alternativa séria e viável a uma elite corrupta e corruptível de todos os partidos em disputa. Este estado de coisas é favorável para as potências imperialistas e para os negócios mundiais, porque um país que navega sem rota fixa e absolutamente entregue às grandes multinacionais é o terreno ideal para estas dominaram a economia e fazerem tudo o que querem a expensas da desgraça generalizada das massas populares. Estas por sua vez só veem um caminho possível: confiar na esperança louca depositada no salvador Venâncio Mondlane, o grande sonho e a grande ilusão que lhes vai ser duramente cobrada nos próximos meses ou anos.
Fonte: https://bandeiravermelhablog1.wordpress.com/
Edição: Página 1917
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