A campanha presidencial do PT é repleta de acordos de bastidores com a nata da direita brasileira como Alckmin e FHC, Sarney e Calheiros, e Kassab. Esse acordão se ratificou com a indicação do conservador Alckmin para vice-presidente.
Cem Flores
19.09.2022
Em pleno clima de campanha eleitoral, a menos de um mês das eleições gerais de 2 de outubro, o começo do mês de setembro seria marcado por duas manifestações de rua, convocadas pelos dois principais campos eleitorais da disputa presidencial. De um lado, o presidente de extrema-direita, fascista, realizou intensa mobilização por meio de propaganda e verbas (ilegais) do governo federal e do aparelho de estado, das redes sociais e entre sua militância para atos no dia 7 de setembro em todo o país, principalmente em Brasília e no Rio de Janeiro. Do outro, a “esquerda” reformista, institucional e eleitoreira – chamada de “a mais legalista do mundo” –, por meio dos seus partidos, centrais sindicais (CUT, Força, UGT, CTB etc.) e movimentos (MST, MTST, CMP etc.), chamou uma “resposta” de rua em pelo menos 23 cidades para o sábado seguinte, 10 de setembro. Para concentrar esforços, evitar comparações e risco de confrontos no 7 de setembro, o PT atuou ativamente desconvocando o tradicional Grito dos Excluídos, realizado todos os anos em contraposição às comemorações oficiais da independência.
Os resultados dessas convocações foram diametralmente opostos. Bolsonaro conseguiu mobilizar dezenas de milhares de apoiadores em Brasília (estimadas 100 mil pessoas), Rio de Janeiro (entre 65 e 110 mil), São Paulo (33 mil) e diversas outras cidades. O próprio Bolsonaro esteve presente nos atos de Brasília e do Rio de Janeiro. Enquanto isso, as manifestações da “esquerda”, tanto o Grito dos Excluídos quanto o dia 10, foram esvaziadas (não conhecemos nenhuma estimativa de público), resultado intencional de convocatórias formais, para inglês ver, quando não explicitamente sabotadas.
Essa é uma evidência clara da fraqueza dessa “esquerda” nas mobilizações populares, fruto do longo abandono do trabalho cotidiano de organização de base dos/as trabalhadores/as e das massas. Ao invés do trabalho diário há o peleguismo de seus sindicatos, centrais e movimentos, que agem intencionalmente para desmobilizar e desorganizar trabalhadores/as e o povo em troca dos conchavos com os patrões e seu estado, e o mais reles institucionalismo e eleitoralismo de seus parlamentares e governos, que querem se impor como “intermediários” das reivindicações junto às instituições do estado capitalista.
Ou seja, enquanto nossa análise marxista-leninista, da luta de classes, mostra uma derrota da “esquerda” reformista, largamente suplantada pela mobilização da extrema-direita, fascista, a avaliação do próprio reformismo chega a conclusões totalmente diferentes. Uns viram ruas cheias em São Paulo. Para outros, era Bolsonaro quem tinha a perder, pois ao campo da “esquerda” só interessaria a “batalha” (sic!) de “acumular força eleitoral” (como que confirmando uma certa herança do PCdoB como “o esteio máximo da ordem e da lei”), enquanto a extrema-direita, fascista, atuaria “sobretudo fora da dimensão da influência exclusivamente da eleição”. Nessa mesma linha, houve elogios aos “representantes das organizações [que] defendiam, no microfone, a importância de a eleição presidencial ser decidida no primeiro turno”. E, de fato, enquanto a direita mobilizava nas ruas, a intenção da “esquerda” era apenas essa mesma: organizar pequenos atos eleitorais da chapa Lula-Alckmin e dar palanque a diversos candidatos estaduais. Quanto ao combate ao fascismo e à extrema-direita, isso não é lá mesmo com eles…
A tônica da campanha da chapa Lula-Alckmin tem sido a de “jogar parado”, a partir do mero cálculo eleitoreiro e de marquetagem. Com vantagem nas pesquisas (embora decrescente ao longo deste ano, conforme os agregadores de pesquisas do UOL, Estadão e Poder360), a ordem é não entrar em bolas divididas nem em disputas, apenas continuar louvando um passado idealizado e falar platitudes genéricas. Povo só nos comícios oficiais e controlados dos seus candidatos. De resto, preparar a “governabilidade” burguesa mediante sucessivos encontros com patrões e suas associações de classe e acordões com os políticos burgueses de sempre.
Enquanto a tarefa de semear ilusões com a louvação ao passado e a campanha eleitoral ficam com a “esquerda”, as definições sobre o futuro, a “governabilidade”, são de incumbência do acordão com a direita e os patrões. Eis a “divisão do trabalho” da pretensa “frente ampla democrática” que teria se formado a partir da aliança entre Lula e Alckmin para a chapa presidencial. Em torno dessa aliança eleitoral PT/“PSDB” passou a orbitar toda a “esquerda” reformista, institucional e eleitoreira, seja de maneira incondicional e explícita (PCdoB), seja usando o disfarce de “aliança programática” (PSol), e mesmo aqueles que lançaram candidatura própria no primeiro turno. A força gravitacional das eleições (tanto a ideologia jurídica democrático-burguesa quanto o farto financiamento eleitoral) continua atraindo antigos e novos satélites do PT à sua órbita.
Lula e Alckmin tratando de governabilidade na Fiesp e repetindo o mantra da Carta aos Brasileiros de 2002 para a satisfação dos patrões: “Vou repetir três palavras que fazem parte do meu dicionário: credibilidade, estabilidade e previsibilidade”.
Todos, ao menos objetivamente, atuam para iludir a classe operária e as massas de que é possível vencer o fascismo de forma estritamente eleitoral – como na palavra de ordem de “civilização ou barbárie”, retomada fraudulenta da palavra de ordem comunista de “socialismo ou barbárie” – e enganam as classes dominadas ocultando os acordões e o real caráter de classe de um futuro governo Lula-Alckmin: o de “consolidador” dos avanços da ofensiva burguesa.
Essa ilusão e esse engano acontecem ao alimentarem nas massas dominadas a expectativa de que o mero resultado eleitoral poderá satisfazer suas necessidades, ao desviarem a classe operária de suas pautas próprias e independentes, ao desmobilizarem e desorganizarem os/as trabalhadores/as e as massas exploradas, ao desarmarem ideológica e organizativamente o proletariado e ao sabotarem as lutas e mobilizações próprias das classes dominadas. É tarefa dos comunistas, hoje e sempre, denunciar esse reformismo e oportunismo.
Esses movimentos da “esquerda” reformista decorrem de sua ideologia burguesa e pequeno-burguesa, de suas ilusões eleitoreiras, de sua postura de conciliação de classes (na realidade, de subordinação do proletariado à burguesia), de sua inteira confiança no aparelho estatal burguês como árbitro e instância de decisão definitiva. Essas ações eleitoreiras e institucionais da “esquerda” reformista, ao reforçarem as ilusões nas instituições burguesas, constituem um entrave no combate de fato ao processo atual de fascistização e à ofensiva burguesa, um entrave à compreensão entre os trabalhadores de que a burguesia e seu Estado são nossos inimigos de classe. Na realidade, não fazem nada diferente do que sempre fizeram, cumprindo sua função de reformistas e oportunistas, ou seja, de aliados da burguesia no seio das classes trabalhadoras e de traidores dos interesses dessas mesmas classes trabalhadoras.
Considerando a campanha até aqui, com sua louvação dos governos petistas anteriores, suas diretrizes programáticas fake, sua contínua sabotagem a movimentos de rua e a lutas concretas, as alianças eleitorais com a direita e os acordos de bastidores com os patrões, já é chegada a hora de apresentar nossa análise marxista-leninista do reformismo e do oportunismo da chapa PT/“PSDB” e o que ela representa para a classe operária e as demais classes exploradas.
Os governos do PT (Lula e Dilma): seus aspectos “esquecidos”…
“Agora, a única frustração que eu tenho é que os ricos não estejam votando em mim. Porque eles ganharam dinheiro como ninguém no meu governo”.
Lula, setembro de 2006.
“Os banqueiros ganharam dinheiro, os empresários ganharam dinheiro, os trabalhadores também ganharam dinheiro”.
Lula, janeiro de 2022.
Como o próprio Lula nunca escondeu, e continua a repetir, os governos do PT foram governos para o capital, governos burgueses, que defenderam os interesses dos patrões. Nunca é demais lembrar que o “ganhar dinheiro” nos discursos do Lula significa que os patrões aumentaram os seus lucros. No capitalismo, a classe operária usa toda a sua força de trabalho para criar mercadorias (valor) para a burguesia, em troca de um salário para sobreviver. No entanto, no seu processo de trabalho, o proletariado gera um valor adicional (mais-valia), sob a forma de mercadorias, em relação ao capital adiantado pelo patrão. Esse valor adicional, fruto do trabalho operário, é apropriado pelo capitalista sob a forma de lucro. Ou seja, o/a operário/a produz todas as riquezas do mundo e vive com salários de fome. Já os patrões, que nada produzem, roubam o excedente criado pela força de trabalho e vivem no luxo. Quanto maior e mais produtiva a força de trabalho e quanto mais tempo de trabalho roubado, maiores os lucros. Ou, como disse Marx no Capital: “a taxa de mais-valia depende em primeira instância do grau de exploração da força de trabalho”. Assim, celebrar que os patrões “ganharam dinheiro como ninguém no meu governo” é a mesma coisa que comemorar que a classe operária foi explorada como ninguém nos governos Lula!
E a afirmação de que os governos Lula foram a festa da burguesia pode ser comprovada empiricamente. No Brasil existem algumas estimativas para o cálculo das taxas de lucro de acordo com a teoria marxista. O gráfico abaixo integra a dissertação de Bruno Theodosio, orientada por Eduardo Costa Pinto e Adalmir Marquetti, na UFRJ. Em qualquer das duas medidas apresentadas no gráfico, a taxa de lucro estava em declínio no final do segundo mandato de FHC. Nos governos Lula houve uma reversão dessa tendência, com uma forte retomada das taxas de lucro a partir de 2003 até 2007. Em seguida, uma queda em função da crise internacional (2008 e 2009) e a maior lucratividade recente foi atingida em 2010. Daí em diante começa uma trajetória de queda que vai causar a crise e a recessão de 2014-16, quando a taxa de lucro vai atingir o seu menor percentual neste século.
Já podemos, então, concluir duas coisas sobre os governos Lula. Em primeiro lugar, não é verdade que todos “ganharam dinheiro” (lucraram) nos seus governos, como se o bolo tivesse sido igualmente repartido. Foram as classes dominantes que encheram os seus bolsos de lucros, atingindo taxas de lucratividade que constituíram recordes na história recente do capitalismo brasileiro. As massas trabalhadoras conseguiram os restos que sobraram da festa do capital. Em segundo lugar, os governos Lula foram governos pró-capital, beneficiando o conjunto dos capitalistas brasileiros, em suas diversas frações, e também o capital internacional, ativamente convidado a investir e lucrar no país.
Buscaremos reforçar essa segunda conclusão nos itens a seguir.
1.1. O capital financeiro internacional nos anos Lula
Alguns acadêmicos, embora concordem que os governos Lula foram governos burgueses, analisam que Lula teria se aliado com a “burguesia interna” para atacar o capital internacional e a burguesia a ele associada, formulando a tese de “burguesia contra burguesia”. Sobre essa posição, afirmamos, antes de mais nada, que é necessário levar a caracterização de Lula como político burguês às suas últimas consequências. Ou seja, a classe operária e as massas trabalhadoras não devem ser usadas como meros instrumentos de políticos burgueses para apoiar uma fração da burguesia contra outra. O proletariado deve ter a sua posição política própria e independente, para construir a força necessária à derrubada do regime capitalista.
Além disso, avaliamos que essa posição está errada, pois não corresponde aos largos benefícios que o governo Lula concedeu ao capital financeiro internacional, não reflete os elevados lucros que esse setor obteve no país no período, nem considera a participação de seus representantes em postos-chave da economia nos governos Lula. Começando por esse último aspecto, basta lembrar que Lula entronizou no comando do Banco Central, durante todos os seus 8 anos na presidência da república, o ex-presidente global do BankBoston, Henrique Meirelles – que mesmo no Banco Central recebia US$ 750 mil por ano do seu antigo empregador, diretamente nos EUA, em dólares. Todos sabemos que Meirelles, além disso, fora deputado federal eleito pelo PSDB de Goiás em 2002 (já antecipando a atual chapa PT/“PSDB”?). Depois dos governos Lula, foi presidente do conselho de administração da holding da JBF e saiu de lá para o Ministério da Fazenda, no governo Temer, e a Secretaria da Fazenda de São Paulo, no governo Dória. Já que o mesmo burguês foi o responsável pela política econômica de Lula, Temer e Dória, como concluir outra coisa, senão que elas eram políticas para o capital? Como elas poderiam ser contra o capital financeiro internacional?
Quanto às medidas em benefício do capital financeiro internacional, em fevereiro de 2006, Lula assinou a Medida Provisória nº 281, que acabou com a cobrança de imposto de renda sobre os ganhos do capital financeiro internacional no cassino da dívida pública brasileira que, lembremos, é uma das que paga os juros mais altos do mundo. Palocci não teve meias palavras ao justificar a medida: trata-se de estimular a “possibilidade de aumentar a participação de investidores não residentes” na negociação da dívida pública brasileira, pois “sem dúvida alguma, a participação do investidor não residente em condições adequadas [ou seja, sem pagar imposto] contribui de forma significativa para o alcance dessa melhoria”…
“Vamos fazer os muito ricos pagarem imposto de renda, utilizando os recursos arrecadados para investir”. Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil 2023-2026, junho de 2022, parágrafo 54. Como se vê nesse e em outros trechos do programa Lula-Alckmin citados abaixo, uma coisa é o que se diz em campanha e outra coisa é o que se faz (ou já se fez).
O resultado dessa canetada foi que, em uma década, esse capital financeiro internacional cresceu 2.439%, chegando a R$ 659 bilhões. Utilizando os dados do Banco Central, partimos do estoque, em dólares correntes, dos “títulos de renda fixa negociados no mercado doméstico”, os convertemos em reais pela taxa de câmbio do final de cada ano e corrigimos esses valores pelo IPCA. Pelo gráfico acima fica claro que durante os governos do PT se atingiu o nível histórico mais elevado da participação do capital financeiro internacional na dívida pública brasileira (capital fictício). Sem pagar imposto de renda, a burguesia internacional pode tranquilamente embolsar integralmente como lucro os juros mais altos do mundo…
A mesma conta pode ser feita para o capital financeiro internacional investido na bolsa de valores de São Paulo, igualmente capital fictício. Ao final de 2002 seu estoque era de R$ 289 bilhões. Em 2007, às vésperas da crise financeira internacional, esse valor já aumentara 400%, para R$ 1,4 trilhão.
Também se pode mensurar o crescimento do investimento estrangeiro direto (IED) no país nos governos do PT. Usando as mesmas fontes de dados e a mesma metodologia de cálculo, observa-se no gráfico abaixo que o IED triplicou, chegando a R$ 3 trilhões em 2015. O IED é, em geral, visto como capital produtivo, ampliando o estoque de capital e a capacidade de acumulação da economia. No entanto, boa parte desses fluxos destina-se à compra de empresas no país, acentuando os processos de centralização e desnacionalização do capital. Outra parte pode, simplesmente, se destinar a ganhos financeiros. Além disso, o principal setor receptor dos fluxos de IED no Brasil de 2006-15 (período dos governos petistas constante das estatísticas do Banco Central) foi “serviços financeiros” e assemelhados (seguros, resseguros, previdência complementar, holdings, serviços prestados a empresas etc.), que somaram 13,4% do total. Petróleo veio em seguida, com 10,2%; e depois, comércio, 8,5%; metalurgia, 7,9%; e mineração, 7,5%.
“…reverter a desnacionalização do nosso parque produtivo”. Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil 2023-2026, junho de 2022, parágrafo 62.
Obviamente, o aumento do estoque de capital estrangeiro no país fez crescer os lucros e dividendos remetidos para as matrizes desses grupos monopolistas transnacionais. Em 2002, último ano do governo FHC, esse valor atingiu R$ 57,0 bilhões (valores em dólares correntes, convertidos em reais e corrigidos pelo IPCA até dezembro de 2021). Em 2008 esse montante já chegava a R$ 138,8 bilhões – um aumento de 143,3% em 6 anos. O recorde dos governos petistas seria alcançado em março de 2011, quando o acumulado em 12 meses atingiu R$ 143,1 bilhões. Esse valor só seria superado quase 10 anos depois, já no governo Bolsonaro…
Esse desempenho do capital estrangeiro também foi estimulado pela contínua apreciação da taxa de câmbio do início do governo Lula até as vésperas da crise financeira global de 2008. De janeiro de 2002 a agosto de 2008, a taxa de câmbio do real em relação ao dólar caiu para menos da metade, chegando a R$ 1,56/US$, cumprindo ao pé da letra essa “perna” do tripé macroeconômico de FHC, o câmbio flutuante. A liberalização financeira, os juros altos, o aumento dos preços internacionais de commodities e o ingresso de capitais estrangeiros explicam a apreciação cambial. E quanto maior a tendência de apreciação cambial, maiores tendem a ser os ingressos de capital estrangeiro. Por outro lado, mais baratas ficam as importações e mais caras as exportações, contribuindo para a desindustrialização.
E o que expoentes do capital financeiro internacional acham de uma vitória da chapa Lula-Alckmin? Em março de 2022, Mark Mobius, uma espécie de decano dos “investidores” em “mercados emergentes” relembrava que “na época em que Lula foi o presidente, os mercados costumavam ter uma performance bastante positiva”. Portanto, “eu diria que a vitória do Lula … provavelmente … traria uma confiança maior aos investidores estrangeiros”. Já para o economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, “a associação global da indústria financeira”), ex-Goldman Sachs e ex-FMI, Robin Brooks, tanto faz, ele sabe que vai ganhar (muito) dinheiro quem quer que seja eleito: “Toda essa inquietação sobre a política brasileira pode ser apenas conversa. Os investidores estrangeiros estão ocupados comprando…”. Para que não reste dúvidas, a The Economist, revista inglesa porta voz dos interesses imperialistas desde o século 19, já definiu seu candidato: Lula.
Do ponto de vista do capital financeiro internacional, portanto, o governo Lula foi marcado por ingressos maciços de capitais, reformas a seu favor, por representantes em postos chaves do governo, juros altos, apreciação cambial e grandes lucros.
1.2. O capital fictício e seus elevados lucros para o capital financeiro, nacional e internacional
Nos mercados financeiros domésticos, seja os de dívida pública, seja os de ações, houve um verdadeiro frenesi especulativo para o capital. De acordo com o Ipeadata, os 8 anos dos dois mandatos de Lula geraram uma valorização fictícia do índice de ações da Bolsa de Valores de São Paulo de 515%, com o Ibovespa passando de 11,3 mil pontos no final de 2002 para 69,3 mil pontos em 30 de dezembro de 2010.
A “ração” anual do capital financeiro a partir dos juros da dívida pública ficou um pouco abaixo de R$ 400 bilhões durante todos os governos do PT até o início das crises econômica e política que levariam ao impeachment de Dilma, quando esse montante dobrou. O gráfico abaixo foi elaborado a partir de dados do Banco Central, deflacionados pelo IPCA. E aqui surge a segunda “perna” do tripé macroeconômico de FHC, os superávits primários, garantias da “ração” do capital financeiro. Os dois governos Lula tiveram média anual de 3,1% de superávit primário – considerando o PIB do segundo trimestre de 2022, esse valor estaria, atualmente, por volta de R$ 300 bilhões! –, registrando o recorde da série, 3,7% do PIB em 2005. Mesmo no primeiro mandato de Dilma, o superávit primário médio anual foi de 1,6% do PIB. O PT só não conseguiu manter esses resultados com a histórica crise de 2014-16.
Com essa folha corrida de bons serviços prestados aos patrões, não é de estranhar que eles afirmem que “como ele está na frente das pesquisas, passa então uma percepção de que é melhor conversar. Mas o PT, nesse ponto, tem feito um bom trabalho de convencimento”. Sendo mais claro: “Hoje em dia, (os empresários que encontram Lula dizem): ‘tá bom, tá bom’”. Ou seja, “hoje, aquele ranço, aquela desconfiança já diminuiu, na minha opinião, 90%”.
1.3. O capital bancário alcança lucros recordes com Lula e Dilma
“Banqueiro não tinha porque estar contra o governo, porque os bancos ganharam dinheiro”.
Lula, julho de 2006.
Mesmo os defensores da tese “burguesia contra burguesia” não negam o papel fundamental que a burguesia bancária teve nos governos do PT. Segundo os defensores dessa tese, o PT compôs uma “grande frente política … que pegava dos grandes bancos, passava pelos sindicatos e ia até o MST”. Em uma frase, uma síntese dos governos do PT: governos burgueses, defensores do capital bancário (e de outras frações do capital também, como estamos vendo); praticantes da conciliação/subordinação às classes dominantes; apoiados pelo conjunto de sindicatos e movimentos populares pelegos, reformistas e oportunistas. Por que razão aqueles que defendem a posição comunista de construir um partido da classe operária, em defesa de seus interesses próprios, independente na luta de classes contra a burguesia, e revolucionário, apoiariam uma coisa dessas?
A concentração bancária no total do crédito do país aumentou 20 pontos percentuais no governo Lula, conforme estudo do Banco Central.
O gráfico acima apresenta a evolução da concentração bancária nos anos Lula, medida pela participação dos cinco maiores bancos no crédito total. Há um salto em 2003 em relação ao final do governo FHC (que já tivera um grande aumento da concentração com o Proer e o Proes) e depois outro saldo em 2008, principalmente pela fusão entre Itaú e Unibanco. Ou seja, a concentração do capital nos maiores bancos aumentou por volta de 20 pontos percentuais nos governos Lula. Maior concentração de capital dos bancos significa maior poder de monopólio contra os demais bancos, fixação de elevados juros monopolistas, maior poder contra os demandantes de crédito e garantia de maiores lucros.
Sobre esses lucros, reportagem do Valor Econômico de abril de 2008 a respeito do primeiro governo Lula mostrava que “o sistema financeiro acumulou um lucro líquido consolidado de R$ 57,4 bilhões em 2007, 18,6% a mais do que em 2006 (R$ 42,1 bilhões). Mas, o crescimento foi de nada menos que 200,5% sobre os R$ 19,1 bilhões de resultado em 2003, primeiro ano do governo Lula”. Em fevereiro de 2011, matéria de O Globo confirmava que o mesmo aconteceu no segundo mandato. Para os nove maiores bancos, os lucros (corrigidos pela inflação) nos 8 anos de Lula atingiram R$ 199 bilhões, representando rentabilidade contábil que chegou ao máximo de 17,66%.
Ainda sobre os elevados lucros dos bancos no Brasil, uma tese muito popular na “esquerda” é que o governo Dilma “cutucou onças com varas curtas”. Essa tese defende que no seu primeiro mandato, Dilma teria forçado a redução dos juros bancários (para beneficiar o capital industrial), causando uma queda nos lucros dos bancos. Com isso, teria desfeito aquela “aliança” (sic!) de classes tão diligentemente construída por Lula. Se houve efetivamente baixa temporária dos juros bancários, isso não parece ter sido suficiente para afetar seus lucros. A tabela abaixo foi elaborada pelo professor Eduardo Costa Pinto (UFRJ e Ineep/FUP) para sua live “Diário da Crise 120: Lucro da Mega Burguesia e Pesquisas eleitorais”, de 16.09.2022. Ele analisou os balanços dos 30 maiores bancos e calculou seu lucro contábil (lucro líquido/patrimônio líquido). Não apenas houve uma flutuação mínima de 15%, em 2010 e 2011, para 13%, em 2012 e 2013, como os lucros se recuperaram em seguida, fechando o último ano completo do governo Dilma na sua maior taxa, 18%.
Devemos lembrar que o segundo mandato de Dilma foi marcado pela nomeação do Bradesco para que seu funcionário Joaquim Levy assumisse o Ministério da Fazenda. A obediente petista que ocupava a presidência da república obedeceu.
1.4. A subordinação à burguesia industrial
“As empresas brasileiras ganharam dinheiro como poucas vezes na história. Aliás, em 2004, foi a primeira vez que as maiores empresas ganharam mais dinheiro que os bancos. Então não tinham porque estar com tanta raiva e preconceito”.
Lula, julho de 2006.
A aliança/subordinação de Lula e do PT ao capital industrial é uma velha conhecida de quem acompanha o peleguismo da CUT e dos seus sindicatos de metalúrgicos e outros. Dois eventos do começo do governo Dilma podem ajudar a dar uma dimensão dessa puxação de saco dos patrões. Em maio de 2011, o então presidente da CUT, Arthur Henrique, junto com o presidente da Força Sindical, assinaram manifesto nos jornais em conjunto com o presidente da Fiesp, ninguém menos que Paulo Skaf, que viria a se tornar um renomado bolsonarista. O mote do manifesto era a conciliação de classes, é claro: “Este é o momento para que os diferentes atores desse processo -trabalhadores, empresários e o governo – formem um grande consenso acerca da política industrial nos rumos da economia”. Cinco meses depois, todas essas patéticas figuras organizam uma manifestação de rua em São Paulo sob o slogan de “Aqui é a unidade do peão com o patrão, contra a especulação”. O PCdoB (como não podia deixar de ser, sempre na vanguarda do oportunismo!) chamou essa vergonha de evento “histórico, pela construção de um pacto político e social da classe trabalhadora e de setores do empresariado nacional”.
Passeata em São Paulo que reuniu o (futuro) bolsonarista Paulo Skaf (Fiesp), com toda a pelegagem sindical: CUT, Força, Metalúrgicos do ABC e toda a trupe em 18.10.2011.
Em termos teóricos, uma análise das políticas econômicas do PT de acordo com as classes que foram beneficiadas aponta:
“Era reserva de mercado para os bancos nacionais, melhoria enorme do financiamento subsidiado, conquista de mercado internacional para o agronegócio, melhoria para a indústria, o BNDES subsidiando as grandes empresas, as compras da Petrobras e do governo, conteúdo local. O setor financeiro, o industrial, o agronegócio ganharam com a passagem do governo liberal do PSDB para os governos neodesenvolvimentistas do PT. Ganharam bastante.”
Como temos afirmado ao longo deste texto, os governos do PT foram governos burgueses, governos do capital, beneficiando o conjunto da burguesia e suas principais frações, especialmente o grande capital. Nada na campanha da chapa Lula-Alckmin indica que seu próximo eventual governo será diferente, nem a ausência de manifestações nas ruas, nem os encontros privados com os patrões, nem as alianças à direita e com os políticos burgueses.
A tese de defesa do “capital produtivo” contra o “capital financeiro” ou “especulativo” é uma falácia do reformismo e do oportunismo. Em primeiro lugar, qualquer que seja sua fração, ambas são capital, que se opõem inconciliavelmente contra a classe operária e demais classes dominadas. Isso quer dizer que contra o proletariado, esquecem suas diferenças e conflitos e se unem. Como diz Marx no Capital III, Capítulo 10:
“Cada capitalista, assim como o conjunto de todos os capitalistas de cada esfera da produção, se interessa pela exploração da classe trabalhadora inteira pelo capital e pelo grau dessa exploração não só por uma simpatia geral de classe, mas sim diretamente, por motivos econômicos, uma vez que […] a taxa média de lucro depende do grau de exploração do trabalho total pelo capital total.”
Além disso, embora as classes trabalhadoras e os/as comunistas devem conhecer e não subestimar as contradições entre as frações das classes dominantes, isso não significa que se deva apoiar uma contra as outras, assumindo como próprio um dos programas burgueses em disputa. A classe operária, as demais classes dominadas e os/as comunistas devem construir seu programa próprio e independente na luta de classes.
Um exemplo das contradições políticas entre (e intra) frações do capital foi a substituição da presidência da Fiesp. Após um mandato de 17 anos (2004-2021), o bolsonarista Paulo Skaf cedeu a presidência para Josué Gomes da Silva, filho de José de Alencar, vice-presidente nos dois mandatos de Lula. Esse evento não é fortuito, já mostra a disposição da principal entidade patronal da indústria de se acertar com Lula e buscar impor sua agenda para o próximo governo. Do lado de Lula, seu longo relacionamento de pelego com os capitães da indústria brasileira, inicialmente como sindicalista, depois no PT, e por fim na presidência, é a certeza dos patrões do retorno à sua conhecida conciliação/submissão e sinalização de novos acordões.
A dificuldade maior, no entanto, será cumprir a “promessa” de reverter a desindustrialização do país, mediante a adoção de políticas “reindustrializantes”. Durante todo o período petista, seja com Lula e o PAC, seja com Dilma e o plano Brasil maior, ou ainda com o meio trilhão de reais (em valores da época!) em empréstimos subsidiados do BNDES à burguesia, com juros reais negativos, e outras centenas de bilhões em desonerações tributárias, nada disso foi capaz de interromper o processo de desindustrialização, como se pode ver no gráfico abaixo, retirado do nosso texto “Brasil: o ‘paradoxo’ de uma economia estagnada com lucros crescentes”. Essa tendência de longo prazo de redução da participação da indústria na economia brasileira não decorre de erros de políticas econômicas (embora existam), mas da própria posição dominada do país no sistema imperialista mundial e das transformações que ele vem sofrendo, fruto da crise do imperialismo e do fortalecimento da China enquanto potência imperialista ascendente.
“Vamos reverter o processo de desindustrialização e promover a reindustrialização”. Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil 2023-2026, junho de 2022, parágrafo 62.
1.5. A burguesia do agronegócio, os “heróis nacionais” de Lula
“Os usineiros de cana, que há dez anos eram tidos como se fossem os bandidos do agronegócio neste país, estão virando heróis nacionais e mundiais”.
Lula, março de 2007.
É fato que a fração da burguesia vinculada ao agronegócio é uma das mais militantes a favor do bolsonarismo. Isso não significa nem que Lula não esteja buscando fazer aliança também com esse setor da burguesia, nem que Lula não vá buscar beneficiá-los em um possível próximo mandato, assim como fez nos anteriores – mantendo inteiramente intocada a estrutura agrária brasileira, o latifúndio secular.
Como o PT gosta de se vangloriar, seus governos ampliaram em 335% o financiamento estatal para o agronegócio (90% para o grande capital e 10% para a agricultura familiar), a taxas de juros (reais) negativas – o que significa criação de dívida pública (capital fictício) para estimular o lucro do grande capital, brasileiro e estrangeiro, no agronegócio do país. Quando houve problemas, além de não pagarem juros, também não precisavam pagar o principal, pois os governos do PT estavam lá para “esquecer” a dívida de US$ 75 bilhões.
Certamente o agronegócio (e outras atividades de produção de commodities para exportação, como a mineração) é uma das atividades capitalistas que apresentam as maiores taxas de crescimento nas últimas décadas no país, modificando a composição regional de capitalismo brasileiro, com contínua elevação da produtividade, forte presença nos mercados internacionais e elevadas taxas de lucro. O que também se mantém intocado no agronegócio, qualquer que seja o governo burguês de plantão, é o fato de praticamente não pagarem impostos, nem sobre a atividade econômica, nem sobre seus lucros nem sobre a propriedade (Imposto Territorial Rural, ITR); receberem subsídios estatais bilionários; empregarem cada vez menos, em função da mecanização em larga escala; concentrarem capital e renda; desmatarem, tanto nas áreas de expansão anteriores (Centro-Oeste), quanto nas novas (Amazônia); e organizarem uma repressão violenta e em larga escala contra movimentos populares, indígenas, quilombolas e quem mais se colocar contra sua expansão. Como resumiu uma matéria da revista piauí: “uma minoria enriquece, desemprega, morde o erário, destrói o meio ambiente, abala as contas públicas, desequilibra mercados, inviabiliza a pequena produção, caloteia as dívidas, acumula problemas com o fisco e superfatura sua verdadeira relevância econômica”.
Um dos resultados mais significativos da acumulação de capital no agronegócio tem sido a centralização de capital, tanto na criação de monopólios de capital nacional (sendo o mais representativo o da JBS, com explícito apoio dos governos do PT), quanto no fortalecimento da atuação no país dos monopólios transnacionais (ADM, Cargill, Bunge, Bayer/Monsanto etc.).
Esse processo caminha junto com o de reprimarização da economia do país, provocado pela nossa inserção dominada no sistema imperialista mundial, e causado pela maior taxa de lucro e demanda externa do agronegócio, pela maior atratividade e crescimento dos capitais que acumulam no setor. Segundo a mesma matéria da piauí, o Brasil é hoje “o maior produtor mundial de soja, açúcar, suco de frutas e café, e também o maior exportador de soja, milho, carne bovina, frango, açúcar, celulose e suco de laranja – além de ocupar lugares de destaque no pódio do comércio mundial de carne suína, frutas, peixes”. Um dos indicadores dessa reprimarização é a evolução da pauta exportadora do Brasil. No gráfico abaixo, publicado originalmente no nosso e-book sobre conjuntura de 2021, vemos o constante crescimento da exportação de commodities (agrícolas, pecuárias e minerais) no total exportado pelo país. O período do PT no governo foi fundamental para consolidar essa reprimarização.
Enquanto os governos do PT estimularam o capital (e seus lucros!) acumulados no agronegócio, não foram, nem de longe, tão diligentes assim quando se tratava dos camponeses sem terra, pequenos arrendatários, pequenos proprietários. A reforma agrária, por várias métricas, avançou menos nos governos do PT do que no governo FHC. De acordo com estudo acadêmico baseado nos dados do Incra, a quantidade de decretos de desapropriação de terras teve seu recorde no primeiro mandato de FHC, com média de 554 por ano. O primeiro mandato de Lula teve 326 e o governo Dilma, 43. A quantidade de projetos de assentamento teve o mesmo perfil: FHC 1 com 583 novos assentamentos por ano, Lula 1 com 579, e Dilma, 117. Quando se analisa a quantidade de famílias assentadas, Lula 1 tem a maior quantidade anual, 95 mil, mas seu segundo mandato reduz significativamente, para 58 mil, e esse número desaba com Dilma, 27 mil, levando a que os governos do PT tenham média anual inferior à do governo FHC (58 mil contra 68 mil). Com a área dos assentamentos ocorre algo similar, com Lula 1 desapropriando 8 milhões de hectares por ano, montante que caiu pela metade no Lula 2 e despencou para 0,6 milhão de hectares no governo Dilma. E na medida em que as desapropriações foram diminuindo, assim também foram caindo as ocupações de terra do MST, que no governo Dilma foram a metade do que haviam sido no FHC 1, consolidando a transformação do MST de movimento popular em correia de transmissão do reformismo e oportunismo petista, além de produtor rural.
Se alguma relação pode ser feita é a de que quanto mais os camponeses se organizam e lutam, maior a possibilidade de acesso à terra (como no período anterior aos governos petistas) e, quanto mais confiam no Estado e nas instituições burguesas, mais distante ficam desse sonho.
Se Lula pouco fez pela reforma agrária e Dilma jogou a pá de cal, é preciso lembrar aqui que não se está falando de uma reforma agrária que altere a estrutura fundiária do país, mas de uma pequena redistribuição de terra nas margens do agronegócio ou em áreas de pouco dinamismo da acumulação capitalista, nas quais é difícil a subsistência do agricultor e sua família, que comumente são forçados a abandonar essa pouca terra e retornar para a exploração capitalista nas periferias urbanas.
A estrutura fundiária continuou intocada nos governos petistas, como vem ocorrendo em todos os demais governos nesses séculos de história desde a colonização. O caráter técnico da produção se transforma continuamente sob a mesma base latifundiária. De acordo com estudo publicado pelo Ipea a partir dos Censos Agropecuários do país, a concentração de terras continua “exatamente” igual de 1975 a 2017, seja na ditadura militar, no governo FHC, nos governos do PT ou com Temer. Desagregando os dados resumidos pelo índice de Gini no gráfico abaixo, a metade inferior dos estabelecimentos rurais detinha apenas 2,1% das terras em 2017, enquanto os 5% maiores detinham 71%. Se houve mudança, foi para pior. Em 1995-96 esses percentuais eram 2,3% e 68,9%. Ou seja, a área dos 5% maiores é 330,3 vezes a dos 50% menores. O 1% dos maiores latifúndios do país detém mais da metade do total de terras: 51,4%, em 1995-96, e 52,9%, em 2017.
“Estamos comprometidos com a … reforma agrária”. Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil 2023-2026, junho de 2022, parágrafo 65.
1.6. Os patrões no governo. A composição da cúpula dos principais ministérios do PT
Poderíamos continuar a análise tratando de outras frações do capital, como a burguesia comercial (que centralizou capital e lucrou tremendamente no período petista), mas não deve haver mais dúvidas que Lula e o PT fizeram governos para o capital, sob o oportunista slogan de “Brasil: um país de todos” (sic!). Essa subordinação aos interesses das classes dominantes também aparece diretamente na direção dos principais ministérios nos governos do PT.
O principal cargo econômico do governo, o ministério da fazenda, foi ocupado de 2003 a 2014 por dois quadros históricos do PT. Antônio Palocci (2003-06), ligado ao capital financeiro, foi demitido por ordenar a violação do sigilo bancário do caseiro que denunciou seus malfeitos e acabou preso por corrupção. Seria ainda ministro da casa civil de Dilma até ser flagrado em corrupção novamente. Guido Mantega (2006-14), ligado ao capital industrial enquanto ministro, foi chutado para ceder lugar ao indicado pelo Bradesco, Joaquim Levy (2015), que já havia sido secretário do tesouro nacional (2003-06), vindo do governo FHC. Ainda na secretaria do tesouro nacional, Levy foi substituído por Carlos Kawall (2006), oriundo do Citibank e que saiu do governo para o banco Safra. Seu substituto, Tarcísio Godoy (2007), saiu do governo para o Bradesco, de onde voltou ao governo quando Levy foi para a fazenda. Na secretaria de política econômica destacou-se Marcos Lisboa (2003-05), que saiu do governo petista para a vice-presidência do Itaú Unibanco.
No Banco Central a situação é a mesma – ou ainda pior. Já vimos Meirelles (2003-10). Sua equipe na diretoria de política monetária foi composta por Luiz Candiota (2003-04), Vicunha, CSN e Citibank; Rodrigo Azevedo (2004-07), Credit Suisse e Garantia; Mário Torós (2007-09), Santander. Na área externa, Alexandre Schwartsman (2003-06), ABN Amro e Santander; Paulo Cunha (2006-08), Lehman Brothers, HSBC e banco Mundial. Na diretoria de política econômica, Afonso Bevilaqua (2003-07), banco Opportunity; Mário Mesquita (2007-10), ABN Amro, Brasil Plural e Itaú Unibanco. E a lista poderia continuar indefinidamente…
Mas a entrega das posições centrais para a definição de políticas dos governos petistas não era exclusividade das finanças. Nada mais “natural” para o PT que o ministério da indústria ficasse com os capitães da indústria: Luiz Furlan (2003-07), dono da Sadia; Miguel Jorge (2007-10), Autolatina, Volkswagen e Santander; Armando Monteiro (2015-16), presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Idem para o ministério da agricultura, chefiado por ruralistas: Roberto Rodrigues (2003-06), da Lide Agronegócios, Organização das Cooperativas, Sociedade Rural Brasileira (SRB) e Associação Brasileira do Agronegócio (Abag); Neri Geller (2014), produtor rural; Kátia Abreu (2015-16), presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), pulando os dublês de políticos e produtores rurais…
Ou seja, a porta giratória governo-mercado correu solta nos governos petistas. Acreditar que esses capitalistas ou seus executivos irão aplicar outro programa que não o da ofensiva burguesa por mais lucros e exploração é atitude típica da subordinação de classe do reformismo e do oportunismo.
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