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domingo, 18 de julho de 2021

Carta aos Operários Americanos*

 Lenin (20-08-18)

   [...] O proletariado assimila agora, entre os horrores da guerra imperialista, de forma completa e evidente, a grande verdade que ensinam todas as revoluções, a verdade legada aos operários pelos seus melhores mestres, os fundadores do socialismo moderno. Esta verdade consiste em que não pode haver uma revolução com êxito sem esmagar a resistência dos exploradores. O nosso dever, quando nós, os operários e camponeses trabalhadores, tomámos o poder de Estado, era esmagar a resistência dos exploradores. Orgulhamo-nos porque o fizemos e continuamos a fazê-lo. Lamentamos não termos feito com suficiente firmeza e decisão.



   Nós sabemos que em todos os países é inevitável uma resistência raivosa da burguesia contra a revolução socialista e que ela crescerá à medida que cresce esta revolução. O proletariado quebrará esta resistência, ele amadurecerá definitivamente para a vitória e para o poder no decurso da luta contra a burguesia que opõe resistência.

   Que a imprensa burguesa corrupta grite aos quatro ventos acerca de cada erro cometido pela nossa revolução. Não temos medo dos nossos erros. Pelo fato de a revolução ter começado, os homens não se tornam santos. As classes que durante séculos foram oprimidas, embrutecidas e mantidas pela violência nas garras da miséria, da ignorância e do asselvajamento não podem fazer a revolução sem erros. E é impossível, como já tive uma vez ocasião de assinalar, fechar o cadáver da sociedade burguesa num caixão e enterrá-lo. O capitalismo morto apodrece e decompõe-se entre nós, contaminando o ar com miasmas, envenenando a nossa vida, envolvendo aquilo que é novo, recente, jovem e vivo com milhares de fios e laços daquilo que é velho, podre e morto.

   Por cada cem erros nossos, sobre os quais gritam aos quatro ventos a burguesia e os seus lacaios (incluindo os nossos mencheviques e socialistas-revolucionários de direita) há dez mil atos grandiosos e heroicos — tanto mais grandiosos e heroicos quanto são simples, invisíveis, ocultos na vida quotidiana dum bairro fabril ou duma aldeia perdida, são realizados por pessoas que não estão acostumadas (e não têm a possibilidade) a gritar aos quatro ventos sobre cada êxito seu.

   Mas ainda que fosse o contrário — embora eu saiba que tal suposição não é verdadeira — ainda que por 100 atos justos nossos houvesse 10 000 erros, mesmo assim a nossa revolução seria, e será perante a história mundial, grande e invencível, pois pela primeira vez não é a minoria, não são apenas os ricos, não são apenas as pessoas instruídas, mas uma verdadeira massa, uma enorme maioria dos trabalhadores, que constroem eles próprios a nova vida, resolvem as questões mais difíceis da organização socialista com a sua experiência.

   Cada erro neste trabalho, neste trabalho sincero e consciencioso de dezenas de milhões de simples operários e camponeses para reestruturar toda a sua vida, cada erro desse vale milhares e milhões dos êxitos «sem erros» da minoria exploradora, dos êxitos em lograr e iludir os trabalhadores. Pois só através de tais erros os operários e camponeses aprenderão a construir a nova vida, aprenderão a passar sem os capitalistas, só assim eles abrirão o caminho — através de milhares de obstáculos — para o socialismo vitorioso.

   Cometem erros ao fazer o seu trabalho revolucionário, os nossos camponeses, que de um só golpe, numa só noite, de 25 a 26 de Outubro (velho estilo) de 1917, aboliram toda a propriedade privada da terra e estão agora, de mês para mês, superando dificuldades imensas, corrigindo-se a si próprios, a cumprir na prática a tarefa dificílima de organizar novas condições de vida económica, de lutar contra os kulaques, de garantir a terra para os trabalhadores (e não para os ricos), de passar à grande agricultura comunista.

   Cometem erros ao fazer o seu trabalho revolucionário os nossos operários, que nacionalizaram agora, em alguns meses, quase todas as grandes fábricas, e estudam, através de um duro trabalho quotidiano, a nova obra de gestão de ramos inteiros da indústria, que organizam as empresas nacionalizadas, superando a gigantesca resistência da rotina, do espírito pequeno-burguês, do egoísmo, que lançam, pedra a pedra, os alicerces de novas relações sociais, de uma nova disciplina do trabalho, de um novo poder dos sindicatos operários sobre os seus membros.

   Cometem erros ao fazer o seu trabalho revolucionário os nossos Sovietes, criados já em 1905 pelo poderoso ascenso das massas. Os Sovietes de operários e camponeses são um novo tipo de Estado, um novo tipo, superior, de democracia, são a forma da ditadura do proletariado, o meio de administrar o Estado sem a burguesia e contra a burguesia. Pela primeira vez a democracia serve aqui para as massas, para os trabalhadores, deixando de ser uma democracia para os ricos, como continua a ser a democracia em todas as repúblicas burguesas, mesmo nas mais democráticas. Pela primeira vez as massas populares cumprem a tarefa, à escala de centenas de milhões de pessoas, da realização da ditadura dos proletários e semiproletários — tarefa sem cujo cumprimento não se pode sequer falar de socialismo.

   Que os pedantes ou os homens incuravelmente cheios de preconceitos democrático-burgueses ou parlamentares abanem perplexamente a cabeça a propósito dos nossos Sovietes de Deputados, detendo-se, por exemplo, na ausência de eleições diretas. Essas pessoas não esqueceram nem aprenderam nada no período das grandes viragens de 1914-1918. A união da ditadura do proletariado com a nova democracia para os trabalhadores, da guerra civil com a mais ampla participação das massas na política — tal união não pode ser conseguida imediatamente e não cabe nas formas triviais do democratismo parlamentar rotineiro. Um novo mundo, o mundo do socialismo — eis o que se nos apresenta nos seus contornos sob a forma de República Soviética. E não admira que este mundo não nasça já pronto, não saia de uma vez, como Minerva da cabeça de Júpiter.

   Enquanto as velhas constituições democrático-burguesas exaltavam, por exemplo, a igualdade formal e o direito de reunião, a nossa Constituição Soviética proletária e camponesa rejeita a hipocrisia da igualdade formal. Quando os republicanos burgueses derrubavam tronos, então não se preocupavam com a igualdade formal dos monárquicos com os republicanos. Quando se trata de derrubamento da burguesia, só traidores ou idiotas podem reclamar uma igualdade formal de direitos para a burguesia. Não vale um tostão a «liberdade de reunião» para os operários e camponeses se todos os melhores edifícios estão em poder da burguesia. Os nossos Sovietes tiraram aos ricos todos os bons edifícios, tanto nas cidades como nas aldeias, entregando todos estes edifícios aos operários e camponeses para as suas uniões e assembleias. Eis a nossa liberdade de reunião --- para os trabalhadores! Eis o sentido e o conteúdo da nossa Constituição Soviética, da nossa Constituição Socialista!

   E eis porque todos nós estamos tão profundamente convencidos de que, quaisquer que sejam as desgraças que caiam sobre a nossa República dos Sovietes, ela é invencível.

   Ela é invencível porque cada golpe do imperialismo enraivecido, cada derrota que a burguesia internacional nos inflige, levantam para a luta novas e novas camadas de operários e camponeses, ensinam-nos ao preço dos maiores sacrifícios, temperam-nos, geram um novo heroísmo de massas.

   Nós sabemos que a vossa ajuda, camaradas operários americanos, não chegará, talvez, muito rapidamente, pois o desenvolvimento da revolução nos diversos países se realiza sob formas diferentes e a ritmos diferentes (e não pode realizar-se de outra maneira). Nós sabemos que a revolução proletária europeia pode não eclodir ainda nas próximas semanas, por mais rapidamente que tenha amadurecido nos últimos tempos. Nós apostamos na inevitabilidade da revolução internacional, mas isso não significa de modo algum que apostemos como tontos na inevitabilidade da revolução num período determinado e curto. Nós vimos as duas grandes revoluções de 1905 e de 1917 no nosso país e sabemos que as revoluções não se fazem por encomenda nem por acordo. Nós sabemos que as circunstâncias lançaram para a frente o nosso destacamento, o destacamento da Rússia do proletariado socialista, não devido aos nossos méritos, mas devido a um atraso especial da Rússia, e que antes que rebente a revolução internacional é possível uma série de derrotas de diferentes revoluções.

   Apesar disso, sabemos firmemente que somos invencíveis, porque a humanidade não será quebrada pelo massacre imperialista, mas superá-lo-á. E o primeiro país que quebrou as grilhetas da guerra imperialista foi o nosso país. Suportámos duríssimos sacrifícios na luta pela destruição dessas grilhetas, mas quebrámo-las. Estamos fora de dependências imperialistas, levantámos perante todo o mundo a bandeira da luta pelo derrubamento completo do imperialismo.

   Encontramo-nos como que numa fortaleza assediada, enquanto não chegarem em nossa ajuda outros destacamentos da revolução socialista internacional. Mas esses destacamentos existem, são mais numerosos do que os nossos, eles amadurecem, crescem, reforçam-se à medida que prosseguem as atrocidades do imperialismo. Os operários rompem com os seus sociais-traidores, os Gompers, Henderson, Renaudel, Scheidemann, Renner. Os operários avançam devagar, mas firmemente, para a táctica comunista, bolchevique, para a revolução proletária, a única que está em condições de salvar a cultura e a humanidade que se afundam.

   Numa palavra, somos invencíveis, pois é invencível a revolução proletária mundial.

*Trecho da Carta ao Operários Americanos.

Edição: Página 1917.


 

 

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