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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

XX Congresso do PCUS

Francisco Martins Rodrigues

2006

Passam 50 anos sobre o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Com as suas críticas aos “graves erros” de Stalin, a declaração da “coexistência pacífica” com o imperialismo e o anúncio da “passagem pacífica ao socialismo” nas democracias burguesas, através da colaboração entre comunistas e social­democratas, o congresso desencadeou um terramoto no já cambaleante movimento comunista.


Kruschov discursa no XX Congresso do PCUS.

Kruschov justificava o seu “leninismo criador” com a “nova situação internacional criada pela força do campo socialista e pelo declínio do imperialismo”. Mas o otimismo aparente disfarçava mal a mudança de campo: o antagonismo e a vigilância que até aí animara os comunistas face ao imperialismo e à reação passavam a ser descartados como “sectarismo”.

O efeito não se fez esperar: uma após outra, as obedientes direções dos partidos fizeram a “autocrítica pelos erros passados”, sanearam os recalcitrantes e lançaram­-se num indigno namoro às forças democráticas burguesas. Nem os países sob ditadura fascista escaparam às “inovações” do XX Congresso. Foi o caso de Portugal, em que o PCP adotou nesse ano de 1956 uma solene declaração sobre a “possibilidade do afastamento pacífico de Salazar”.

A contestação ao XX Congresso veio a dar origem, poucos anos depois, a uma nova corrente comunista, que alastrou a todo o mundo sob o impulso das críticas do PC da China ao PCUS. A nova corrente nascia contudo estrangulada por uma contradição que acabaria por ditar a sua desagregação: denunciando justamente as teses capitulacionistas do PCUS, mantinha a defesa em bloco do passado do regime e da figura de Stalin. O surgimento do revisionismo moderno era atribuído a uma mera traição de Kruschov e comparsas, o que não permitia compreender a sua origem social. A fidelidade à memória de Stalin, prestigiado mundialmente pela modernização da União Soviética e pelo seu papel histórico na derrota do nazismo, arrastou por sua vez a corrente “marxista-­leninista”(1) a defender o conceito do partido “monolítico” e do “socialismo” burocrático, a silenciar o Terror dos anos 30, a encerrar-­se numa versão dogmatizada do leninismo. Incapaz de entender as causas da crise do movimento comunista, enfeudada ideologicamente à China e depois à Albânia, quando esses regimes percorriam uma degeneração em tudo semelhante à que sofrera a União Soviética, a corrente “M­L” condenou-­se à extinção.

Como escrevemos em Julho de 1989 no boletim Tribuna Comunista, para constituirmos uma nova corrente comunista internacional, falta-nos fazer o enterro teórico da corrente M­L. Demos os primeiros passos, é certo.

A crítica sucessiva ao anti­stalinismo e à coexistência pacífica do XX congresso, ao ‘Estado de todo o povo’ e ao ‘Partido de todo o povo’, depois à aliança das quatro classes e ao trimundismo de Mao, por fim ao stalinismo do PTA e à linha das frentes populares, alargou pouco a pouco os nossos horizontes, libertou­-nos da monstruosa carapaça de preconceitos revisionistas incrustados no pensamento marxista ao longo dos anos e nos permitiu caminhar ao encontro do leninismo”.

Mas porque teve este progresso que se estender ao longo de quatro décadas? A timidez que originou os cortes parciais (com o PCUS em 1963, com o PC China em 1978 e com o PTA em 1983), o receio de entrar no terreno proibido do questionamento das posições oficiais do MCI, a incapacidade para tirar as conclusões das divergências surgidas e em levar a cisão até ao fim, a miopia teórica que não deixava ver, para lá das circunstâncias, dos desvios, dos erros e dos crimes, a natureza social dessas revoluções, a base social desses regimes — indicam um marxismo tingido de idealismo, de raiz pequeno­-burguesa.

Voltando a citar a Tribuna Comunista:

Atualmente, o receio a enfrentar a derrota incontestável da revolução proletária no nosso século é o maior entrave à reorganização da corrente comunista. (...) O que está no centro dos interesses operários não são novas táticas sindicais ou novas formas de luta contra o desemprego; é saber se existe afinal um caminho para a revolução e a ditadura do proletariado e qual é ele. Só sobre o alicerce de um programa comunista renovado pode construir-­se uma estratégia, uma tática, um partido”.

(1) Nota do editor:  Francisco Martins Rodrigues refere-se a corrente maoísta, que se autodenominava marxista-leninista.

Fonte: Política Operária nº 103, 2006.

Edição: Página 1917

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